15/07/2025 - 11:43
A ameaça comercial de Donald Trump pode trazer efeitos devastadores ao Brasil, mas, no momento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva surfa uma onda nacionalista, enquanto a oposição de direita reage dividida e na defensiva.
O presidente americano anunciou na semana passada tarifas de 50% às importações brasileiras a partir de agosto, pelo que chamou de “caça às bruxas” contra seu aliado, o ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.
Em entrevistas à imprensa e discursos, Lula, usando um boné com a frase o “Brasil é dos brasileiros”, condenou a “interferência” americana e disse que não descarta ações de “reciprocidade”.
Mas a ameaça de Trump não poderia ter chegado em um momento melhor para o ex-sindicalista de 79 anos, faltando pouco mais de um ano para as eleições de 2026, que ele afirma querer disputar.
Segundo um pesquisa feita antes da crise comercial, a maioria dos brasileiros desaprovava o governo em meio à inflação persistente (5,35% em 12 meses em junho e o escândalo de fraude no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
O Congresso, de maioria conservadora, bloqueou sua proposta de elevar o IOF.
Diante da ameaças para a economia, o governo Lula apelou para a união nacional, com uma campanha nas redes sociais que inclui o slogan “Brasil se escreve com S de soberania”, em referência ao nome do país em inglês: “Brazil”.
Além disso, o governo ajustou sua defesa de aumentar os impostos aos mais endinheirados à nova situação: “Lula taxa os super-ricos e Bolsonaro taxa o Brasil.”
Também se aproximou daqueles que perderiam mais com as tarifas: o grande empresariado industrial e o poderoso agronegócio, setores tradicionalmente mais próximos da direita.
O aproveitamento que Lula faz deste momento ficou evidente no fim de semana, quando, visivelmente sorridente, recomendou jabuticabas – uma fruta nativa e emblemática do Brasil – para curar o ‘mau humor’ de seu colega americano.
“Vou levar jabuticaba para você, Trump. Você vai perceber que o cara que come jabuticaba de manhã num pais que só ele dá jabuticaba não precisa de briga tarifária, precisa de muita união e muita relação diplomática”, ironizou, enquanto colhia as frutas de uma árvore, segundo um vídeo publicado no Instagram pela primeira-dama Janja.
Na presidência, o momento é aproveitado: “O bolsonarismo quer fazer o Brasil de refém para salvar Bolsonaro. É muito bom”, indicou uma fonte à AFP. “Era o que esperávamos. Agora é aproveitar até o próximo ano”.
Ao permitir o uso do patriotismo, “Trump jogou um bom mimo para Lula”, disse o analista político André César à AFP. E acrescentou: “O brasileiro vai ser chamado para se enrolar na bandeira” nacional, da qual o bolsonarismo buscou se apropriar nos últimos anos.
‘Obrigado, Trump’
A extrema direita brasileira esperava há meses uma sanção de Washington contra Alexandre de Moraes, ministro do STF e relator do caso contra Bolsonaro.
Mas a ameaça de tarifas superou todos os cálculos e dividiu as forças conservadoras, com retrocessos relevantes.
Para o filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL/SP), que há meses faz lobby em defesa de seu pai nos Estados Unidos, a carta do republicano confirmou o “sucesso” do “intenso diálogo” que mantém com Washington.
“Obrigado presidente Trump — torne o Brasil livre outra vez”, escreveu na rede social X, em inglês.
Jair Bolsonaro, por sua vez, disse que “não se alegra” por ver os produtores “sofrer” os possíveis efeitos das tarifas, mas responsabilizou Lula.
E insistiu em que a “solução” passa por aprovar uma anistia no Congresso para os condenados pelo 8 de janeiro de 2023, quando seus apoiadores invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, e da qual ele espera se beneficiar, segundo os seus detratores, para anular tanto o julgamento como a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o torna inelegível até 2030.
‘Isolar ainda mais a extrema direita’
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), um possível candidato da direita nas eleições presidenciais do próximo ano, inicialmente apontou suas armas contra Lula e reuniu-se com Bolsonaro em Brasília.
Mas depois pediu uma “união de esforços”, quando as principais indústrias no estado mais rico do país, como a aeronáutica, começaram a expressar preocupação pelas tarifas.
Para Geraldo Monteiro, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a ameaça de Trump “teve o efeito de isolar ainda mais a extrema direita” criando uma “inesperada coalizão de interesses” entre o governo Lula e a classe empresarial.
“Pode ter mudado” o jogo das eleições de outubro de 2026 a favor do petista para um quarto e inédito novo mandato, opinou Monteiro à AFP, embora ainda falte mais de um ano para a disputa.