Uma acirrada disputa em torno da importação de aço transformou-se em uma guerra aberta em um setor gigantesco da economia e que concentra algumas das maiores empresas do país. De um lado, postam-se as siderúrgicas brasileiras, que defendem maior taxação sobre a entrada de aço chinês no Brasil, movimento que tem se intensificado nos últimos meses. De outro, posicionam-se empresas compradoras desse aço, que argumentam que a taxação pode gerar custos altamente prejudiciais à indústria de bens de capital. Na semana passada, uma declaração do presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, funcionou como gasolina atirada a uma fogueira que já ardia em fogo brando. 

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Velloso acusou as siderúrgicas brasileiras de “fazer chantagem” e, nominalmente, atacou o presidente da maior delas, a Gerdau. Velloso chamou o executivo Gustavo Werneck, CEO da Gerdau, de “moleque” e disse que seus argumentos em defesa da proteção ao aço brasileiro são “mentiras”. As declarações caíram como uma bomba em um setor marcado pela discrição e reserva nos posicionamentos, surpreendendo desde representantes do governo que lidam com o assunto no Ministério do Desenvolvimento Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) a membros da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Nunca vimos uma disputa nesse setor escalar a esse tom. É até o caso de se questionar a legitimidade de uma liderança que faz essas acusações”, diz uma fonte ligada à entidade.

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A guerra do aço tem origem em um pleito apresentado pelo Instituto Aço Brasil junto ao MDIC para elevar a alíquota de importação de vários produtos, entre eles um tipo de aço específico utilizado pelas indústrias brasileiras de máquinas. O instituto pede a elevação da taxa atual – que varia entre 11% e 12% – para 25%.

O presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, e o presidente da Abimaq, José Velloso, falaram à Dinheiro sobre a briga entre os setores, um embate que deve ir longe. 

Siderúrgicas temem “invasão chinesa”

O setor da siderurgia nacional, que concentra gigantes como a Gerdau e a CSN, teme que o país seja inundado por aço chinês. Com a economia do país asiático crescendo menos e o setor de construção civil desaquecido por conta da recente quebra da Evergrande, o presidente do Instituto Aço Brasil reforça que o aço chinês já é taxado em 25% em países como Estados Unidos, México e pela União Europeia. Ele teme que empresas paralisem plantas e aumente o desemprego no setor. 

“O que estamos vivendo é a tempestade perfeita. Temos as vendas internas do setor caindo, exportações caindo, importações subindo de forma exponencial e o setor com ociosidade de 40%, que é muito alto. Se nada for feito você terá como consequência demissões e fechamento de plantas”, explicou Lopes. 

A indústria da siderurgia afirma que há 564 milhões de toneladas de aço excedente para exportação e 191 milhões são chineses. Lopes afirma que a China está exportando atualmente 100 milhões de toneladas, o que significa duas vezes mais que a capacidade do Brasil.  Lopes também chama os argumentos da Abimaq de “narrativas” e que as entidades que criticam o aumento da alíquota não tem nenhuma representatividade. 

“Quem está do lado da coalizão da Abimaq não tem representatividade. A Associação da Indústria Ferroviária: não tem expansão da malha ferroviária no Brasil. A Associação da indústria Naval já foi muito forte e você não tem nada hoje. O grupo que  eu coordeno representa 43% do PIB e tem indústria de cimento, brinquedo e várias outras”, afirmou. 

“O aço mais caro do mundo”

O autor das pesadas críticas contra as siderúrgicas, José Velloso representa o setor dos produtores de máquinas, um dos maiores consumidores de aço no país. Em tom mais comedido que o adotado há duas semanas e evitando polemizar sobre os ataques que desferiu em uma entrevista. “Passei as mesmas informações para vários jornalistas, só que um deles fez essa leitura. Ele entendeu como quis entender e não vou falar mais sobre esse assunto”, disse.

Em sua argumentação, Velloso declara que o aço do Brasil é o mais caro do mundo para pequenas indústrias. Estudo feito pela entidade que preside, a Abimaq, mostra que o aço produzido no país chega a ser 42% mais caro que o importado nacionalizado. Segundo a associação, a tonelada do aço laminado a quente chega a custar US$ 1.210 no Brasil, contra US$ 794 na média dos países. A entidade cita como fonte dos dados a CRU Group, empresa privada especialista em inteligência de negócios.   

Frente às afirmações de que a manutenção das taxas sobre o aço chinês pode levar a indústria da siderurgia demitir trabalhadores, Velloso esboça outro cenário nefasto em que o aumento nas alíquotas teria efeito deletério sobre a inflação, já que produtos como geladeira e automóveis podem ficar mais caros. 

“Se a entrada do aço chinês vai gerar desemprego no setor da siderurgia, a taxação vai ter um impacto econômico muito maior. O setor que representamos gerou 396 mil empregos em 2022, contra  126 mil da siderurgia. Se as barreiras para a entrada do aço importado aumentarem, a situação pode piorar ainda mais”, avalia Velloso.

Na próxima quinta-feira, 8, há expectativa de que o Gecex do Ministério da Indústria e Desenvolvimento tome uma posição sobre a contenda ou solicite mais informações. A guerra, ao que tudo indica, está só começando.