Sozinho, o Brasil levaria de 15 a 20 anos para desenvolver capacidade tecnológica própria para refinar terras raras e implementar tais projetos — um grupo de 17 elementos essenciais para a fabricação de turbinas eólicas, carros elétricos, sensores e sistemas militares. É o que avaliam engenheiros do setor, diante da complexidade dos processos químicos, da defasagem nacional em separação e purificação desses materiais bem como os desafios para acelerar licenças de implantação.

Enquanto isso, China e Estados Unidos travam uma disputa geopolítica por controle da cadeia global, e o Brasil, dono de uma das maiores reservas do planeta, começa a ser pressionado a escolher seu lugar nesse jogo. A pergunta que se impõe é: o país tem condições — técnicas, políticas e industriais — de participar como protagonista, ou continuará restrito à exportação do agregado de terra rara?

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Embora o nome sugira escassez, terras raras não são necessariamente difíceis de encontrar. O que torna sua produção complexa é a forma como aparecem na natureza — sempre misturadas, exigindo processos químicos sofisticados para separá-las com alta pureza. E é aí que o jogo se decide. A China concentra cerca de 90% da capacidade mundial de separação e refino desses elementos, um domínio construído ao longo de décadas, que hoje funciona como alavanca geopolítica.

Estados Unidos, União Europeia e Japão já experimentaram gargalos no abastecimento e têm pressa em diversificar suas fontes – mas seguem dependentes da capacidade técnica chinesa para concluir as etapas de separação e refino de terras raras, as mais sofisticadas da cadeia.

Quem detém o refino, controla o valor da cadeia

O Brasil possui aproximadamente 21 milhões de toneladas de óxidos de terras raras em reservas, o que representa cerca de 23% do total mundial. O dado coloca o país como um dos mais promissores em oferta bruta – e desperta o interesse de potências que disputam, cada vez mais, a segurança das cadeias de fornecimento desses materiais. A primeira operação comercial brasileira, a mina da Serra Verde, em Minaçu (GO), entrou em atividade recentemente e já exporta concentrado para a China, onde o refino é realizado. A planta, no entanto, não processa os elementos no Brasil. E esse é o ponto central do debate: quem detém o refino, controla o valor estratégico da cadeia.

A dificuldade não está apenas na engenharia ou no investimento. Está na tecnologia — e no acesso a ela. “Nem o Brasil, nem os Estados Unidos têm hoje domínio da tecnologia de separação das terras raras. Quem tem é só a China”, afirmou o químico Gilberto Fernandes de Sá em entrevista recente à Folha de S.Paulo. O problema é que, se considerarmos uma visão estritamente técnica, estamos falando de um prazo de, no mínimo, 15 anos para o país desenvolver a capacidade técnica autônoma de refino, caso não conte com a colaboração tecnológica de quem já domina o processo – leia-se, a China.

Adalberto Junqueira, Gestor de Unidade de Negócios da Tractebel
Adalberto Junqueira, Gestor de Unidade de Negócios da Tractebel (Crédito:Divulgação)

Encruzilhada geopolítica e desafios ambientais

O ponto é que a exploração e geração de minérios a partir das terras raras também envolve um intrincado cenário geopolítico. De um lado, os Estados Unidos pressionam por acesso às reservas brasileiras, como parte de sua estratégia de reduzir dependência do mercado chinês. De outro, a China impõe regras mais duras para exportar tecnologias sensíveis e tem pouco interesse em transferir o conhecimento de separação química para potenciais concorrentes. 

Para o Brasil, isso representa uma encruzilhada diplomática e técnica, onde as decisões precisam equilibrar soberania, pragmatismo e oportunidades de codesenvolvimento.

Um acordo com os EUA pode oferecer financiamento e proteção política; uma parceria com a China poderia encurtar o caminho até o refino – desde que envolvesse cláusulas claras de transferência de conhecimento, conteúdo local e capacitação de mão de obra nacional.

Do ponto de vista ambiental, há ainda um entrave relevante. A legislação brasileira para mineração de terras raras ainda segue os mesmos trâmites exigidos para minérios convencionais, o que torna o processo de licenciamento lento e custoso. Estima-se que o ciclo completo entre licenciamento e operação possa durar até 15 anos. Além disso, como muitos depósitos estão próximos a áreas urbanas. Mesmo sendo minerais menos agressivos do que o ferro ou o níquel, terras raras exigem cuidados específicos, o que eleva as exigências técnicas e burocráticas para sua extração e processamento.

Minerais essenciais à economia verde

O Brasil vem atualizando sua política mineral para atender às demandas da transição energética, incluindo elementos de terras raras entre os recursos prioritários. Em 18 de setembro de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou urgência para o Projeto de Lei 2.780/2024, que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE).

Esse projeto visa posicionar o país como líder no fornecimento de minerais essenciais à economia verde – como lítio, nióbio, elementos de terras raras, cobre e grafite natural. Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), a nova política deverá ser lançada até o final de 2025, acompanhada de um fundo de financiamento e guias para investidores, a fim de impulsionar a exploração sustentável e a cadeia produtiva interna desses minerais.

A incorporação das terras raras e de minerais como cobre e lítio na estratégia nacional reflete uma resposta à crescente demanda global e à necessidade de reduzir dependências externas. O governo federal reativou o Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM) para assessorá-lo nessas diretrizes.

A proposta da Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE) estabelece incentivos fiscais, crédito facilitado e normas para uso competitivo e sustentável dos recursos minerais, exigindo também investimentos em pesquisa, inovação e economia circular no setor. 

Paralelamente às iniciativas governamentais, universidades e centros de pesquisa brasileiros lançaram programas ambiciosos para formar especialistas e desenvolver tecnologias no campo das terras raras. Ainda neste ano, foi aprovado o INCT MATERIA – Materiais Avançados à Base de Terras-Raras: Inovações e Aplicações, um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia apoiado pelo MCTI/CNPq que reúne 15 instituições de excelência em uma rede multidisciplinar. Com investimento de aproximadamente R$ 10,2 milhões ao longo de cinco anos, o INCT MATERIA foca em três frentes principais: extração sustentável de elementos de terras raras no Brasil, desenvolvimento de cerâmicas avançadas para usos optoeletrônicos, e produção de ímãs permanentes de alta performance destinados a carros elétricos, turbinas e equipamentos industriais.

Além dessas iniciativas, em maio de 2025 foi inaugurado, na Grande Belo Horizonte, o Centro de Inovação e Tecnologia em Ímãs de Terras Raras (CIT SENAI ITR) abriga o LabFabITR — primeiro laboratório-fábrica de ímãs e ligas de terras raras do hemisfério sul. Implantado pela Codemge entre 2015 e 2023 e agora sob gestão da FIEMG/SENAI, esse complexo conecta laboratórios de química, metalurgia e processamento mineral, criando uma sinergia entre pesquisa aplicada e inovação industrial. A estrutura é considerada um marco para a autonomia tecnológica nacional: pela primeira vez o Brasil detém capacidade de produzir superímãs de terras raras, insumo crucial para motores elétricos e geradores eólicos, inteiramente em solo brasileiro.

Com essas iniciativas, o país dá passos firmes para entrar na corrida global das terras raras com bases sólidas. A atualização da política mineral – incluindo terras raras, lítio, cobre e outros estratégicos – aliada ao vigor de projetos acadêmicos e de inovação, indica uma estratégia integrada.

O Brasil tem buscado não apenas exportar minerais, mas exportar tecnologia, inserindo-se de forma competitiva e sustentável nas cadeias globais de valor das indústrias do futuro. O que resta saber, é se seremos ágeis o suficiente para entrar nessa corrida.

* Adalberto Junqueira é gestor de Unidade de Negócios da Tractebel Brasil, Chile e Canadá