DINHEIRO – Alguns especialistas dizem que a causa do apagão foi uma sobrecarga em Itaipu, que operava no limite. É verdade?

JORGE SAMEKEsses especialistas não são tão especialistas assim. Temos uma capacidade instalada de 14 mil MW e operávamos com 11,8 mil MW. Todo dia naquele horário é mais ou menos o mesmo. Ou 1% para cima ou 1% para baixo menos do que isso. Quem determina qual deve ser a carga é o Operador Nacional do Sistema. Ele que decide quanto devemos mandar de energia em cada momento. Ele tem dados simultâneos de mais de 600 usinas e manda as ordens de geração de acordo com a eficiência energética. Agora, por exemplo, que está sobrando água no Sul e faltando no Nordeste, a ordem é para produzir o mínimo no Nordeste e o máximo no Sul. É pela ordem de preço. Por isso que as térmicas estão todas desligadas.

DINHEIRO – Se as térmicas entrassem em operação, não reduziriam a pressão sobre Itaipu?

SAMEK Isso é mais uma barbaridade que falaram. Não tivemos nenhum problema de geração. O problema foi na transmissão. E aí tanto faz produzir térmica, solar, bagaço de cana ou óleo. O problema de geração foi em 2001. Desta vez, Itaipu estava vertendo três mil metros cúbicos de água, que sobravam além da geração de energia. Imagina jogar mais água fora e gerar energia com uma térmica, quando há linhas de transmissão para levar a energia para outras regiões. Seria um libelo à ignorância. Uma estupidez.

DINHEIRO – O sr. acha que a defesa das térmicas é por interesse econômico ou por falta de conhecimento do sistema?

SAMEKAs duas coisas. Tem uns que fazem por desconhecimento, outros porque têm interesse. Outros porque aliam as duas coisas. E outros que fazem por política.

DINHEIRO – Quando uma térmica está desligada, o dono recebe?

SAMEKGanha, mas é como você pegar um táxi e mandar o táxi parar. As térmicas são um seguro que o Brasil fez, uma vez que nós temos muita utilização de energia hidráulica, que varia de acordo com as chuvas. O Brasil só usou até hoje 30% do seu potencial hidráulico. As térmicas não foram feitas para trabalhar, mas para ficar paradas. É como um bombeiro: eu gasto uma nota com bombeiro em Itaipu, mas quanto menos eles precisarem trabalhar, melhor.

DINHEIRO – Itaipu tem a energia mais barata do Brasil?

SAMEKNão, porque existem muitas usinas que já estão pagas. É a chama da energia velha, que já está com todo o seu custo de construção amortizado. Itaipu ainda tem mais alguns anos para se pagar. Agora, com a queda do dólar, a energia de Itaipu vai ficar mais barata, porque o custo dos royalties vai cair. E, além disso, em 2009 nós praticamente não ligamos as térmicas. No ano passado, como a chuva demorou, nós tivemos que usar muito. Isso quer dizer que no ano que vem a tarifa de energia vai ficar mais barata. Em pelo menos 10%.

DINHEIRO – E não é uma ironia que, num momento de uma folga hidrográfica, aconteça um apagão?

SAMEKMas não foi um problema de geração. Foi um problema na linha de transmissão.

DINHEIRO – O sr. disse que a Lei de Murphy causou o apagão, porque seis dos 20 mil quilômetros de linhas de transmissão andam juntos. Mas isso não é uma vulnerabilidade?

SAMEKAs linhas de 50 hertz e de 60 hertz andam com 20 quilômetros de distância umas das outras, justamente para evitar um tornado, as grandes descargas elétricas. Mas para entrar na estação elas têm que entrar junto, não tem jeito. É como se a cidade inteira saísse para ir à aula, de diferentes lugares: quando chega na porta, todos têm que passar pelo mesmo lugar. É ali a entrada, não dá para mudar. Toda a energia vem, concentra nos transformadores e logo sai. Essa distância é muito curta. Mas o curto circuito pegou justamente num desses pontos em que as linhas estão caminhando todas juntas.

DINHEIRO – E o que tem que ser feito daqui para a frente para evitar isso?

SAMEKO Brasil está absolutamente no caminho certo de fazer investimentos diversificados. É o sábio conselho da vovó: não coloque todos os ovos na mesma cesta. Vão entrar agora as usinas do rio Madeira. A nossa importância relativa no contexto nacional, que já chegou a ser de 35% em 1991, hoje está em 19%. Ainda é muito grande. É preciso diminuir. Itaipu é a única usina e a única linha de transmissão com um peso desse tamanho. Esta não é a única vez que tivemos problemas. Eu já perdi uma vez todas as linhas de 60 hertz. Ninguém ficou sabendo. Não apagou nem uma lâmpada. Todos os sistemas têm uma margem de segurança. Só não tem em Itaipu quando caem as duas linhas simultaneamente. Isso é quase impossível de acontecer. Mas tem a palavra quase. A probabilidade é de três em mil.

DINHEIRO – O Brasil está preparado para um crescimento em torno de 5% nos próximos anos?

SAMEKAté mais do que 5%. Não tem risco nenhum de faltar energia.

DINHEIRO – E livre de um apagão como o do dia 10 acontecer de novo?

SAMEKIsso só acontecerá mais uma vez se houver um novo problema na grande linha de transmissão que carrega toda a energia de Itaipu. Frequentemente acontecem no Brasil eventos que tiram de operação usinas de 2 mil MW e não acontece nada. O problema é tirar de circulação uma de 14 mil. Não vou dizer que é impossível de repetir, mas é quase. Foi daí que eu disse que era lei de Murphy. Se caísse o raio em qualquer outro lugar, não teria problema, porque uma parte da linha seguraria a produção. Trabalhei até cinco da manhã com a hipótese de que tínhamos perdido linha. Aí é muito mais grave, porque o tempo para consertar é de cinco, sete até dez dias, e não de quatro horas, como aconteceu ali.

DINHEIRO – Qual foi a sua reação ao ver que não tinha caído nenhuma torre de transmissão?

SAMEKNós festejamos quando vimos que não tinha um dano físico. Dos males o menor. Há 20 anos, qualquer chuvinha, principalmente no interior, qualquer vento, dava apagão. Isso melhorou muito.

DINHEIRO – Esse incidente pode atrapalhar investimentos futuros?

SAMEKCom absoluta certeza e convicção, posso afirmar que nem um real deixará de ser investido no Brasil. Não vai afugentar nem um investidor, nem brasileiro nem do Exterior. Ao contrário. Ele vai ver que nos Estados Unidos, quando teve problema em Nova York, demoraram cinco dias para restabelecer o sistema, enquanto no Brasil fizemos em três horas e meia. O Japão levou 20 horas. A Itália, 24. Quando cai o sistema, não é uma coisa simples para botar de pé.

DINHEIRO – É preciso ter mais investimento em linha de transmissão?

SAMEKNão adianta ter linha de transmissão se não tiver energia. De tudo o que tem de linha de transmissão no Brasil, 30% foi feito nos últimos seis anos. É muito investimento neste governo.

DINHEIRO – O Brasil precisa investir em que setor de forma prioritária?

SAMEKEm geração. Por exemplo, Belo Monte tem 11,3 mil MW. É quase uma Itaipu. Complexo Tapajós, mais de 10 mil MW. Rio Madeira, mais de sete mil MW. No total, são mais de duas Itaipus que devem entrar em operação nos próximos anos. O sistema é todo interligado. A pessoa que está em casa não sabe de onde vem a energia que ela está recebendo.

DINHEIRO – Nos últimos dias, sua presença em Itaipu está sendo questionada, pela ligação com o presidente e por não ser um especialista em energia. Questionam inclusive o fato de o sr. ser engenheiro agrônomo.

SAMEKEu tenho toda uma carreira. Fui secretário, depois fui presidente de empresa, parlamentar. Sou nascido na cidade de Foz do Iguaçu. Acompanhei desde a pedra fundamental de Itaipu até a sua construção. A gente recebe elogios do mundo inteiro pelo que fazemos em Itaipu, e de repente uma pessoa que não me conhece, não sabe o que eu faço, qual o conhecimento que tenho, quais são os meus diretores, vem e diz uma bobagem. Muitos diretores estão no cargo há vários anos e todos os superintendentes são de carreira.

DINHEIRO – O sr. acha que numa hora como essa pesa a amizade com o presidente Lula? Isso gera mais cobrança da sociedade?

SAMEKO presidente me cobrou, e me cobrou como ele tinha que cobrar. Fosse eu ou Joaquim, ou Manuel ou José. Perguntou o que estava havendo, eu disse que era um problema de transmissão, que em Itaipu não tinha acontecido nada, que estávamos rodando como sempre fizemos.

DINHEIRO – Onde o sr. estava naquela noite? Como ficou sabendo do problema?

SAMEKEstava em Curitiba, em casa. Tinha ido para Foz do Iguaçu e já tinha voltado. Em Curitiba só faltou luz num bairro vizinho ao meu por um problema localizado, de chuva, mas na minha casa não faltou. Fiquei sabendo às dez horas e 13 minutos e alguns segundos. Peguei o meu telefone fixo, e ancorei em Itaipu. Peguei o meu celular, o celular da minha mulher e o da minha filha. E fiquei com todos os telefones ao mesmo tempo, até as oito horas da manhã. Fui fazendo e recebendo as ligações, acompanhando a televisão, acompanhando o rádio e dando entrevistas. Achei que tinha obrigação de explicar o que estava acontecendo. Mas, quando não é do governo, parece que há uma simpatia maior, um pouco mais de tolerância. Quando é uma empresa de governo, parece que há uma voracidade maior.