A taxa básica de juros elevada, hoje em 15% ao ano, afeta a indústria, assim como outros setores, tanto pelo lado da produção, com o crédito mais caro para investimentos em expansão, inovação e produção, como pelo lado da demanda dos consumidores, que também se deparam como crédito mais caro na hora de adquirir produtos de maior valor agregado, compra, em geral, feita parcelada.

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Mas o alívio desse cenário veio pelo desemprego em patamar mínimo histórico, assim como em níveis históricos, para cima, a renda média do trabalhador, avalia Gustavo Ambar, diretor-geral da Whirpool no Brasil, fabricante das marcas Consul e Brastemp. “Renda mais emprego aliviaram o efeito dos juros”, disse Ambar em entrevista exclusiva à IstoÉ Dinheiro.

A taxa de desemprego foi medida pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 5,6% no terceiro trimestre deste ano, a menor da série histórica, iniciada em 2012, e com quase 60% da população em idade de trabalho ocupada. Enquanto a renda média mensal está em R$ 3.507.

O dito ‘alívio’ foi providencial, uma vez que a expectativa no final de 2024 – se iniciasse o ciclo afrouxamento na Selic, mas o movimento foi o inverso. A projeção do mercado é que a taxa comece a cair no primeiro trimestre de 2026.

Mas além do mercado de trabalho aquecido e da renda maior, conta para o cenário positivo o grande espaço que o segmento de eletrodoméstico tem a ocupar no país. Primeiro para produtos já consolidados, como geladeira e fogões, mas que hoje se aproximam, em geral, de sua expectativa de vida útil.

“Ainda tem um grande espaço de alguns produtos, pois temos o que chamamos de parque instalado antigo, principalmente geladeira. Cerca de metade do parque tem mais de seis anos, que é quase uma vida útil do produto, na casa dos sete a oito anos. Então, para essas categorias que a gente já tem uma boa penetração, o parque está antigo”.

E também para outras categorias que tem potencial de expansão. “Forno e cooktop, por exemplo, 20% da população tem. Já lava-louça, são 2% da população. Então, temos espaço em algumas categorias, ou porque o produto está velho, e especificamente de outras, porque ainda o consumidor está se habituando a ter e usar esses produtos em casa”.

Então, resume Ambar, “o macro que ia atrapalhar não atrapalhou, e o micro a gente continua com essa oportunidade no médio e longo prazos. Dessa forma, o mercado continua crescendo.”

Nos últimos dois – 2023 e 2024 – a empresa investiu R$ 1 bilhão em duas de suas três suas plantas. Além de Joinville, a Whirpool tem fábrica em Rio Claro (SP), onde são feitas as máquinas de lavar roupa, fogões, fornos e cooktops, e em Manaus (AM), responsável por ar-condicionados e microondas.

“Qual que é o desafio? É como fazer na linha [de produção], seja com o colaborador ou por meio de robôs, itens distintos utilizando processos similares. Para que a gente consiga fazer isso, vamos tentando cada vez mais achar padrões comuns entre os produtos, e combinar com o comportamento da demanda. E, assim, conseguir fazer as devidas mudanças na produção”.

O foco foi principalmente para Joinville, que abocanhou 70% do desembolso anual de investimentos, que, explica Ambar, costumam ser em torno de 3% a 4% do faturamento, direcionados para inovação e automação principalmente, que levam ao aumento da capacidade. “Tudo que gera maior competitividade”. Para 2025, a expectativa é de fechar no mesmo patamar de cerca de R$ 500 bilhões de investimento.

“Conseguindo gerar essa competitividade, a gente passa a ter apetite maior para exportar. Temos ambições de subir o percentual de exportação de Joinville, hoje na casa dos 2%- 3% de tudo que é produzido lá. Queremos perseguir os 5%, depois 7%, para chegar em 10%”.

Cenário externo em tempos de guerra tarifária

A estratégia comercial dos Estados Unidos, com promoção de ‘tarifaço’, não afeta diretamente a empresa, já que não exporta aqui para lá. Mas o impacto é indireto, por meio do excesso de oferta de produtos da Ásia, sobretudo da China, que, devido a desacelerações em mercados como Europa e dos EUA inclusive, direciona seu capital e produção para a América do Sul, sendo o Brasil o principal destino.

O cenário, por um lado, estimula a busca por matéria-prima externa, que pode ser mais barata. Por outro, levanta dúvidas sobre a manutenção de fornecedores locais, embora atualmente 90% a 95% do que é manufaturado pela empresa seja no Brasil, com 70% a 75% de insumos e matéria-prima local.

Estamos acostumados com esses constantes ajustes na regra do jogo. A estratégia da empresa é buscar novos caminhos sem ser definitiva, dado o alto grau de incerteza regulatória e política no país”, diz.

75 anos de Consul

A marca Consul celebra 75 anos em 2025. Fundada em 1950 na cidade de Joinville (SC) em 1997 foi comprada pela multinacional americana Whirpool, também dona da Brastemp. Boa parte dos produtos seguem sendo produzidos na planta em Santa Catarina, onde trabalham 6.500 funcionários que despacham para o Brasil e a América Latina refrigeradores, freezers e secadoras. Segundo a Whirpool, é uma das maiores fábricas de refrigerador do mundo e a maior da multinacional. A planta também abriga o maior centro de desenvolvimento de produtos da marca global.

Consul
Divulgação/Whirpool/Consul

A fabricante explora dois grandes trunfos neste ano de celebração: ser brasileira e ter lançado uma série de produtos com pioneirismo no país. Começando por ter lançado o primeiro refrigerador nacional, e então o primeiro freezer doméstico, o primeiro frigobar, etc.

Pulando para o século 21, a Consul destaca inovações pensadas para o Brasil, como o ‘ciclo rede’ nas máquinas de lavar da marca, após identificarem essa necessidade do consumidor brasileiro, principalmente da região Nordeste do país, onde a rede é um item comum nas casas e na rotina da população.

A região também é um dos principais mercados para a marca e está no foco do reposicionamento da Consul anunciado em meados de novembro.

“A casa é o centro da vida dos brasileiros. E a Consul tem como propósito levar aos nossos consumidores produtos que sejam democráticos – com preço justo – e facilitem o dia a dia. Cada detalhe dos produtos criados é pensado para atender as necessidades reais dos brasileiros”, diz Bertha Fernandes, head de Marcas e Comunicação da Whirlpool Brasil.

Entre outras particularidades brasileiras, a executiva aponta para a cervejeira, eletrodoméstico criado no Brasil que teve como inspiração o hábito nacional não só do churrasco como do consumo de cerveja gelada. Outro ponto bastante local que a marca também vai explorar é o inox. Não exatamente seu perfil técnico ou inovador, mas o aspiracional que ele carrega para uma parcela dos consumidores, que enxergam uma geladeira ou um fogão de inox como uma ‘ascensão’ e até mesmo como item decorativo.

A nova campanha da marca vem acompanhado ainda do lançamento de um novo refrigerador, o CM40, que além de mirar na popularização do inox, pretende ser o modelo de entrada para categoria frost free (que não precisa do processo manual de descongelamento periódico).

“O modelo foi desenvolvido pensando nas pessoas que estão saindo do refrigerador não frost free para o primeiro frost free. Então ele vai ser um frost free super acessível. É sobre isso, dar acesso ao primeiro frost free”, diz Bertha, que explica ainda que a categoria frost free ainda tem penetração baixa em muitas regiões do país.