11/03/2019 - 18:44
Uma conjunção de fatores meteorológicos contribuiu para a ocorrência das fortes chuvas que atingiram a Região Metropolitana de São Paulo, em especial o Grande ABC, entre a noite deste domingo e a manhã de segunda-feira, 11.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a interação entre uma frente fria entrando pelo Vale do Ribeira e um sistema de baixa pressão muito perto do litoral colaboraram com os elevados volumes de precipitação.
Em Santo André, por exemplo, choveu 182 mm nas últimas 24 horas – o equivalente a 80% da média para todo o mês de março. Em São Bernardo do Campo e Ribeirão Pires, o registro das últimas 24 horas correspondeu a 78% e a 74% das médias mensais, respectivamente, de acordo com informe do governo do Estado. Só no bairro de Rudge Ramos, em São Bernardo, segundo monitoramento do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), choveu 163,8 mm.
Os meteorologistas do Inmet explicam que a evolução da baixa pressão teve influência de uma anomalia da temperatura da superfície do mar, que chegou a 29°C – pelo menos 3°C mais quente que a média observada entre 1981 e 2010. Temperatura assim tão alta favorece uma maior evaporação.
Ventos quentes e úmidos vindos do litoral para o planalto paulista acabam se chocando com a ilha de calor que é a região metropolitana, o que em geral resulta em chuva. E a região do ABC e a fronteira com São Paulo, nas zonas sul e leste, justamente onde mais choveu, acabam sofrendo mais com esse choque.
“Essa baixa pressão tão perto do litoral na dianteira de uma frente fria ajudou a aquecer ainda mais a temperatura no domingo, que já estava de 2 a 3°C mais quente que no sábado. Isso aliado ao efeito da topografia ali do ABC”, explica o meteorologista do Inmet Franco Villela.
“Foi uma superposição de efeitos, da baixa pressão e a frente fria promovendo ventos no mesmo sentido, do litoral para o planalto. No ABC foi onde se deu o maior contraste entre a ilha de calor e essa umidade toda que estava chegando ao planalto”, complementa.
Em nota técnica, o Inmet explicou que a baixa pressão na costa e uma crista de alta pressão, associadas à frente fria no oceano criaram “uma engrenagem atmosférica favorável à intensificação do transporte de umidade oceânica”.
O resultado foi pior do que o previsto nos modelos climáticos utilizados, segundo o meteorologista Marcelo Seluchi, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). “Nós consultamos uma meia dúzia de modelos brasileiros e estrangeiros e nenhum previa um volume tão alto de chuva. Foram pequenos fatores que se combinaram da pior forma”, diz.
Seluchi explica que este verão está “muito particular”. Janeiro foi seco em parte do Estado, com alguns episódios pontuais de chuva, e fevereiro já foi bastante chuvoso na capital – o mais chuvoso nos últimos 15 anos na cidade.
O verão teve uma certa dificuldade de gerar chuvas, mas quando vem é numa intensidade maior do que o normal. Situações como essa desta madrugada são pouco frequentes, mas quando vem assim, com 90% da chuva esperada para um mês, ocorrendo em algumas horas, a capacidade de resposta é limitada.”
Aquecimento global
O pesquisador ressalta, porém, que esse tipo de evento extremo tem aumentado de frequência em decorrência do aquecimento do planeta e das mudanças climáticas. “Há uma tendência de alta. As chuvas acima de 100 mm nas últimas décadas estão aumentando”, diz. Ele cita uma pesquisa de 2013 liderada pelo climatologista José Antonio Marengo, coordenador geral de Pesquisa e Desenvolvimento no Cemaden.
O trabalho analisou os índices de chuvas extremas compilados pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosférias (IAG) da USP de 1933 a 2010 e observou um aumento nos extremos de chuva na capital. Há uma alta na ocorrência de chuvas pesadas e uma redução nas chuvas leves. Essa tendência está relacionado ao aquecimento da Região Metropolitana de São Paulo, agravado pelo aumento do efeito de ilha de calor e da poluição do ar.
“As pesquisas indicam que este tipo de evento que vimos nesta madrugada é consistente com o cenário de mudanças climáticas”, comenta Villela.
Para Seluchi, com a chance de isso ocorrer com frequência e intensidade cada vez maiores, é preciso começar a repensar as políticas públicas de prevenção. “Vejo as imagens do deslizamento em Ribeirão Pires (onde quatro pessoas morreram) e fica claro que a situação ali era insustentável. Era só esperar a próxima chuva forte chegar. E assim como aquele local há outras centenas, talvez milhares de áreas risco. É impossível vigiar tudo, então tem de diminuir essas áreas urgentemente”, afirma.