02/11/2011 - 21:00
Experimente planejar uma viagem para o México. Ao saber da notícia, uma das primeiras frases que seus amigos vão dizer é “tome uma tequila por mim”. Ombreado com o sombrero, os mariachis e a pimenta jalapeño, esse destilado obtido de uma planta chamada agave é um dos maiores traços da cultura mexicana e um importante lubrificante na engrenagem econômica do país. Pois esse patrimônio está sob ameaça. De um lado, há os fabricantes sul-africanos, que aproveitaram uma queda de 20% na produção mexicana em 2009 – reflexo da crise econômica mundial – para despejar na goela do mercado a sua bebida, feita a partir de matéria-prima similar. De outro lado, há países como o Brasil, que não impõem restrições firmes para evitar que suas fábricas de bebidas nomeiem como tequila destilados que apenas lembram o original. Por todos os lados, há imitações grosseiras das marcas mais famosas.
Para tentar conter o avanço desse tumor, os fabricantes mexicanos lutam para divulgar que só a sua mercadoria tem denominação de origem protegida. Assim como o champanhe francês e o parmesão italiano, a tequila só pode ser assim chamada caso seja produzida nas regiões mexicanas tomadas pelo azul das plantações de agave. Parece óbvio, mas não é. Internamente, a denominação de origem é reconhecida desde 1974 por meio de decreto publicado no Diário Oficial mexicano. O que falta é fazer o mundo respeitar o que diz a letra da lei. A estratégia para que esse reconhecimento entre em vigor ganhou o primeiro grande impulso na segunda-feira 24 em Guadalajara, pegando carona na exposição gerada pelos Jogos Pan-Americanos.
Com pompa, circunstância e o prefeito, Aristóteles Sandoval Díaz, foi inaugurada na cidade a Casa del Tequila. São seis ambientes em que o visitante conhece a história, o manejo do agave, a destilação, a estocagem, a distribuição e a cultura em torno da bebida. Sobra ainda espaço para esculturas que registram as fases de fabricação e as propagandas dos interessados em proteger esse patrimônio nacional contra produtos irregulares feitos no Exterior. O movimento é liderado pelo Consejo Regulador del Tequila. Seu presidente, Miguel Angel Domínguez Morales, busca apoio governamental calçando seus argumentos no fato de a cadeia de produção da tequila ser fonte de renda para 70 mil famílias mexicanas. “Mas não é só uma questão de geração de empregos”, diz Morales. “Também trabalhamos para promover a excelência dos produtos.”
Com isso, ele espera conciliar a necessidade de alimentar as bocas do seu país com a vontade de levar uma bebida inimitável para bocas estrangeiras.Consolidado na Europa e responsável por alguns euros a mais que pagamos pelos vinhos franceses, o sistema de denominação de origem precisa ganhar força e credibilidade na América Latina. Sabendo disso, os mexicanos não entraram sozinhos na guerra. Convenceram os peruanos de que, juntos, pisco e tequila têm mais chances de sensibilizar os diretores da oriGIn. Fundada em 2003, essa entidade com sede em Genebra, na Suíça, controla e fornece indicações geográficas e representa 200 organizações de mais de 40 países. É uma aliada poderosa na consolidação de um selo de denominação de origem.
Enquanto os produtores ainda sofrem com aquilo que chamam de “pirataria”, Morales trabalha na promoção de acordos bilaterais para o reconhecimento mútuo de indicações de origem. Já tem tratados assinados com a União Europeia e os Estados Unidos. Este último é considerado o mais importante. Afinal, os norte-americanos ficam com 72,2% de toda a tequila exportada pelo México. Isso faz com que a campanha de conscientização a respeito da procedência e qualidade da bebida seja mais intensa no vizinho de cima. Lá, já foi feito um esforço para mostrar que tequila de verdade tem de ser feita da planta que cresce em apenas cinco Estados mexicanos, especialmente na região da cidade de Tequila, que fica 70 km a noroeste de Guadalajara. Para saber mais, só bebendo.
Enviado especial a Guadalajara, México