03/07/2019 - 9:00
Quantos já se viram num momento em que são desafiadas várias das verdades em que se baseou a sua atuação profissional? Se não é o seu caso, melhor se perguntar se não está vivendo numa bolha ou está mal informado.
É inegável que a tecnologia está transformando a sociedade, os mercados e, consequentemente, o marketing. Porém, ela não é a única responsável. Qualquer academia séria avança por questionar suas verdades absolutas. Por 2.500 anos, as escolas de medicinas ensinaram e praticaram a sangria, que era uma prática tão popular como quanto é hoje tomar um analgésico para dor. Milhares morreram, até se concluir que ela era uma prática inútil e, com frequência, fatal. Alguém teve de desafiar a intelligentsia para mudar essa realidade.
Um estudo da Wharton School revisou nove textos fundamentais de marketing em busca de preceitos. Encontram 566 afirmações normativas (do tipo faça isso, ou não faça aquilo), das quais apenas 20 eram claras o bastante para serem investigadas mais a fundo, que foram enviadas para inúmeros cientistas de marketing para avaliá-las. Eles concordaram com a validade de apenas metade dos conceitos e, pasmem, só dois tinham evidências empíricas que corroboravam com sua tese.
Há algum tempo, estava ministrando uma disciplina de marketing num programa de pós-graduação que coordenava, quando fui presenteada com o livro Como As Marcas Crescem, por um dos professores. Na medida em que avançava na leitura, concluía que aquele era um presente do tipo Cavalo de Tróia. Impossível passar impune a essa leitura e não rever tudo o que replicamos nas várias frentes de atuação profissional, inclusive a docência.
O livro, contudo, como muito do que acontece com a produção acadêmica, não causou um grande impacto no dia-a-dia da maioria das organizações, tampouco nas bibliografias dos cursos que ensinam marketing. Ele sequer é encontrado à venda no Brasil. Se você segue concordando e repetindo as seguintes afirmações, segue fazendo tudo como era antes: (1) diferenciar a marca é tarefa primordial do marketing; (2) é mais barato reter um cliente do que conquistar um novo; (3) as promoções de preço impulsionam penetração e não lealdade. Esses são alguns exemplos do que o livro chama de “mitos” desta ciência.
Nesse ponto, você deve estar se perguntando como poderia discordar destas afirmações. Afinal, a visão kloteriana no mundo do marketing está aí, desde que se organizou o conhecimento deste campo. Eu poderia argumentar que são estudos científicos sérios, liderados pela Ehrenberg-Bass Institute for Marketing Science, que contou com a colaboração de inúmeras universidades pelo mundo afora e com longa base de dados reais e quantitativos da Nielsen e TNS – empresas que trabalham com auditoria de diversos mercados das principais marcas do planeta.
Outro aspecto, contudo, talvez mais importante, seria o resultado de seus negócios. O marketing está longe de ser perfeito e envolve muito desperdício. Consome tempo desnecessário e uma montanha de recursos. As taxas de resposta às campanhas são um exemplo de ineficiência. Uma pesquisa demonstrou que 40% da audiência de TV, em determinado período, havia notado o conteúdo publicitário ao qual haviam sido expostos. Porém, só 16%, além de notar, processou e associou o anúncio à marca correta. Arriscaria dizer que mesmo em termos de mídia segmentada, a realidade, ainda que melhor, é também grave. Qualquer executivo da área de vendas ou marketing sabe que não precisaria desta pesquisa para chegar à conclusão similar. Basta pensar em quantas campanhas, patrocínios, rebrandings, se investiu, e não se teve a expectativa de retorno alcançada.
O objetivo deste artigo é chamar a atenção para esse debate e abrir uma sequência de textos para discutir os mitos e os fatos da prática atual do marketing, que vem sendo imensamente transformada pelas 3ª e 4ª revolução digital, mas também por uma silenciosa revolução nos conceitos da área. Vamos aqui falar de crescimento de marca, distintividade, lealdade ,posicionamento competitivo, liderança, atitude e comportamento do consumidor. A ciência tem um enorme potencial para melhorar a eficácia do marketing, mas é preciso estar aberto a ela em nosso dia a dia profissional.