DINHEIRO ? Que acontece depois do ataque terrorista?
WINSTON FRITSCH ?
Sinceramente, qualquer previsão que se faça agora é mera conversa de botequim. É preciso contar as vítimas e os estragos, e descobrir quem é o responsável. Se houver guerra, será contra quem? Guerras podem arruinar o comércio internacional, causar falta de matérias-primas, os preços explodem. Mas quais os países envolvidos? Vai afetar o fornecimento de petróleo? Só se saberá mais para a frente. A curto prazo, haverá uma diminuição de liquidez nos mercados internacionais, e um aumento de volatilidade. Mas isso é coisa de dias. A longo prazo, não dá para saber.

DINHEIRO ? Independentemente do ataque, o dólar está mais alto do que deveria? Ou esse patamar agora é definitivo e temos de nos acostumar com ele?
FRITSCH ?
É difícil dizer que um câmbio está sobrevalorizado, porque se as moedas mudam é porque o mundo pode ter mudado. Mas você pode olhar para o passado. A taxa de câmbio real, baseada numa cesta de moedas, está muito acima da média. E na história brasileira não há, ao longo do tempo, grandes afastamentos da média histórica.

DINHEIRO ? E por que o dólar não cai?
FRITSCH ?
Quando há mudança de expectativa muito brusca, o ajuste até um ponto de equilíbrio é mais tumultuado. No jargão do economês é um overshoot, um chute por cima da trave. A economia mundial viveu o desaquecimento mais abrupto de duas décadas. Os EUA subiam juros para segurar crescimento ainda no ano passado. Agora baixam juros para segurar a recessão. Com o Japão, se dizia que o pior já havia passado. Agora o clima é de que o pior está aí. A Europa começou a resfriar. Na Argentina, uma crise política fez o país se desintegrar. E ainda, no caso do Brasil, a crise energética. Muitas surpresas em seis meses, todas negativas.

DINHEIRO ? FHC disse que o dólar deve cair. Deve?
FRITSCH ?
Para isso, são necessárias algumas condições que ainda não vejo
por aí. O problema energético vai ficar conosco nos próximos dois anos, dependendo de chuva, da questão do
preço do gás. Não vejo um consenso
entre os economistas de que a Argentina tenha afastado o risco de um calote. Por fim, a economia mundial não vai crescer,
ou crescerá muito pouco no ano que vem. Para os principais analistas internacionais, há um alívio por achar que não vai haver catástrofe. O mundo se assustou com
uma virada muito rápida do céu para o inferno. Agora, acho que está claro que mudamos do céu para o purgatório, ao menos pelos próximos doze meses.

DINHEIRO ? O governo nos surpreendeu com dois números mágicos, um PIB que encolheu e uma dívida externa que também sumiu. Ambos causaram polêmica. O que o sr.
acha deles?
FRITSCH ?
A questão do PIB tem dois capítulos. Primeiro, houve muita discussão técnica sobre a qualidade dos números. Isso é ruim, porque é uma desconfiança que nunca havia acontecido antes. De fato, havia dados estranhos no relatório, como os cálculos sobre a agricultura. Mas não posso debater isso, porque não me aprofundei nos detalhes. O que me parece mais importante é que, apesar do barulho na imprensa, esses números não passaram para as projeções do mercado. Ninguém acreditou que o número, mesmo se estiver certo, indique uma tendência. Pareceu apenas uma curiosidade estatística.

DINHEIRO ? E o milagre da dívida?
FRITSCH ?
Não desconfio desse dado. Uma das peculiaridades do Brasil é que, por força das relações muito fracas com o FMI anos atrás, adotamos uma metodologia de cálculo de dívida muito rígida. Rezamos pela cartilha do fundo, mas por causa disso, parecemos pior do que países que são de fato piores, e que não adotam um método tão transparente. Como a Argentina.

DINHEIRO ? Durante muito tempo houve a sensação de que o BC era um bom gestor. Com a alta do dólar, o encanto acabou?
FRITSCH ?
O BC faz a lição de casa, adaptando o Brasil às regras do mercado internacional. Agora, no varejo, o BC não tem controle de nada. De todas as variáveis econômicas, ele poderia trabalhar apenas com duas, que são câmbio e juros. Com o câmbio flutuante, sobra o juro, apenas. A intervenção maciça na taxa de câmbio, como era feita no tempo pré-desvalorização, está totalmente descartada. Obrigaria a fazer como 1998, emitir uma montanha de papéis relativamente de curto prazo. Se, na hora dos papéis vencerem, aparece outra crise, você tem uma saída maciça de divisas. Perde-se dezenas de bilhões de dólares. Além do mais, isso vai contra a política do governo, que é de taxa flutuante. Acho que o Armínio faz o que pode. Se administra com a meta de inflação, então a taxa de câmbio não é um instrumento, é um problema. Quando ela começa a impactar preços, aí sim o BC tem de se mexer. Mas o pass-through, o pedaço da alta do câmbio que efetivamente passa para a inflação, tem se mostrado muito pequeno. Isso é o fundamental. Há uma alta, mas não é para tomar uma medida, a não ser mexer nos juros.

DINHEIRO ? O único instrumento são os juros?
FRITSCH ?
É a maldição dos banqueiros centrais. Eles não controlam o orçamento, só fazem discurso sobre a importância da política fiscal. Não controlam as variáveis fundamentais da economia. É uma fortaleza que só tem um canhão.

DINHEIRO ? O que o sr. prevê para o Brasil em 2002?
FRITSCH ?
Vejo muita divergência nas estimativas dos economistas. A crise destroçou o consenso. Para o PIB, você vê crescimentos que vão de 1,5% a dois e tantos por cento. Acho que será acima de dois. Mas isso depende das minhas hipóteses, por exemplo, sobre a Argentina. Que são de não haver uma ruptura, pelo menos nos próximos meses, até a próxima eleição. Penso que a paridade do dólar será mantida, que haverá um imenso ajuste fiscal, e que la nave va… Agora, que vá bem devagarzinho. Acho que o cenário mais positivo, para a Argentina, seria desvalorização do peso com negociação controlada das dívidas. Teria um efeito inicial negativo, mas permitiria um crescimento maior em 2003. Como a Rússia, paulada num ano e melhora no outro.

DINHEIRO ? O sr. acha que a Argentina conseguirá empurrar a situação com a barriga, sem afundar de vez?
FRITSCH ?
Sem muito crescimento. Como não vejo a economia global favorável, e a Argentina é muito dependente de exportações, ela pode sofrer muito numa conjuntura dessas. Ela tem um problema grave que é estrutural; a Argentina não é ágil como o Brasil, que mesmo com desvalorização cambial consegue se virar. O restabelecimento da confiança, que permitiria reverter o processo
de perda de reservas e fazer a taxa de juros cair, não acontece
da noite para o dia.

DINHEIRO ? No começo do ano dizia-se que o mundo estava mal, mas o Brasil sobreviveria incólume. Não é o que se
vê. Por quê?
FRITSCH ?
Os brasileiros são sempre menos pessimistas, têm uma visão do risco Brasil mais favorável que os estrangeiros. Alguns índices aqui são preocupantes. Um déficit em conta corrente
de 5% do PIB é mais alto do que você deveria ter num momento de crise internacional, porque um terremoto na Turquia ou na Argentina afeta todos os mercados emergentes. Eles ficam ao redor de um poço, junto com os países que não são investiment grade. Quando você usa a mangueira grossa para abastecer a Turquia, sobra menos água para os outros. E o pior, como há uma deterioração da conjuntura internacional, todo mundo começa a tirar água do poço. Ninguém discutiria que o Brasil pode emprestar US$ 10 bilhões no mercado internacional, em situação normal. O problema é: e numa situação anormal? Em dezembro de 1981 o Brasil ia ao mercado, captava e pronto. Chegou agosto de 1982 e o mercado já não estava mais lá. O México quebrou, o mercado acabou. Você pegava o telefone e de repente não tinha mais ninguém do outro lado da linha para te atender.

DINHEIRO ? Ou seja, o risco é grande.
FRITSCH ?
Acho pouco provável que haja uma situação catastrófica como aquela. Estamos em uma daquelas crises que foram anunciadas mas não aconteceram. O mercado já descontou. Não estamos sentados numa pilha de capital volátil, como no tempo da crise russa. Temos um acordo com o FMI. Mas seria bom que o governo ficasse consciente que a manutenção desses níveis pelos próximos 24, 36 meses, não é desejável. Se você pensar que nos últimos cinco anos tivemos cinco crises baseadas em países emergentes, então é bom olhar os fundamentos do balanço de pagamentos. Ao menos enquanto estivermos entre os emergentes. Porque, queira ou não, estamos nesse clube maldito, do pessoal que pega pneumonia quando as economias centrais pegam resfriado.

DINHEIRO ? Por que o Brasil não passa à primeira divisão?
FRITSCH ?
Falta a reforma da previdência, que é o maior componente do desequilíbrio fiscal. Ela permitirá fazer uma reforma tributária, para reduzir o custo Brasil. E a reforma política. Embora não tenhamos guerras, terremotos, as catástrofes que os outros países sofrem, temos um risco importante de governabilidade. Temos um sistema partidário fragmentado e regime presidencialista. Isso não funciona bem. Ou você é parlamentarista, e isso garante a governabilidade em meio às cisões da base do governo, ou você encolhe o número de partidos e vira presidencialista ? como nos EUA, o único lugar em que esse sistema funciona. Senão, a cada mudança eleitoral você pode ter uma surpresa. Ou mesmo durante um mandato, se o príncipe virar sapo e parte da aliança governamental desertar.

DINHEIRO ? Mas não haverá reforma em ano pré-eleitoral. Aliás, o ano eleitoral aumenta a noção de que o País é instável?
FRITSCH ?
Não. Eu acho que, quando soubermos quem são os cavalos que estão no páreo, o discurso dos candidatos vai ser muito mais convergente. Ninguém ganha eleição sem compromisso com a manutenção da inflação sob controle. Se alguém começar a falar besteiras, os economistas respeitados vão dizer que está errado. Acho que haverá uma camisa-de-força para maluquices. A campanha terá mais conteúdo.

DINHEIRO ? Um candidato de oposição com chances fortes não assusta os investidores?
FRITSCH ?
Sempre alguém pode tentar se diferenciar falando alguma coisa estapafúrdia, uma besteira imensa. Mas os comentaristas vão colocar esse candidato no seu lugar. O País não está tão ruim quanto na eleição do Collor, não tem mais espaço para messias. Até os candidatos de oposição tendem a assumir posturas mais conservadoras.

DINHEIRO ? Qual o futuro dos bancos brasileiros?
FRITSCH ?
Acho que tendem a se associar. A sobrevivência deles se deve principalmente a que o Brasil é um mercado grande e complexo. Mas que haverá cada vez mais convergência e troca de controle, como na Europa, é claro. Acho que tem banco demais no Brasil. Há seis ou sete bancos de varejo, e lucratividade bancária só se consegue com escala, grande número de produtos e custo fixo menor. Vai haver consolidação, eventualmente, com instituições de outros países.