01/11/2025 - 16:28
Depois de um longo périplo pela Ásia, o presidente norte-americano Donald Trump coroou sua turnê com um encontro com o líder chinês Xi Jinping na Coreia do Sul. Depois de semanas de trocas de farpas, ameaças e retaliações comerciais, os dois representantes dos países mais poderosos do mundo fecharam um acordo, que têm como protagonista um grupo de minerais especiais conhecidos genericamente como terras raras – 17 elementos químicos que servem como matérias-primas para indústrias estratégicas como a tecnológica, automotiva e de defesa.
Em meio ao imbróglio, o Brasil, que já vinha trabalhando na atualização de sua política para o setor mineral de olho em atender às demandas de transição energética, resolveu lançar o segmento à mesa de negociações que discutirão as tarifas aplicadas pelos Estados Unidos contra os produtos brasileiros. A questão é se o país tem (ou terá) condições num futuro próximo para ser um protagonista no debate global relacionado à cadeia de produção de matérias-primas tão específicas.
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O Brasil é a segunda maior reserva de terras raras do mundo, atrás apenas da China, com 21 milhões de toneladas – ou 23% das reservas globais – distribuídas por cinco estados-chave, onde estão localizadas as principais jazidas, em Minas Gerais, Goiás, Amazonas, Bahia e Sergipe. Os chineses detêm 90% do mercado global de processamento de minerais raros. Esses elementos são encontrados como produtos secundários em depósitos de outros bens minerais, sobretudo nos de nióbio e fosfato. As mineiras Araxá e Tapira, onde diversas companhias de mineração já atuam, além de Minaçu, em Goiás, são locais apontados como relevantes na lista de municípios com potencial elencada pelo Serviço Geológico do Brasil, empresa vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Vale dizer que apesar do termo “raras” que os batiza, esses recursos existem em abundância. A raridade está em deter a tecnologia para a extração e o refino.
Como a chave está nas mãos da China, reduzir a dependência daquele país é um ponto fraco para Trump, e por isso se tornou um dos objetivos (quase uma fixação) para o republicano, evidenciada em seu recente tour pela Ásia e Oceania, onde acaba de fechar acordos comerciais para garantir a obtenção desses minerais com os governos da Austrália e do Japão – antes mesmo do encontro com Xi. Vale lembrar que um acordo em moldes similares foi celebrado com a Ucrânia em abril.
Apesar do entendimento desta quinta, 30, Estados Unidos e China vivem em queda de braço em nome da segurança nacional há tempos, e uma notória escalada tornou-se evidente a partir de setembro deste ano. Ao final daquele mês, Trump assinou determinação com a finalidade de estabelecer o controle da operação do TikTok no país por meio de gigantes americanas, enquanto a então controladora chinesa ByteDance seguirá no negócio com uma fatia minoritária, de 20%.
Pouco tempo depois, já na primeira quinzena de outubro, o ministério de comércio chinês anunciou novas medidas para controlar as exportações de itens e tecnologias relacionadas às terras raras. A resposta americana veio: 100% de tarifas para produtos chineses. Nesse processo de quem manda mais entre os dois líderes globais, os países arrefeceram o discurso, o que acabou resultando no acordo desta quinta-feira na Coreia do Sul. É uma negociação temporária, que estabelece trégua de um ano para a guerra comercial entre as duas maiores economias do planeta. Trump aceitou recuar em relação às tarifas sobre a China em troca de Pequim reprimir o comércio ilícito de fentanil, retomar compra de soja dos norte-americanos e, claro, manter o fluxo de exportações de terras raras.
Em meio às contendas sino-americanas, o assunto ganhou temperatura no Brasil. Em outubro, Lula ressuscitou o Conselho Nacional de Política Mineral, criado em 2022, o qual se reuniu pela primeira vez só agora – e incluiu na agenda os desafios para a exploração de terras raras. Antes mesmo de ocorrer a reunião entre Lula e Trump na Malásia, em 27 de outubro, ficou público, ainda, o encontro marcado entre o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, com autoridades americanas. Silveira embarca para Toronto, no Canadá, neste final deste mês para tratar do tema em um evento que vai reunir os ministros da pasta de energia e meio ambiente do G7 para debater aspectos de segurança, resiliência e tecnologias.
Em outra frente, o encarregado de negócios dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, participou de uma série de reuniões na terça, 28 de outubro, com mineradoras, cujo objetivo era negociar parcerias relacionadas aos minerais críticos e estratégicos. “O momento é muito delicado no processo de negociação, mas também bastante estratégico para que o Brasil defina como se colocará nesse jogo”, avalia Denilde Holzhacker, cientista política e professora de relações internacionais da ESPM.
Como cautela é o nome do jogo nas relações diplomáticas, dificilmente os Estados Unidos deixarão de tentar garantir o suprimento desses elementos. A via para negociações já se abriu. O ponto desafiador é que, considerada apenas a barganha pelo tarifaço – os 50% impostos pelos Estados Unidos a setores brasileiros exportadores em julho de 2025 –, os negociadores brasileiros decidirão agora com olho no futuro. Se o Brasil trocar a capacidade de exploração e refinamento de minerais raros (que ainda precisará ser desenvolvida a partir de volume significativo de investimentos) por tarifas pontuais, pode-se contabilizar perdas em longo prazo. “A complexidade da negociação envolve entender qual é o modelo a ser escolhido”, continua a cientista política.
Longo caminho para avanços no Brasil
Especialistas do segmento projetam de quatro a vinte anos para avanços. “Se o Brasil decide, hoje, montar um refino de terras raras, a demora será de quatro anos, pelo menos, para entrar em operação – se não levar mais tempo”, disse Fernando Gomes Landgraf, professor do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica (Poli) da USP.
O processo de mineração, inclusive, pode levar mais tempo se considerados os estudos para a obtenção de licenças como a ambiental, por exemplo. Do ponto de vista tecnológico, o Brasil levaria de 15 a 20 anos para conseguir chegar a uma metodologia própria para o refino de terras raras. A avaliação é de engenheiros do setor, considerada a complexidade dos processos químicos, a defasagem nacional em separação e purificação desses materiais, bem como o conjunto de desafios para acelerar as licenças necessárias, escreveu Adalberto Junqueira, gestor da unidade de negócios da Tractebel Brasil, Chile e Canadá em um artigo elaborado para o site da IstoÉ Dinheiro.
Parte dos desafios está na “encruzilhada diplomática”, destaca Junqueira. As decisões precisarão equilibrar soberania, pragmatismo e oportunidades de desenvolvimento. “Um acordo com os Estados Unidos pode oferecer financiamento e proteção política; uma parceria com a China poderia encurtar o caminho até o refino – desde que envolvesse cláusulas claras de transferência de conhecimento, conteúdo local e capacitação de mão de obra no Brasil”, continua o especialista da Tractebel, uma multinacional de engenharia divisão da Engie. Holzhacker, da ESPM, lembra que a China vinha tentando persuadir o Brasil a firmar acordos na área para aprofundar a exploração mineral.
Mais um entrave significativo é destacado, mas do ponto de vista ambiental. A lei brasileira para mineração de terras raras ainda segue trâmites exigidos para minérios convencionais, sem especificações. Como muitos depósitos estão perto de áreas urbanas, mesmo sendo menos agressivos do que ferro ou níquel, segue o especialista da Tractebel, minerar as terras raras exige cuidados específicos – o que eleva exigências técnicas no processo de extração.
Tramita em Brasília o Projeto de Lei 2780, proposto em 2024, com o objetivo de posicionar o país como líder em fornecimento de minerais essenciais para a economia verde, o que acrescenta as terras raras. O governo federal quer lançar a política até o final deste ano, já refletindo um olhar para a crescente demanda global e à necessidade de reduzir dependência externa. O projeto considera incentivos fiscais, crédito facilitado e exige aportes em pesquisa e inovação.
Projetos no Brasil
Também ganham expressão os movimentos feitos pelo setor privado e universidades. Por meio do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), companhias anunciaram, há poucos dias, o plano de investir US$ 2,17 bilhões em projetos de terras raras entre 2025 e 2029. O volume de recursos é 49% superior ao anunciado anteriormente para 2024 e 2028. “As ocorrências de terras raras no Brasil despertaram o interesse comercial de várias mineradoras, que têm projetos por aqui. Há mais de dez projetos de mineradoras em andamento no país”, resume Landgraf, da USP.
Na corrida pelo negócio, a australiana St George Mining é uma das companhias que anunciou aportes recentes. Em outubro, informou ao mercado sobre a construção de um centro tecnológico em parceria com o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, vinculado ao Ministério de Educação, em Araxá – um dos locais de destaque das reservas brasileiras. A ideia é que após cinco anos de operações o local seja assumido pela instituição atrelada ao governo federal.
A mineradora australiana, que integra a crescente onda de movimentação no Ocidente para diversificar fontes e reduzir a dependência da China, confirmou ter descoberto em setembro uma jazida de terras raras e nióbio no âmbito de seu Projeto Araxá, comprado pela companhia em fevereiro deste ano, e com potencial para produzir até 20 mil toneladas anuais de nióbio e terras raras.
Na região opera também a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), um destaque brasileiro no setor controlado pela família Moreira Salles, conhecida globalmente pela produção e venda de produtos e tecnologia de nióbio. A companhia extrai, processa e desenvolve aplicações para o metal.
Em paralelo às movimentações no Brasil, a relação entre China e Estados Unidos ainda deve ter um peso crucial na cadeia global. Mesmo com o acordo firmado nesta semana, o grau de incertezas envolvendo as duas potências é grande. Os acordos recentes firmados por Trump podem ter reduzido (em curto e médio prazos) o peso do Brasil se considerada a necessidade americana, dizem especialistas. Mas em longo prazo trata-se de um negócio estratégico em nível global – e que os brasileiros não podem mais deixar de lado
“Nós temos um bom minério. O disprósio é um elemento químico necessário para os motores”, cita o professor da USP. Trata-se de um componente essencial para a fabricação de ímãs que estão entre os mais poderosos do mundo por suas propriedades magnéticas únicas (e que permitem a produção de tecnologias potentes vitais para a transição energética), empregados em motores de carros elétricos, geradores de turbinas eólicas e sistemas de mísseis e aviões de caça – para citar alguns usos.
Colocar as terras raras na mesa, diante de Trump, não deve (ao menos por ora) afetar as relações entre Brasil e China, na visão de especialistas consultados. É uma preocupação que está na pauta dos negociadores, independentemente do ponto de vista político ideológico, mas considerados os interesses puramente comerciais. Basta observar as cifras: em 24 anos, as trocas comerciais entre chineses e latino-americanos – e o papel do Brasil é estratégico –, saltou de US$ 10 bilhões em 2000 para mais de US$ 500 bilhões em 2024, cifra alcançada pela primeira vez. O dado foi entregue pelo próprio presidente chinês em maio deste ano.
