Com dois seguranças num carro à frente e protegido na retaguarda por outro automóvel com dois policiais à paisana, o Omega azul-marinho entrou na garagem do edifício do Banco Central, em Brasília, quando faltavam 15 minutos para as 10 da manhã da quarta-feira 21 ? hora marcada para o início da mais tensa reunião do Comitê de Política Monetária de todos os tempos. No banco traseiro, lendo o noticiário econômico do dia, o presidente do BC, Henrique Meirelles, travava contato com a fogueira de protestos pela baixa dos juros. Nos dias que antecederam o encontro do Copom, uma onda jamais vista de pedidos pela redução da taxa Selic dos atuais 26,5% se ergueu em todo o País. Com argumentos apoiados nos números que apontavam deflação, mostravam o aumento de desemprego e a queda no ritmo da produção industrial, empresários e economistas saíram a campo para lembrar que chegara o melhor momento de soltar as amarras da economia. Na manhã da quarta passada, era como se todos estivessem com os olhos postos sobre o homem que lia o jornal em seu carro oficial e, menos de três horas depois de chegar à sede do banco, concluíra que tudo seguiria no mesmo compasso. A mais aguardada reunião do Copom em toda a sua história decidiu que a taxa de juros permaneceria inalterada, sem nem mesmo fazer concessão a um viés de baixa. Foi como se uma ducha de água fria caísse sobre o setor produtivo.

Dor de cabeça. ?Se soubesse disso
antes teria ao menos pedido uma caixa de aspirina a eles?, resumiu o empresário Antônio Ermírio de Moraes, que na mesma manhã participara em Brasília, ao lado de dez pesos pesados da economia, de uma reunião no Palácio do Planalto com o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, o vice José Alencar e o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Enquanto ali, no 3º andar da sede do
governo, boa parte do PIB brasileiro criticava as taxas de juros, no 8º andar do edifício do Banco Central, diante de um magnífico
painel de Portinari, Meirelles obtinha do Copom uma votação unânime. Na mesma medida em que frustrou empresários, a decisão agradou o mercado financeiro. No dia seguinte, o dólar voltou a ser cotado a menos de R$ 3 e o risco Brasil ficou abaixo dos 800 pontos. ?Foi uma decisão correta e coerente com a política de metas de inflação?, resumiu José Antônio Pena, economista-chefe do BankBoston. ?Com essa decisão, o BC mostrou firmeza e poderá reduzir os juros mais rapidamente nos próximos meses.?

Outro pólo nervoso fica no 18º andar, onde se alinham as mesas
com 22 terminais computadorizados do Departamento de Meio Circulante. Faz-se naquele espaço não superior a 100 metros quadrados toda o monitoramento do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Nada escapa. Todo o dinheiro que circula por meio de transações nos 142 bancos em operação no País tem registro ali. Atualmente, são cerca de R$ 170 bilhões girando diariamente.

No mês de dezembro, com o 13º salário e as férias, nos quais a população costuma sacar mais
papel-moeda da boca dos caixas, a circulação pode aumentar para
R$ 450 bilhões. O SPB é um orgulho do BC. Sua tecnologia vem sendo buscada por outros bancos centrais da América Latina. Já houve um caso cronometrado de uma transferência de recursos de um banco
para outro levar oito segundos
para ser concluída. ?Criamos um padrão mundial de fiscalização bancária?, diz Luiz Fernando Maciel, diretor do setor. Com 2.100 funcionários, 18 motores a diesel para gerarem energia em caso de apagão e um rico acervo de obras de arte, o prédio do BC é um retrato acabado do poder que a instituição tem na sociedade. Um poder que, como se viu pela reunião do Copom da quarta 21, está sendo cada vez mais vigiado pela sociedade. E que tem total autonomia. Goste-se ou não.

O BC em números
? São 23 andares e seis subsolos
? O cofre principal tem 2 mil metros quadrados
? Na segunda-feira 19, havia
R$ 900 milhões
guardados ? 30 prêmios Mega-sena.
? São US$ 43 bilhões em reservas
internacionais, depositadas no exterior
? R$ 180 bilhões em transações bancárias são fiscalizadas diariamente pelo BC
? 2,1 mil funcionários
? 18 geradores a diesel em caso de apagão

Em meio à agitação que antecedeu a reunião do Copom, DINHEIRO fez um mergulho nas entranhas do edifício do Banco Central, em Brasília. Dentro daquela enorme caixa de pressões, com seus 23 andares para cima e seis subsolos, os pontos estratégicos se sucedem. Abaixo de tudo, a 30 metros do nível da rua, ficam as duas caixas-fortes. O cheiro de dinheiro pode ser sentido já do elevador. Ao sair dele, olhando à esquerda, avista-se a uma distância de quinze passos o cofre principal. Com 2 mil metros quadrados, protegido por tetos e paredes de concreto, uma porta retangular de aço com 70 centímetros de espessura ? aberta somente com três chaves giradas simultaneamente ? e uma centena de câmeras de TV, ele guardava na segunda 19 o equivalente a trinta prêmios da Mega-sena acumulada em R$ 30 milhões, ou seja, R$ 900 milhões.

O dinheiro fica em maços que, por sua vez, são acondicionados em engradados de ferro onde cabem R$ 30 milhões em cada um. Nenhum funcionário está autorizado a circular dentro do cofre sozinho. Só andam em duplas. Há desde dinheiro novo em folha, recém-chegado da Casa da Moeda, até aquele gasto demais que será dilacerado em breve. ?Achávamos que as notas de 100 reais iriam circular muito, mas há cédulas que estão paradas aqui desde o início do Plano Real?, lembra um funcionário. ?É ausência de inflação misturada com falta de poder aquisitivo.? O dinheiro do cofre do BC circula diariamente por meio dos bancos, que todas as manhãs enviam carros blindados para retirá-lo mediante compensações bancárias.

Sigilo. No 5º andar, o Departamento de Operações Internacionais é o centro nevrálgico do edifício. As reservas brasileiras depositadas no exterior, nada menos que US$ 43 bilhões, são movimentadas a partir daqueles mais de 50 terminais de computadores. Seus operadores não podem ser fotografados diretamente, para proteger a segurança dos que gerem as reservas. Noutro grupo, mas no mesmo saguão, outros técnicos executam a política cambial. É a partir dali que o BC, quando quer, interfere no mercado de câmbio, faz leilões de títulos e tenta normalizar a cotação do real. A tarefa dos operadores é observar a movimentação do mercado, comunicar qualquer disfunção e, antes de qualquer ação, esperar uma determinação expressa da diretoria. Na terça 20 e na quarta 21, quando o Copom esteve reunido, a vigilância aos monitores foi redobrada. ?O mercado é muito volátil e qualquer boato interfere em seu curso?, lembra Carlos Hurata, chefe-adjunto do Departamento de Operações das Reservas Internacionais. Apesar de toda a agitação, não houve intervenção do BC no mercado.