O fascínio tecnológico move a humanidade desde sempre. Do tempo em que se descobriu a serventia da manipulação da pedra para a caça a criações mais sofisticadas, como o motor a vapor, o domínio da tecnologia sempre serviu à sociedade. E para diferentes propósitos, como sobrevivência, lucro, guerra, conforto, bem-estar e até mesmo para…nada ou quase nada. Não raras vezes, o homem fez estardalhaços em torno de parafernálias sem que soubesse exatamente para que servem ou se realmente precisa delas. O desafio de superar a si próprio, alargando mais e mais seus domínios sobre a tecnologia, exerce o fantástico poder de mover o homem para além de seu alcance. 

 

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Pelos menos duas inovações recentes me fazem pensar nessas questões: os óculos inteligentes e o carro que dispensa motorista. Nesse cenário futurista, uma empresa se destaca, o Google. Seu Glass, cujo lançamento comercial deve ocorrer até o final do ano ou em 2014, funciona por meio de comandos de voz ou movimentos com a cabeça. O protótipo do aparelho permite ao usuário tirar fotos, gravar vídeos e até mesmo obter informações sobre pessoas que estão no mesmo ambiente. E mais: possibilita compartilhar tudo isso num piscar de olhos no Facebook ou no Twitter. É aí que as coisas começam a ficar estranhas. Os entusiastas argumentam que uma maquininha dessas é uma maravilha porque as pessoas ficarão mais conectadas e sociais.

 

Afinal, que legal será balançar a cabeça ou dizer “ok, Glass, tire a foto”, e logo depois publicar no Facebook a imagem da garota que passou do outro lado da rua. Além disso ser dispensável, pois os óculos inteligentes realizam praticamente quase as mesmas funções que os smartphones, isso traz consigo um lado obscuro e, talvez, nada inocente: como fica a questão da privacidade? Com essa tecnologia, preservar a intimidade, algo que já está na berlinda, será praticamente impossível. Nesse ponto, há de se pensar num aspecto: o Google terá ainda mais informações sobre todos nós. Saberá para onde olhamos quando estamos diante de uma vitrine no shopping center ou de uma prateleira de produtos. 

 

“Supermercados e fábricas de embalagens gastam muito dinheiro tentando descobrir para quais pacotes você olha primeiro”, disse ao jornal The Guardian Oliver Stokes, diretor da empresa inglesa de design PDD. “A ideia de que você pode inadvertidamente se tornar acervo de dados de alguém é bastante alarmante.” E o que dizer do carro que dispensa motorista? O protótipo do Google ainda está longe do pleno funcionamento. Independentemente disso, qual a serventia de um carro assim? O Google argumenta que isso trará maior segurança no trânsito. 

 

“Nossos carros automatizados usam câmeras de vídeo, sensores de radar e recursos a laser para ‘ver’ tráfego, bem como mapas detalhados.” Ok. Mas você, leitor, pegaria um táxi que não tem um cidadão de carne e osso ao volante, por mais barbeiro que ele possa ser? E, de novo, para que um veículo assim? Antes que eu pareça um sujeito antitecnológico – algo que não sou–, esclareço que não se trata de colocar freios à inovação. Como já foi dito, desafiar os limites da tecnologia já nos propiciou conquistas formidáveis. O importante é usar esse espírito a nosso favor, refletindo sobre os reais benefícios da inovacão e seus interesses comerciais, e não simplesmente sucumbir a qualquer capricho tecnológico.