11/03/2022 - 14:58
O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu na última quarta-feira, 9, incluir análises sobre assédio sexual e moral em auditorias a serem realizadas em órgãos da administração pública. A decisão foi dada pelos ministros durante a avaliação dos resultados de um levantamento sobre os sistemas de prevenção e combate ao assédio em organizações do Estado. Dados mostram que mulheres são mais assediadas, mas, em contrapartida, a maioria dos assediadores não sofre punições.
A iniciativa partiu do vice-presidente da Corte, Bruno Dantas. A proposta surgiu num cenário em que 41,12% das mulheres, quando ouvidas, relatam ter sofrido assédio sexual no trabalho, como consta em pesquisa realizada pelo Linkedin e pela Consultoria Think Eva.
Além da inspiração em experiências internacionais, pesquisa interna no TCU identificou que a maioria das vítimas de algum tipo de assédio não buscou apoio ou denunciou à Corregedoria. Dentre os entrevistados, 95% disseram ter sofrido assédio sexual sem denunciar o corrido e outros 98% sofreram as assédio moral sem relatar o caso a superiores ou colegas.
O vice-presidente do TCU avalia que a realização da auditoria foi possível porque o ambiente no tribunal era favorável a essa discussão. O início dos debates sobre a importância de analisar assédio no ambiente de trabalho coincidiu com o começo da gestão da ministra Ana Arraes na presidência do tribunal, em 2021.
A auditoria realizada pelo TCU, e que motivou a replicação das práticas em outros processos, tinha como objetivo identificar os sistemas de prevenção e combate ao assédio moral e sexual em diversas entidades do poder público, como o Senado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e a Controladoria-Geral da União (CGU).
“O TCU procurou liderar pelo exemplo, antes de chegar a essas conclusões desta auditoria, o tribunal instituiu o seu programa, buscou as melhores práticas, procuramos as pessoas que são referência no País neste tema. Nossa ideia é compartilhar isso com países da América Latina que se interessam, porque o Brasil, em novembro, vai assumir a Organização Internacional dos Tribunais de Contas”, disse Dantas ao Estadão.
O caso foi relatado pelo decano do TCU, ministro Walton Alencar Rodrigues, que apresentou um voto firme sobre a importância de “a questão lamentável do assédio, em suas diversas formas, passar a integrar a ação controladora do Tribunal”. Ele sugeriu que, a partir do programa e do acórdão do tribunal, os órgãos públicos estabeleçam modelos de ação próprios. A decisão destaca a necessidade de os órgãos darem atenção ao tema, diante dos tabus que o cercam e os impactos que causa.
“A relevância deste julgamento decorre do fato de que ele lançou um jato de luz sobre uma realidade que todos preferem esconder. O sofrimento das mulheres assediadas perdura por muitos anos ou, mesmo, décadas”, afirmou Alencar ao Estadão. “Elas sabem que as consequências sociais da denúncia são muito cruéis, não contam com nenhuma rede de apoio no local de trabalho, e a possibilidade do assediador sair impune é gigantesca!”, completou.
O relator destacou ser importante incluir nas auditorias do TCU tanto o assédio sexual como moral, “uma vez que ambas as formas de assédio são extremamente perniciosas, tanto à estrutura psicológica do servidor, quanto à higidez da Administração Pública”. Na decisão, ele cita como efeitos do assédio no ambiente de trabalho faltas recorrentes de funcionários; aumento da judicialização das denúncias contra os órgãos; prejuízos causados pelo pagamento de indenizações às vítimas; danos à imagem das entidades; reincidência do assédio, dentre outros problemas.
Mulheres são mais assediadas e punição é modesta
Pesquisas realizadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) revelam que, entre janeiro de 2015 e outubro de 2019, apenas 49 processos disciplinares sobre assédio sexual foram analisados pelos órgãos públicos, sendo que menos de 40% dos casos resultaram em punições aos assediadores.
Em relação ao assédio moral, a CGU identificou 270 ações administrativas instauradas entre janeiro de 2017 a dezembro de 2018, das quais apenas 20% resultaram em alguma penalidade, sendo que mais de 60% das ocorrências foram arquivadas. Em todos os casos analisados, 100% dos assediadores eram homens e 96,5% das vítimas eram mulheres.
“Impõe-se ao TCU assumir o protagonismo na divulgação de boas práticas e na definição de critérios acerca do combate ao assédio moral e sexual, com práticas, dados e estudos que poderão ser aproveitados por todos os órgãos públicos”, consta no acórdão aprovado ontem.
“A proposta de auditoria, para além de destacar temas da mais alta relevância e atualidade, permitiu que fosse trilhado novo caminho, ao evidenciar que entidades de fiscalização superiores podem efetivamente atuar e contribuir para um sistema eficiente e eficaz de prevenção e combate ao assédio nos órgãos e entidades públicas”, destacam os ministros em outro trecho.
Para o vice-presidente do TCU, o resultado da auditoria contribui para a criação de “uma cultura de educação”, que “mostra às pessoas o que não pode ser feito, admitido ou tolerado”. A partir dos resultados, o tribunal já discute com a Administração Regional de Tribunais de Contas da América Latina uma ação conjunta para compartilhar a matriz de auditoria do Brasil para outros países da região.