09/01/2020 - 18:46
Desde o último dia 20 de dezembro de 2019, o presidente do Banco Central (BC) Roberto Campos Neto possui em suas gavetas um ofício da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) cumprimentando-o cordialmente e solicitando a revogação do artigo 2° da Resolução 4.765/2019, editada em 27 de novembro passado. No referido ofício, a OAB argumenta que a cobrança pelos bancos da tarifa pela disponibilização do cheque especial aos clientes é ilegal, inconstitucional e fragiliza a defesa do consumidor.
“Não pode o consumidor anuir com uma cláusula que seja abusiva ou com uma obrigação que não seja devida. Nesses termos, não pode ficar sujeito à cobrança de tarifa pela disponibilização de cheque especial, independentemente da efetiva utilização do serviço. Tal previsão claramente coloca o consumidor em uma situação de desvantagem exagerada, ao arcar com um gravame por algo de que não usufruiu, o que desequilibra a relação contratual”, afirma o documento assinado pelo presidente da OAB, Felipe Santa Cruz Oliveira Scaletsky e pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
Segundo a resolução em questão, os bancos e financeiras estão autorizados a cobrar uma tarifa de 0,25% sobre o limite de crédito sobre o valor que exceder R$ 500 (limite isento de taxa). A cobrança poderá ser feita uma vez por mês, segundo a resolução que entrou em vigor no último dia 6 de janeiro de 2020. Num exemplo simples, se alguém possui um limite de crédito de R$ 5 mil no cheque especial, pagará uma taxa de R$ 11,50 por mês (R$ 4,5 mil x 0,25%). Um dos pontos polêmicos dessa medida é que a tarifa será cobrada pela simples disponibilidade desse limite, e não pelo uso do crédito, que incide juros. Na prática, se o cliente não quiser pagar essa taxa terá que entrar em contato com a instituição financeira e solicitar a redução do limite do crédito para a faixa isenta de R$ 500.
Na visão de Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), com a resolução, o BC tabelou os juros do cheque especial em 8% ao mês, mas criou uma outra taxa sobre os clientes. “É uma medida ruim. O BC está tabelando os juros, sem atacar as causas do problema dos juros altos, a falta de competição no Sistema Financeiro. A Agenda BC e o Cadastro Positivo são muito mais importantes para aumentar a presença de fintechs e de novos bancos e estimular a concorrência e baixar os juros”, disse.
Em outro aspecto, vale mencionar que BC criou essa nova taxa porque os bancos argumentavam por meio da Febraban à autoridade reguladora, que um dos motivos para os juros serem mais elevados era pelo fato de que os clientes solicitavam limites elevados no cheque especial, até com a finalidade de reserva de emergência. Devido a esse comportamento, as instituições tinham que estocar um alto volume de recursos para atender as contas dos clientes, sem a possibilidade de migrar esse dinheiro (em muitos casos, sem uso imediato) para outras modalidades de empréstimos. Visto por essa lógica, os bancos possuem suas argumentações coerentes, mas não é o caso do BC permitir taxar os clientes pelo não uso do limite. O que se observa é a constatação de um comportamento financeiro inadequado e até cultural dos brasileiros de “pensar” que seu limite do cheque especial é uma extensão de sua renda, o que não é verdade. Em outras palavras, o cheque especial ser visto como uma reserva para emergências (a juros estratosféricos cobrados pelos bancos) reafirma o quão sério é o problema de falta de educação financeira em nossa sociedade. Numa visão mais analítica, além de competição no setor bancário, o BC também terá que se preocupar em desenvolver um amplo programa de educação no País para cumprir sua meta de reduzir os juros, sem artifícios e tabelamentos que criam outras distorções no mercado.