O desejo de Donald Trump de que a Coca-Cola comercializada nos Estados Unidos seja produzida apenas com açúcar de cana pode esbarrar em uma dificuldade criada pelo próprio presidente: as tarifas impostas ao Brasil e a outros países que exportam o insumo para as fábricas de refrigerante norte-americanas.

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Segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), a produção de açúcar de cana no país na safra 2025/26 deverá representar cerca de 30% da demanda total do país. Assim, seria necessário importar para suprir cerca de 70% da necessidade do insumo nos Estados Unidos.

Donald Trump incluiu os dois países que atualmente mais exportam açúcar de cana para os Estados Unidos em sua última rodada de tarifas. México, o primeiro colocado, recebeu o anúncio de taxas de 30%. Segundo maior exportador, o Brasil será taxado em 50% a partir de 1º de agosto.

Para o chefe do Departamento de Relações Internacionais da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Roberto Medina, a situação “desvela o quanto essas medidas estão, em primeiro lugar, desarticuladas, em segundo, muito mal calculadas em termos estratégicos”.

“Isso revela um notável despreparo da gestão Donald Trump em produzir cálculo de risco das suas ações, razão pela qual é quase anedótica a condição de um Trump que ao propor medidas austeras, em forma de bravatas, em ato contínuo, vê-se obrigado pela própria realidade a recuar delas”, analisa Medina.

Coca-Cola mais cara

Atualmente, o refrigerante no país utiliza xarope de milho para adoçar a bebida, uma opção consideravelmente mais barata. Quando comercializada no país, a versão com açúcar de cana recebe o nome comercial de “Coca-Cola Mexicana”.

No entanto, ainda não há confirmação oficial da Coca-Cola sobre a mudança. O anúncio ocorreu em uma postagem de rede social de Donald Trump: “Conversei com a Coca-Cola sobre o uso de açúcar de cana DE VERDADE na Coca-Cola nos Estados Unidos, e eles aceitaram”, escreveu o presidente.

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A Coca-Cola foi procurada por IstoÉ Dinheiro para comentar sobre a veracidade da medida e como a empresa pretende conciliar o aumento do uso do açúcar com o encarecimento do produto por conta das tarifas. A empresa ainda não retornou e o texto será atualizado assim que houver resposta.

Especialistas consultados, no entanto, afirmam que o impacto cairia sobre o consumidor.

“A tendência seria ou uma escassez do produto lá, que obrigaria a Coca-Cola a rever ou adiar sua decisão; ou, o que é mais provável, o encarecimento puro e simples”, afirma o economista Robson Gonçalves, professor de MBAs da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Segundo a analista Heather Jones, da Heather Jones Research, se a Coca-Cola trocasse todo seu adoçante atual pelo açúcar de cana, o aumento de custo provavelmente ultrapassaria US$ 1 bilhão. O cálculo leva em conta apenas os custos atuais, sem as novas tarifas.

Para tentar diminuir o impacto das taxas, uma alternativa para os Estados Unidos seria buscar o açúcar de outros países, como Austrália, Tailândia ou o próprio México.

Robson Gonçalves destaca que o país poderia ainda importar o açúcar de cana de um país que não é produtor, como a Alemanha. “Lógico que os custos de frete podem encarecer um pouco, mas o encarecimento logístico dificilmente alcançaria a ordem de grandeza da tarifa de 50%.”

E os produtores brasileiros?

Os produtores de cana-de-açúcar brasileiros, no entanto, tem preocupações maiores do que o açúcar: as tarifas de Donald Trump podem atingir diretamente o setor de etanol. Nota divulgada pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), por exemplo, foca apenas o combustível, sem comentar o caso da Coca-Cola.

A maior tranquilidade em relação ao açúcar brasileiro ocorre pois ele já é extremamente taxado nos Estados Unidos. Atualmente, o país permite a entrada de até 152 mil toneladas anuais do insumo. O excedente já enfrenta tarifas de quase 80%.

Máquina corta cana-de-açúcar em canavial da São Martinho em Pradópolis 13/09/2018 REUTERS/Paulo Whitaker
Máquina corta cana-de-açúcar em canavial da São Martinho em Pradópolis
13/09/2018 REUTERS/Paulo Whitaker

“A tarifa atual fora da cota já é proibitiva”, comenta o pesquisador e professor do Insper Agro, Marcos Jank. “O que está em suspenso é saber se vai ou não ter a cota, mas mantendo a cota, o impacto praticamente não existe.”

Além disso, o Brasil exporta cana-de-açúcar para muitos países. “Em torno de 12% das exportações totais de açúcar brasileiro são destinados aos Estados Unidos. É um montante significativo, mas está longe de comprometer todo o setor produtivo”, diz Roberto Medina, da Unifesp.

Medina acredita que, como diversos países enfrentam taxas similares, a solução possa ainda passar por acordos para além dos EUA. “Diversas economias não têm alternativa senão buscar a cooperação com outros atores. Que esses atores então possam, em termos cooperativos, minimizar perdas e impulsionar ganhos”, conclui.

(*com informações da Reuters)