Tarifas anunciadas pelo governo norte-americano de Donald Trump contra seus principais parceiros comerciais reacenderam preocupações no Brasil com uma perspectiva inflacionária mais desafiadora, logo após o Banco Central (BC) ter adotado o que muitos viram como uma postura branda sobre o assunto.

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Depois de aumentar as taxas de juros em 1 ponto percentual na semana passada para 13,25%, em linha com sinalização anterior, o BC enfatizou que os riscos de inflação permanecem inclinados para cima.

No entanto, ao detalhar esse balanço de riscos, o Banco Central também declarou que “um cenário menos inflacionário para economias emergentes decorrente de choques sobre o comércio internacional e sobre as condições financeiras globais” agora era considerado um risco baixista para a inflação — uma mensagem que muitos viram como excessivamente branda dada a incerteza em torno das políticas comerciais de Trump.

Dois ex-diretores do Banco Central, falando sob anonimato, disseram à Reuters que a mensagem do BC, já vista como mal redigida na semana passada, agora parece ainda mais fora do tom.

“O cenário é claramente inflacionário para o Brasil e ainda coloca riscos de o próprio Brasil ser alvo (de tarifas) e depreciar mais diretamente a moeda. É um cenário externo bem mais desfavorável e arriscado”, disse um deles.

Um terceiro ex-diretor do BC ponderou que as tarifas de Trump poderiam desencadear uma crise econômica global, com impactos deflacionários, enquanto economistas privados ouvidos pela Reuters divergiram sobre a comunicação da autoridade monetária.

O BC não quis comentar. A ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) será divulgada na manhã de terça-feira.

A mensagem da autarquia veio em um momento de relativa calma para a moeda brasileira, que se valorizou quase 6% em janeiro após uma intensa queda no ano passado.

Efeito Trump no câmbio

Nesta segunda-feira, no entanto, acompanhando o forte impacto nos mercados globais do anúncio da elevação de tarifas de Trump mirando México, Canadá e China, o real voltou a ser afetado.

A moeda se enfraqueceu mais de 1% em relação ao dólar antes de apagar essas perdas por volta do meio-dia, quando Trump concordou em pausar tarifas sobre o México por um mês em uma ligação com a presidente Claudia Sheinbaum.

A moeda brasileira, que perdeu mais de 20% no ano passado em meio a dúvidas sobre a disciplina fiscal do governo, tem sido um dos principais impulsionadores das pressões inflacionárias no Brasil.

O consultor econômico Márcio Estrela, ex-servidor do BC, disse que os desenvolvimentos recentes sem dúvida enfraqueceram o argumento de um cenário menos inflacionário para mercados emergentes.

“Se as tarifas forem totalmente implementadas, elas serão inflacionárias nos EUA e reduzirão significativamente as chances de um corte de taxa do Fed”, disse ele.

No entanto, Estrela observou que uma queda sustentada nos mercados de ações dos EUA e interrupções nas cadeias de suprimentos poderiam, em última análise, desencadear uma recessão, o que seria deflacionário.

Na avaliação do economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, a implementação das tarifas impacta o Brasil por diversos canais, com preponderância de fatores de alta, como preços e juros mais altos nos EUA, que superam os fatores que pressionam a inflação para baixo, como uma desaceleração da atividade econômica global.

“O BC citou um choque que vários analistas acreditam ser inflacionário, mas mencionou como deflacionário. De fato, abre um espaço para algumas dúvidas, eles vão ter que se pronunciar com um pouco mais de clareza”, disse.

Para Salles, o simples fato de Trump não implementar totalmente o que prometeu não deveria entrar como fator de risco desinflacionário porque o BC não indicou anteriormente que já havia incorporado efeitos do choque tarifário em seu cenário.

A economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta, por outro lado, concorda integralmente com o BC na inclusão desse risco de baixa para os preços, considerando que durante a campanha eleitoral em 2024 Trump prometeu uma política tarifária muito mais agressiva, o que já havia se refletido em preços de ativos, no câmbio e na economia real.

Em uma das declarações feitas no ano passado, Trump afirmou que as novas tarifas sobre a China seriam de 60% a 100%.

“Nesse recorte que o BC pegou de 45 dias (entre as duas reuniões do Copom), o receio que existia sobre essa taxação do Trump foi suavizado de forma muito intensa”, afirmou.

“O BC trouxe esse fator de melhora na percepção sobre os riscos globais no seu balanço de riscos, que embute as condições financeiras e o dólar, para mencionar que isso está no radar, mas não é, nem de longe, o cenário base da instituição.”