06/08/2025 - 7:29
Alíquota de 50% é uma das maiores aplicadas pela Casa Branca, mas produtos brasileiros importantes escaparam da medida. Trump tenta pressionar Brasil sobre julgamento de Bolsonaro.Os Estados Unidos começaram a cobrar nesta quarta-feira (06/08) as novas tarifas de importação sobre produtos brasileiros, anunciadas em julho pelo presidente americano Donald Trump como forma de pressionar o Brasil a anular o julgamento do seu aliado e ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.
O Brasil, que no início da guerra tarifária global deflagrada por Trump havia sido poupado e mantido a alíquota base de 10%, agora verá diversos de seus produtos serem tarifados a 50%, uma das maiores aplicadas pelo governo americano.
A nova tarifa atingirá produtos importantes da pauta de exportação brasileira, como café, carne bovina e açúcar. No entanto, o decreto da Casa Branca que regulamenta a medida deixou muitos produtos brasileiros de fora da alíquota de 50%, incluindo aeronaves civis, veículos, suco de laranja e petróleo.
O vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, afirmou que a nova tarifa de 50% se aplicará a apenas cerca de 36% das exportações brasileiras para os Estados Unidos. Quase 700 produtos brasileiros ficaram de fora da alíquota mais alta.
“As tarifas não são boas, mas eles [o governo brasileiro] esperavam algo pior”, escreveu em uma nota Valentina Sader, especialista em Brasil do think tank Atlantic Council, que prevê que a economia brasileira provavelmente “resistirá às tarifas”.
“O governo parece estar considerando subsidiar alguns dos setores mais impactados, mas podemos ver o Brasil tentando diversificar seus mercados de exportação”, afirmou ela à agência de notícias AFP.
Governo brasileiro espera café e carne na lista de isentos
A ministra brasileira do Planejamento, Simone Tebet, afirmou na terça-feira esperar que o café e a carne brasileiros também sejam incluídos na lista de exceções à alíquota de 50%. O Brasil é o maior fornecedor mundial desses produtos, e a tarifa mais alta terá impacto sobre os preços pagos pelos consumidores americanos.
“Duas coisas que ficaram de fora da lista e que são apreciadas por eles são a carne e o café. Por isso, consideramos que, quando analisarem a inflação que essa medida provocará e realizarem um estudo de opinião pública sobre o seu encarecimento, vão rever a decisão”, disse Tebet.
Mesmo que isso não ocorra, ela afirmou que o Brasil poderá redirecionar sua produção de café para outros mercados, em um contexto de alta dos preços mundiais do produto. Quanto à carne, Tebet avalia que os EUA dificilmente encontrarão fornecedores alternativos.
Em 2024, o Brasil exportou 8,1 milhões de sacas de café para os EUA, o equivalente a 16% das exportações brasileiras do grão e a aproximadamente um terço do mercado norte-americano.
As vendas de carnes para os EUA, segundo maior destino das exportações brasileiras do setor, totalizaram 1,6 bilhão de dólares em 2024, representando 16,7% dos embarques totais do produto. Juntos, o café e as carnes corresponderam a cerca de 9% do valor das exportações brasileiras para os EUA no ano passado.
Os argumentos da Casa Branca
O anúncio do tarifaço de Trump contra o Brasil teve repercussão mundial, pois o argumento central do presidente americano – de que as tarifas eram necessárias para reduzir o déficit comercial dos EUA – não se aplica neste caso: os EUA têm superávit comercial na sua relação com o Brasil desde 2009.
As justificativas para as tarifas contra o Brasil foram detalhadas no decreto da Casa Branca da semana passada, que afirmou que a medida era necessária “para lidar com políticas, práticas e ações recentes do governo do Brasil que constituem uma ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos.”
O documento destaca que “a perseguição política, intimidação, assédio, censura e processos judiciais contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro e milhares de seus apoiadores constituem graves abusos de direitos humanos que minaram o Estado de Direito no Brasil.”
Ao anunciar o tarifaço, no início de julho, Trump escreveu em um post que “esse julgamento não deveria estar acontecendo”. “É uma caça às bruxas que deve acabar imediatamente!”. No final do mês, a Casa Branca também sancionou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator dos processos relativos à denúncia de tentativa de golpe de Estado,
com a Lei Magnitsky, utilizada para punir estrangeiros acusados de violações graves de direitos humanos ou de corrupção.
O apoio de Trump deixou Bolsonaro mais à vontade para seguir buscando formas de escapar de seu julgamento no STF, que pode ocorrer nos próximos meses, mas parece não ter demovido Moraes, que nesta segunda-feira decretou a prisão domiciliar do ex-presidente brasileiro.
Há também motivos econômicos na decisão da Casa Branca de tarifar o Brasil. O decreto afirma que o governo brasileiro havia adotado “políticas e ações incomuns e extraordinárias” que prejudicam empresas americanas, os direitos de liberdade de expressão de cidadãos americanos, a política externa dos EUA e a economia americana.
O texto cita decisões brasileiras que exigiram redes sociais americanas a “censurar discurso político, remover usuários de plataformas, entregar dados sensíveis de usuários americanos ou alterar suas políticas de moderação de conteúdo”. Em setembro de 2024, a rede social X chegou a ser bloqueada no país por um período após não cumprir ordens judiciais.
Uma investigação comercial contra o Brasil aberta pelo governo dos Estados Unidos no contexto das novas tarifas mira diversas práticas que a Casa Branca descreveu como potencialmente “desleais”, citando as obrigações e multas contra redes sociais americanas, acordos comerciais brasileiros com o México e a Índia e tarifas aplicadas sobre o etanol, entre outras.
Nenhuma delas teve tanta repercussão entre os brasileiros como a menção a uma suposta prática injusta com “meios de pagamentos eletrônicos criados pelo governo” – o Pix. A investigação foi aberta sob a seção 301 da legislação de comércio norte-americana, que abrange “atos, políticas ou práticas de um país estrangeiro que são desarrazoadas ou discriminatórias e prejudicam ou restringem o comércio dos EUA”.
O relatório da agência federal responsável por comércio internacional dos EUA (USTR, na sigla em inglês) afirma que esses meios de pagamento poderiam prejudicar “a competitividade de empresas americanas que atuam no comércio digital e em serviços de pagamento eletrônico”.
Sem conversa entre Lula e Trump
As tarifas de 50% entraram em vigor sem que o Trump e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva tivessem conversado sobre o tema. Em 1º de agosto, Trump chegou a dizer que o brasileiro poderia ligar para ele “a qualquer momento”, e Lula respondeu que o Brasil sempre esteve “aberto ao diálogo”.
Nesta terça-feira, porém, Lula afirmou que iria ligar para Trump não para tratar do tarifaço, mas para convidá-lo a ir à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas 30 (COP30) que será realizada em Belém, em novembro.
“Não vou ligar para o Trump para comercializar, porque ele não quer falar. Mas pode ficar certa, Marina (Silva, ministra do Meio Ambiente), que vou ligar para convidá-lo para vir pra COP, porque quero saber o que ele pensa da questão climática, vou ligar para ele, para Xi Jinping (presidente da China), para o Narendra Modi (primeiro-ministro da Índia)”, afirmou o brasileiro.
O Brasil considera recorrer à Organização Mundial de Comércio (OMC) e argumentar que o tarifaço de Trump representa “sério risco à arquitetura internacional de comércio”, além de descumprir obrigações dos EUA com os acordos da entidade e carecer de fundamento técnico. No entanto, a OMC está no momento paralisada pelos EUA, que não indicou árbitros e não vem participando da organização.
Nesta quarta-feira, o governo da China, maior parceiro comercial do Brasil, expressou apoio ao país em resistir ao “comportamento de bullying” da Casa Branca. Em uma ligação do ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, com o assessor especial da Presidência Celso Amorim, ele afirmou que Pequim apoia Brasília na sua oposição a interferências externas “desarrazoadas” nos assuntos internos brasileiros, sem mencionar Washington expressamente.
bl (AFP, Reuters, Lusa, ots)