16/07/2008 - 7:00
DINHEIRO – A principal crítica dos especialistas do setor é que os ativos estão caros demais, e agora faltam bons negócios. O sr. concorda?
JOÃO PESSOA JORGE– No nosso caso, o problema não é dinheiro. O problema é oportunidade. A questão está em identificar as oportunidades certas. Adotamos diferentes estratégias. Uma delas é ampliar a participação em shopping centers que já temos. A outra é comprar shopping onde não temos presença, e aí está realmente muito difícil. Tudo está caro demais. As empresas estão pagando um valor muito alto pelos ativos em oferta. O fato é que o mercado inflacionou. Tem um pessoal Entrevista / João Pessoa Jorge aí muito maluco. Os caras quiseram ir atrás de market share e aí…
DINHEIRO – E por que vocês não entraram nessa disputa?
JORGE -A gente concorreu em vários empreendimentos. Os bancos organizavam esses contatos, fizemos análises de projetos oferecidos, foram feitas visitas e fechamos propostas com lances, mas perdemos. O mercado dava mais. Na nossa leitura, eles ofereceram muito. Em algum momento vai ficar evidente que eles pagaram além do que valia. Aí, honestamente, não sei o que vai acontecer. Dos oito players principais do setor, quatro estão na Bolsa de Valores de São Paulo. A Bolsa agora está penalizando algumas empresas e há casos do papel valorizando numa taxa abaixo da média da Bolsa. E uma das razões eu acho que é essa. Teve gente que já, inclusive, começou a apresentar os seus resultados financeiros. E o fato é que esses resultados são fracos. O que eles prometeram não foi cumprido. Acho que a Bolsa vai penalizar quem não entregar.
DINHEIRO – Há uma bolha no mercado imobiliário brasileiro?
JORGE – No ano passado teve. O pessoal foi aos IPOs com demasiada sede ao pote e alguns desses eram investidores estrangeiros. Não acho que ela estourou. O fato é que a demanda no setor continua a crescer, há muitos consumidores novos, de classes mais baixas, que começaram a ser consumidores com potencial para gastar. Li nesses dias que o Brasil tem 20 milhões de novos consumidores que entraram no mercado. É gente que começa a ir ao supermercado regularmente. E aí, tudo sobe. Sobe inclusive o preço dos terrenos.
DINHEIRO – O sr. acredita que o mercado já percebeu que há riscos nessa tamanha euforia?
JORGE – Estive em um congresso em maio, em Las Vegas, o “The Global Retail Real Estate Convention”. Todos os grandes empresários do mercado brasileiro estavam lá. Fiz minha apresentação e perguntei exatamente isso.
DINHEIRO – E qual foi a resposta?
JORGE – Ninguém me respondeu. Todos só falaram de seus negócios. O Carlos Medeiros, da BR Malls, falou das empresas dele, assim como o Marcelo Carvalho [da Ancar], o Renato Rique [do Nacional Iguatemi] e o Marcos Gouvêa [analista de mercado]. A sala estava lotada, com umas 200 pessoas, e metade era espectador brasileiro. Eu perguntei: “Vocês aparentemente estão comprando caro?” Não falaram nada. Mas esse é o estilo deles. Na minha apresentação, eu mostrei os dados a respeito e disse: “Olha aqui, os números são esses [ele aponta um material encartado na mesa].” Inclusive, nesse evento, o Renato Rique falou antes de mim. E ele disse: “Eu fui o primeiro a fazer uma joint venture com estrangeiros.” Aí, na minha vez, eu disse com sinceridade mesmo, não foi com cinismo, não: “O sr. Renato disse que foi o primeiro a fazer parceria com estrangeiros, mas já estamos aqui há dez anos. Então, vejo isso com simpatia, porque quer dizer então que nós não somos considerados estrangeiros.” Aí veio a salva de palmas. E ele ficou bravo, acredita? Achei que foi algo até tranqüilo… Não entendi a reação…
DINHEIRO – Mesmo com as críticas de que se pagou demais pelos ativos, os investimentos em shoppings no Brasil ainda estão dando retornos altos, não?
JORGE – No setor imobiliário é assim: você gasta R$ 100 e aluga por R$ 10. Mas shopping center é outro bicho, é um bicho com vida própria. Há uma série de lojistas, uns quebram, outros crescem, mas tem de ir revitalizando o local ou então fica abandonado e as pessoas param de ir. Então, em shopping você investe R$ 100 para ter retorno de 10% ao ano, isso se o cap rate [taxa de rentabilidade] for 10%. Se o cap rate baixar, que é a tendência, o que acontecerá? O retorno cai. Então, o que esse povo está achando? Que comprou num bom momento, quando a taxa de retorno está alta, em torno de 10%, 10,5%. Eles acham, por exemplo, que o caprate vai chegar a uns 6% daqui a alguns anos. Mas isso é a taxa na Europa, que está entre 5,5% e 6,5%. Eu acho que esse índice deve ficar nos 8% em cinco anos.
DINHEIRO – O mercado deverá sofrer, então, um ajuste nos preços?
JORGE – Acho que isso deve acontecer. Quem conseguiu vender pelo preço alto no passado, e tentará vender agora pelo mesmo valor, não vai conseguir. E esse ajuste vai ser rápido, porque esse dinheiro aí que veio de IPO também acaba.
DINHEIRO – E esse será o momento de vocês irem às compras?
JORGE – Depende do que tiver à venda. Há shoppings aí que são péssimos. E isso é outra coisa a que meus concorrentes se referem. Eles dizem que compraram shoppings mal geridos e com a gestão deles o empreendimento vai ficar fantástico e maravilhoso. Pode até ser que alguma coisa melhore, mas não dá para dizer que o que era R$ 100 vai passar para R$ 200, enfim, que o resultado irá disparar. Não há milagre. Nós temos um bom exemplo. Começamos a gerir o Plaza Sul anos atrás. Quando entramos, o shopping tinha 40 lojas vagas, agora tem cinco. Nós chegamos, mostramos nossa cara, começamos a conversar com lojistas que não falavam com o gestor há cinco anos. Reinvestimos dinheiro e os próprios lojistas também melhoraram a loja. Agora ele é outro shopping. A taxa de ocupação, que estava em 94% em 2006, passou para 95,8% no final de 2007, e agora supera os 96%. O que aconteceu? O negócio valorizou-se 20%. Foi 20%, veja bem. Não existe milagre.
DINHEIRO – Nesse processo de ajuste, a concentração do setor deve crescer?
JORGE – A médio prazo isso deve acontecer, até porque há muitos negócios que são de família e aí há o problema de herança, de sucessão. Às vezes o pai é um gênio e o filho não tem jeito para o negócio. Numa análise mais macro, acho que o Brasil está numa posição muito sólida e vai continuar atraindo mais investimentos. É um país muito mais ocidentalizado que outros mercados emergentes. Noutro dia, encontramos alguns investidores europeus e discutíamos isso. Entre Brasil e Rússia, para eles era mais fácil investir no Brasil. A Rússia é um país complicado, a Ucrânia também, Índia então… No Brasil nós já temos como garantia o aumento da inflação na receita, em torno de 6%. Nesse montante estão as nossas rendas fixas. Então, em que ganhamos mais dinheiro? Na receita variável e nas lojas novas que entram no negócio. Como receita variável, entram os contratos com lojistas. Por exemplo, você vai me pagar 4% ou 5% das suas vendas, com base num valor fixo mensal. A renda variável é aquela que excede essa base. Se ele ganhar mais, eu ganho mais. Isso é o variável. No ano passado, nossas rendas variáveis subiram mais de 37%.
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DINHEIRO – Quais os planos do grupo português para o Brasil?
JORGE – Gostaríamos de duplicar o valor da empresa no Brasil em três anos. Isso significava somar mais R$ 500 milhões a nosso faturamento do ano passado. Temos nove shoppings em operação e em 31 de dezembro de 2007 tínhamos 400 milhões de euros em receita, ou R$ 1 bilhão. Se conseguirmos chegar a R$ 1,5 bilhão de faturamento em 31 de dezembro de 2009, então ficaremos satisfeitos. Isso significa que estaremos entre os três primeiros grandes grupos desse mercado, junto com BRMalls e Multiplan. E é isso que buscamos, estar na linha de frente. O ideal é termos três shoppings sempre em construção. E dessa forma, ao partir do zero, fazemos tudo da nossa maneira.
DINHEIRO – A Sonae está conseguindo aumentar a sua participação nos shopping centers em que já detém parcela do controle?
JORGE – Nós queremos aumentar nossa porcentagem. Mas tudo depende do preço. Há fundos que têm participação em empreendimentos e aceitam vender. Mas eles vêm com o seguinte discurso: “Aceito negociar, mas tenho um cara aqui que me paga tanto.” E então nós decidimos se exercemos ou não a opção. Nem sempre dá para negociar. Se for algo razoável, a gente senta e conversa. Tem investidor que quer se desfazer de tudo. Mas aí é preciso ver mesmo se vale a pena. Há duas situações: a primeira é ampliar o controle sem se tornar majoritário. E a segunda é tornar-se o maior acionista. O segundo caminho é melhor, porque podemos implementar a nossa gestão no negócio. Na Europa não temos nenhum shopping center com menos de 50% de participação.
DINHEIRO – Pelo ranking geral, vocês perdem a liderança para a BRMalls e para a Multiplan. Isso o incomoda?
JORGE – As pessoas dizem que somos terceiro, o quarto colocado… Bem, está certo, mas olha nossos números. Isso aqui [ele aponta o balaço financeiro do grupo] é três vezes o tamanho da BRMalls. Temos um pai e uma mãe. O pai chama-se DDR, com 700 shoppings e papéis na Bolsa de Nova York. E a mãe, a Sonae Sierra, tem um net asset value (ativos menos a dívida) de 1,7 bilhão de euros. A BRMalls tem R$ 2 bilhões em ativos. Eu vou entrar em guerra de preço para quê?