17/08/2009 - 7:00
O CENÁRIO É INCOMUM. A ECONOMIA mundial pegou uma pneumonia e a brasileira, quem diria, ameaça passar por um pequeno resfriado. Os países desenvolvidos estão se esforçando para conseguir um crescimento do Produto Interno Bruto acima de 1% ao ano, enquanto o Brasil alcançou 6% no primeiro semestre. Os motivos desse bom desempenho são o aumento de renda da população e o crescimento do crédito. Nem a ameaça da inflação assusta. O Banco Central tem atacado o dragão gradativamente com o aumento dos juros. Na última reunião realizada na quarta-feira 10, uma dose de 0,75 ponto porcentual elevou a taxa Selic para 13,75% ao ano. Os espirros são esporádicos do lado econômico, mas intensos na Bolsa. O sinal de alerta dos investidores está aceso desde a terça 9, quando o Ibovespa atingiu uma barreira psicológica: baixou para 50 mil pontos, regredindo aos níveis de agosto de 2007, quando a crise do subprime começou a assustar os investidores. Desde o pico de 73.516 pontos em maio, logo após a promoção do País a investment grade, o valor de mercado das empresas brasileiras encolheu R$ 824,8 bilhões. Na quarta-feira 10, o índice chegou a 49.633 pontos. E deixou uma intrigante pergunta no ar: Por que a Bolsa de Valores está no fundo do poço?
VALE NEGOCIA REAJUSTE NO MINÉRIO DE FERRO, MAS SUA AÇÃO CAIU 38% DESDE MAIO
Quem está empurrando a Bovespa para baixo são os investidores estrangeiros, assustados com os recentes acontecimentos lá de fora. “Está ocorrendo um ajuste das economias e das Bolsas dos países desenvolvidos. Isso vai durar anos e não alguns meses”, diz Ricardo Amorim, diretor-executivo do WestLB em Nova York. Todas as más notícias no Exterior têm provocado a fuga dos capitais investidos nos mercados emergentes. E o Brasil recebeu uma boa parcela de dinheiro estrangeiro no primeiro semestre deste ano, quando outros mercados não apresentavam bom desempenho. Os investidores foram atraídos pela descoberta de grandes reservas de petróleo na camada pré-sal e pelo grau de investimento. “As ações não sofreram pela baixa performance, mas pela aversão ao risco dos estrangeiros”, diz Fábio Susteras, consultor de investimentos do Banco Real. Até terça 9, o balanço da BM&FBovespa mostrava um déficit de R$ 16,5 bilhões na participação dos gringos. “Eles estão queimando a gordura acumulada e resgatando seus ativos em mercados líquidos, como o brasileiro”, diz Nicholas Barbarisi, sócio da Hera Investment.
A tendência de baixa da Bovespa é contínua. Desde 29 de agosto, foram dez pregões de quedas consecutivas. As perdas no período somaram 12% até a quarta-feira 10, elevando a conta para 22,3% desde janeiro. Na quinta-feira 11, o refresco: o Ibovespa subiu 3,3%, para 51.270 pontos, depois de oscilar como uma montanha-russa durante o dia.
Uma seqüência de ventos fortes provocou os estragos. O primeiro foi a ajuda de US$ 200 bilhões do Departamento do Tesouro americano para tapar os buracos nas paredes das gigantes de crédito hipotecário Freddie Mac e Fannie Mae (leia reportagem à página 88). Embora necessária para evitar um colapso, a mão amiga do secretário Henry Paulson despertou a desconfiança de que novas surpresas podem bater à porta. Para esta semana, novas baixas nas instituições americanas são esperadas com a divulgação dos balanços referentes ao terceiro trimestre fiscal. O Lehman Brothers já adiantou prejuízo de US$ 3,9 bilhões, acima dos US$ 2,8 bilhões a menos registrados nos três meses anteriores. “Se ocorrer a piora na situação de crédito nos Estados Unidos, uma nova onda de baixa igual a essa pode acontecer”, diz José Francisco Gonçalves, economista- chefe do Banco Fator.
O segundo tornado é o processo contínuo de estouro da bolha das commodities. O petróleo beliscou US$ 150 o barril no primeiro semestre, mas caiu para a casa dos US$ 100 na semana passada, com o desmonte das posições especulativas dos fundos de hedge.
PETROBRAS TEM A SÉTIMA MAIOR DESVALORIZAÇÃO DAS AMÉRICAS: U$ 80,7 BILHÕES
Outros minerais também frearam seu ciclo de alta. O impacto na Bolsa brasileira é imediato. “As principais empresas nacionais são dependentes dos preços das commodities”, diz Jayme Alves, analista da Spinelli Corretora. Petrobras e Vale, as duas estrelas da Bovespa, são as primeiras a sentir esse choque. Desde a máxima do Ibovespa em maio, elas encolheram juntas US$ 196 bilhões (R$ 348,9 bilhões) em valor de mercado. “A Petrobras sozinha perdeu R$ 218 bilhões. É o mesmo que jogar fora a Vale”, diz Einar Rivero, coordenador da Economática. Das 15 maiores perdas nesse período, sete são de companhias que trabalham diretamente com commodities (veja o quadro Quem Perdeu Mais). “Há cinco anos, os investidores compram ações atreladas às commodities nos países emergentes. Agora, chegou a hora da venda”, diz Alexandre Póvoa, diretor do Modal Asset.
Nessa onda de perdas arrebatadoras, o empresário Eike Batista viu desaparecer alguns bilhões de reais de sua frente. Ele continua sendo o maior bilionário individual da Bolsa, mas a MMX Mineração e a MPX Energia perderam R$ 16,9 bilhões em valor de mercado. Só a empresa energética de Mr. X teve queda de 62,9%. A LLX Logística estreou no pregão em 28 de julho e suas ações caíram 56,9% desde então. Batista não foi o único a lamentar as desvalorizações. As construtoras também estão em baixa. Quatro aparecem na lista das 15 que mais perderam percentualmente valor de mercado: Inpar, Tenda (comprada pela Gafisa), Even e Abyara.
O nível da Bolsa está igual ao da metade do ano passado e traz uma contradição. A maioria das companhias brasileiras teve aumento de lucros, apresentou balanços consistentes e trabalha com boas perspectivas para os próximos períodos. Pegue o exemplo das estrelas da Bovespa.
EIKE BATISTA VIU SUAS EMPRESAS DERRETEREM R$ 16,9 BILHÕES EM QUATRO MESES
Embora as commodities passem por uma crise, a Vale negocia um reajuste de cerca de 11% nos preços do minério no mercado internacional. E a Petrobras anunciou novas descobertas de reservas de petróleo, o campo de Iara, com capacidade de quatro bilhões de barris do ouro negro. Siderúrgicas como Usiminas e Gerdau vivem o melhor ano de suas histórias. “As empresas continuam com fundamentos e balanços com números dentro ou acima do esperado”, afirma Barbarisi, da Hera.
Até mesmo os bancos brasileiros, que estão longe de ter em suas carteiras títulos podres de crédito imobiliário, estão em baixa. Nem mesmo o lucro de mais de R$ 4 bilhões no semestre ajudou a elevar o valor das ações de Itaú e Bradesco. Com o crédito dando poucos sinais de esfriamento, não há tempo ruim que atrapalhe as instituições nacionais. Sem falar na perspectiva do Banco do Brasil e do Bradesco engordarem seus caixas com o IPO da Visanet, empresa de transações eletrônicas, que espera arrecadar R$ 7 bilhões – isso, se a operação sair, em meio a tanta turbulência.
Com a pressão externa e o bom momento das empresas nacionais, é preciso sangue-frio para suportar a volatilidade do mercado acionário nos próximos meses. A recuperação e a volta da calmaria não devem acontecer antes da metade de 2009. Mas são inevitáveis, dada a saúde das companhias e da economia brasileira. Até lá, toda cautela é pouca. O risco da Bolsa é alto demais para quem não tem experiência, tempo e disposição para mergulhar nos números das empresas e dos setores. Qual será a melhor estratégia? “Definitivamente, é uma péssima hora para comprar ações. Fique longe da Bolsa”, recomenda Fausto Botelho, sócio da Enfoque Informações Financeiras. O conselho, claro, não pode ser generalizado. Quem comprou na alta não deve entrar em pânico, pois só vai piorar a própria situação. “Sair agora é realizar prejuízo”, alerta Susteras, do Real. Os mais ousados estão aproveitando para fazer o contrário: comprar. Há muitas pechinchas no mercado. “Boa parte da desalavancagem de investimentos já foi feita. É possível encontrar barganhas”, diz Póvoa, do Modal. Porém, se você é otimista e está disposto a garimpar alguns papéis em baixa, a dica é pesquisar bem e fazer o investimento devagar. Um pouco de cada vez: por semana, mês ou trimestre, tanto faz. O pior, nesse momento, é tentar acertar na mosca quando o mercado ficará no piso. Ninguém consegue isso, a não ser por sorte.