02/01/2023 - 15:37
Na sexta-feira (30), veiculamos a primeira parte do Relatório de Tendências Ford 2023, um excelente menu degustação das percepções e tendências do consumidor. A constatação global é de que nos sentimos cada vez mais sobrecarregados, com uma sensação de esgotamento em relação à vida. Na sua origem estão a instabilidade não apenas planetária, filha de pandemia e guerra no leste europeu, mas também a inconstância nos cenários nacionais e no campo pessoal a preocupação com as finanças. A notícia boa é que a maioria acredita que tudo vai melhorar. A ruim: só daqui a cinco anos. O levantamento da Ford reuniu 16,1 mil entrevistados com 18 anos ou mais de 16 países*, incluindo o Brasil. O documento se divide em seis blocos temáticos – a) Enfrentando Nossos Medos; b) Tomada de Posição; c) A Tecnologia que Amamos e Odiamos; d) Escapismo; e) Otimismo Cauteloso; f) Caminho para a Alegria. Na parte 1, tratamos das respostas mundiais de cada um deles. Nesta parte 2 e final, focaremos nos resultados específicos do Brasil.
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a) Enfrentando Nossos Medos
Diante da sentença “tomei cuidados para aumentar minha segurança pessoal”, globalmente 68% dos homens e 65% das mulheres respondem sim. Quando a lupa é jogada sobre os 1.006 brasileiros consultados ficamos alinhados. São igualmente 68% dos homens que dizem sim e 61% das mulheres. Mas ao recortamos um pouco mais e mergulharmos nos cinco temas que metem mais medo (inflação, desigualdade econômica, alguém próximo ficar gravemente doente, terrorismo doméstico e abuso de drogas), o Brasil dispara puxando a fila do temor. Inflação é algo que apavora 84% dos brasileiros. Entre os 16 países, estamos atrás apenas de Espanha (87%) e África do Sul (88%). Quem menos se preocupa com alta de preços são os chineses (56%). No campo da desigualdade, ninguém fica à frente de nós: 82%. No lado oposto da lista está a China (42%). No terceiro item, uma doença grave em algum amigo ou familiar, também lideramos (75%) tendo mais uma vez a China no outro extremo (41%). O quarto item é o terrorismo doméstico, e de novo somos o mais assustado a respeito (67%), acima de europeus e do Oriente Médio, tendo a China novamente lá atrás (34%). Por fim, abuso de drogas é pesadelo de 69% de nós, com a Alemanha na fila dos menos aterrorizados a respeito (29%). Resumindo, de cinco itens somos os mais preocupados em quatro e ficamos em terceiro em um (inflação). Neste item, a pesquisa Ford é um belo mapa e recado ao governo Lula.
b) Tomada de Posição
Neste capítulo, duas perguntas abrem a pesquisa: ‘Espero que as marcas se posicionem sobre as questões sociais’ e ‘Está sendo feito mais para dividir meu país que para uni-lo’. Na primeira, os brasileiros afirmam positivamente (71%), junto de chineses (71%) e atrás apenas de sul-africanos (77%). Sobre um país dividido, a Itália lidera (83%), seguida por África do Sul (82%), Espanha (79%), Estados Unidos (também 79%), com Brasil e França empatados na quarta posição (76%). Em relação ao posicionamento e a relação com as marcas, os brasileiros ficam acima da média global. Ao responder à pergunta se tentariam desencorajar amigos a fazer negócios com empresas das quais não gostam, a média global foi de 47% entre homens e 43% entre mulheres. No Brasil, respectivamente 53% e 50%.
c) A Tecnologia que Amamos e Odiamos
Brasil e Espanha são os países em que as pessoas mais ficam chateadas com interrupções provocadas por dispositivos digitais (65% ambos). Na ponta oposta estão os alemães (50%). Quando o questionamento migra para segurança cibernética também ficamos acima de todos – e puxamos bem a média global. No planeta, 43% dos homens e 50% das mulheres têm o tema como preocupação. No Brasil, a pergunta ‘informações pessoais caindo em mãos erradas é um medo imediato’ teve resposta afirmativa de 68% entre homens e 72% entre mulheres. Nenhum lugar do mundo fica à frente.
d) Escapismo
Escapismo foi a palavra usada para tratar de questões relacionadas ao autocuidado e ao autoentendimento. Uma pergunta me chamou muito a atenção: ‘Eu me sinto sozinho regularmente’. A resposta dos brasileiros foi afirmativa e ficou (56%), ao lado da Índia, acima de todos os demais países. O tema é também um problema geracional, já que os mais jovens tendem a se sentir mais sós. No mundo, a geração Baby Boomers (1946-1964) responde sim em 35% das vezes e a Geração Z (1997-2012) salta para 62%. No Brasil os números disparam: 50% entre os Boomers e 74% na Geração Z. Aqui há um forte indicador de problema à vista na gestão púbica da saúde mental. Pelo menos estamos atentos. Enquanto a média global entre aqueles que buscam um espaço para relaxar e repor energias é de 76% entre homens e 78% entre mulheres, no Brasil os índices sobem e chegam a 86% (homens) e 83% (mulheres)
e) Otimismo Cauteloso
No quinto e penúltimo campo da pesquisa, o brasileiro faz justiça àquela velha fama de otimista. Questionados sobre acreditar que as ações individuais podem provocar mudanças positivas, 82% respondemos sim, atrás apenas de mexicanos (85%). Nós também nos vemos como mais senhores do próprio destino. Na média global, 73% dos homens e 75% das mulheres afirmam sim à pergunta. No Brasil, dá 85% (homens) e 82% (mulheres).
f) Caminho para a Alegria
No último bloco, o Relatório de Tendências Ford 2023 aborda como as pessoas encaram a riqueza, o trabalho, o sucesso. Na média global, diante da pergunta se cada um ‘busca intencionalmente encontrar alegria nos aspectos mundanos ou cotidianos da vida’, a média de todos os 16 países fica em 77% entre os homens e 81% entre as mulheres. No Brasil, os números crescem para 81% nos homens e 85% nas mulheres. Um mapa complexo, como se vê. Mas com pistas suficientes para entender o momento em que estamos e, em especial, o que desejamos.
* Países em que a pesquisa foi realizada: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Austrália, Brasil, Canadá, China, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Estados Unidos, França, Índia, Itália, México, Reino Unido e Tailândia