DINHEIRO – As recomendações do G30 promoveram avanços?
ARMÍNIO FRAGA –
Muitas de nossas propostas começaram a fazer parte do arsenal de respostas. Há questões institucionais que não acontecem de uma forma tão rápida, como as mudanças no desenho da fiscalização. É natural que demore um pouco, pois é até perigoso tomar esse tipo de decisão de forma muito rápida. Outros temas estão em discussão e é preciso tomar cuidado para que não caiam em uma espécie de arquivo morto e fiquem esquecidos até a próxima crise. Espero que [outra crise] não aconteça no curto prazo. Mas, com certeza, essa crise não foi a última da história dos povos.

DINHEIRO – O otimismo com o desempenho da economia em 2010 está na medida certa? FRAGA – Há um certo otimismo global, mas está longe de ser um entusiasmo exagerado. Lá fora, a economia está melhorando e a expectativa é de crescimento modesto. Um aspecto complicado é a digestão dos pacotes de remédios financeiro-macroeconômicos que foram aplicados, que deixam sequelas. Mas é preciso ter o pé no chão. Não faz sentido pensar na repetição das taxas de crescimento daqueles cinco anos de bolha, que terminaram em 2007 e 2008. A expectativa é de crescimento moderado nos EUA, Europa e Japão.

DINHEIRO – E o Brasil e os emergentes?
FRAGA –
A expectativa para esses mercados é melhor, principalmente neste momento histórico importante para os emergentes. Eles estão, de fato, emergindo. Há um encurtamento da distância entre o padrão de vida deles e o das economias mais maduras. Esse processo deve continuar e tem a ver com a incorporação de bilhões de pessoas a um modelo de produção mais eficiente, com um ambiente que permite uma revolução na educação das pessoas, na tecnologia, na governança. Tudo isso continua valendo. Até para nós no Brasil.

DINHEIRO – Quais são os riscos de 2010?
FRAGA –
Sempre existe o risco de uma certa displicência, principalmente com as experiências de sucesso que tivemos. Temos ainda grandes barreiras de crescimento que precisam ser superadas, particularmente o aumento do investimento e da poupança. Isso tende a vir gradualmente. A esperança é que esse processo possa se acelerar. Mas a infraestrutura é muito carente e, se o País crescer três anos seguidos a 5% ou mais, teremos vários problemas.

De congestionamentos à má qualidade de uma série de serviços, como escassez de energia. Esses são os riscos de crescer ligados ao sucesso, embora também sejam limitadores desse sucesso.

DINHEIRO – A questão fiscal preocupa?
FRAGA – Tenho uma visão cautelosa quanto ao nosso futuro na área fiscal. A nossa taxa de juros é muito alta e uma parte importante do que se precisa fazer para que os juros caiam para níveis mais civilizados é encarar de frente as questões de longo prazo na área fiscal.

DINHEIRO – O déficit fiscal (3,17% do PIB) será a herança negativa de Lula?
FRAGA –
Penso que sim. É um tema difícil e politicamente muito complicado. Ele sempre vem misturado com ideologia, carregado de populismo, mas precisa ser discutido. Qualquer um que diga algo sobre previdência, por exemplo, é visto como uma pessoa cruel e insensível. A previdência não precisaria ser desenhada dessa maneira. E o País precisa gradualmente resolver essa questão.

DINHEIRO – Qual é a saída possível?
FRAGA –
Não se trata de dar o calote, como muitos temem, mas de rever as regras, buscar sistemas atuariais mais bem desenhados e levar em conta que as pessoas vivem mais. Elas não podem se aposentar tão cedo. Este é um tema que precisa ser encarado com olhos de longo prazo, pensando nas próximas gerações. É um tema explosivo, do ponto de vista político. Mas são os dilemas de um mundo político que, infelizmente, tende a não ter a visão de longo prazo que a sociedade merece.

DINHEIRO – A fraqueza do dólar indica um processo de troca da moeda mundial?
FRAGA –
É um assunto para décadas. Pode ser uma tendência de longo prazo na medida em que a Europa se consolide como uma região unificada. O euro é uma moeda de grande peso. O avanço extraordinário da China tem peso também. Mas é natural que o dólar perca peso e talvez divida o espaço de moeda reserva mundial.

DINHEIRO – Isso significa que os EUA continuam fortes?
FRAGA –
Não compartilho da visão catastrofista dos EUA no curto prazo. Os números do endividamento público são administráveis. Com o tempo, a trajetória de crescimento da relação dívida/PIB vai se reverter. Não acredito que o Fed irá tolerar uma inflação maior lá na frente, em função das pressões e dos programas que foram obrigados a criar durante a crise.

DINHEIRO – A cobrança do socorro oficial a bancos de todo o mundo pode causar uma espiral de desconfiança dos investidores?
FRAGA –
A devolução faz parte de um processo de normalização. Não vejo isso como um problema. Há sempre algum risco de esse processo de recuperação acabar sendo abortado. Isso faz parte da natureza das economias e dos mercados. Há sempre uma certa assimetria, o que é normal e saudável. Mas é preciso ter cuidado. Minha visão é mais cautelosa do que pessimista.

DINHEIRO – Se os BCs dos países desenvolvidos aumentarem os juros, os investidores sairão dos países emergentes?
FRAGA –
A normalização da política monetária é sempre um momento de angústia para os mercados. E é natural que seja assim. Não se sabe ao certo qual é a velocidade de normalização. Existe sempre algum espaço para erro e isso tende a criar alguma tensão no mercado. Se vier acompanhada de alguma surpresa negativa, os mercados podem ter um comportamento pior ou até bem pior. Esse seria o quadro teórico. Agora, se e quando vai acontecer, é mais difícil de prever. Por isso é necessário ter sempre uma visão dos riscos com relação aos investimentos, tanto financeiros quanto não financeiros. E preservar, com uma certa flexibilidade, o nível de liquidez adequado.

DINHEIRO – O câmbio está valorizado no Brasil?
FRAGA –
Tudo isso é fruto do sucesso. A valorização do real aperta o exportador, mas não deixa de ser fruto do próprio sucesso desse setor. Se ficar prejudicado, com o tempo isso vai se corrigir. Existe também uma questão ligada ao risco. O Brasil foi promovido a grau de investimento e isso tende a trazer mais investimentos, muitos de longo prazo. Isso põe pressão na taxa de câmbio.

DINHEIRO – O momento atual é de continuidade de uma bolha?
FRAGA –
Estamos vivendo o mesmo processo, que é global e movido a juros baixos e de liquidez. Se isso vai virar uma bolha ou não, só o tempo dirá. Não vejo no mundo o mesmo dinamismo que existia há cinco anos. Mas sempre existe o risco, sim, de bolhas acontecerem em um ambiente em que o juro internacional é próximo de zero. Essa variável continua a ser a origem desse movimento. Se virar uma euforia, a correção acontece naturalmente na bolsa.

DINHEIRO – A bolsa brasileira começa 2010 com excesso de recursos?
FRAGA –
Tem entrado bastante recurso, mas vale a pena lembrar que em 2008 saiu muito dinheiro. Não vejo um exagero ainda. O próprio mercado tem mecanismos de se autoequilibrar.

Se entrar muito dinheiro e os preços subirem, as empresas brasileiras vão captar mais recursos por um bom preço e investir mais. Esse é um bom canal de investimento, que o Brasil tanto quer.

É um canal muito saudável de acesso ao capital a muitas empresas e empreendedores. É uma democratização do acesso a capital que traz muito dinamismo para nossa economia. O espaço para investir e crescer está aumentando para muitas empresas. Já se ouve falar de uma lista delas se preparando para lançar ações ou fazer ofertas secundárias, com o objetivo de crescer. Tem demanda, o que se espelha no preço. À medida que a demanda aumenta, abre espaço para mais gente ter acesso a capital.

DINHEIRO – A BM&FBovespa aumentou para 59% seu peso na América Latina. A tendência é de haver mais concentração?
FRAGA –
A tendência é que o aumento da participação continue. O Brasil é o maior país da região e tem tido um bom desempenho nesse período mais difícil. O País vai consolidar essa posição. É possível ou provável que haja um grau maior de integração, mas não vejo a incorporação [de bolsas] como um caminho natural.