Uma cessão de território para a Rússia no leste da Ucrânia aparece como possibilidade para um cessar-fogo. Mas o que pensam moradores do Donbass e os militares ucranianos que diariamente convivem com ataques russos?Uma motocicleta passa zunindo entre girassóis e adentra em um campo aberto, levantando poeira. O veículo é dirigido por Oleksij, oficial de um batalhão da 14ª Brigada da Guarda Nacional da Ucrânia. Sua unidade luta perto de Pokrovsk, onde o exército russo tenta cercar a cidade com dezenas de ataques todos os dias.

A moto veio diretamente do front, capturada dos russos, que avançaram contra posições ucranianas. Mas Oleksij e três de seus companheiros evitaram o ataque e conseguiram deixar o local.

Após 27 dias de serviço, o combatente está descansando. Mas, para poder deixar suas posições, ele e o grupo tiveram que esperar por condições climáticas favoráveis. Durante o trajeto, porém, precisaram fugir de um drone russo.

“Desisti de ter esperança”

Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tenta cumprir uma de suas promessas de campanha, que é consolidar a paz entre Rússia e Ucrânia, o destino do Donbass, no leste ucraniano, é discutido junto a possíveis cessões de território em troca de um cessar-fogo.

Há algumas semanas, o exército russo avançou a nordeste de Pokrovsk, na região de Donetsk. Com isso, a frente de batalha se aproxima da cidade de Dobropillia e das localidades vizinhas. Embora o exército ucraniano tenha conseguido libertar algumas áreas, a região continua sob ataques constantes. Devido a isso, cada vez mais pessoas fogem para escapar dos bombardeios e drones russos.

“Eu realmente acreditava nas negociações e esperava ansiosamente por cada encontro. Agora sei que isso é inútil. Perdi a esperança”, diz Natalia, moradora de Dobropillia. Ela conversou com a DW em uma área da região de Donetsk onde se reúnem refugiados: “Não é certo parar a guerra tirando-nos territórios. Tudo está sendo destruído. Não há como saber se as áreas serão recuperadas”, acrescenta a mulher, cujo filho foi dispensado do exército após ser ferido.

“Assumir responsabilidade”

Perto do front em Kramatorsk, tudo parece tranquilo. O exército ucraniano tem os chamados pontos de estabilização próximos das frentes de batalha justamente para estabilizar soldados feridos antes de transferi-los para hospitais. A tranquilidade nesse local não significa que haja calmaria também na linha de frente. Na verdade, é um sinal de que, devido aos ataques de drones russos, pode estar difícil transportar os feridos no momento, explicam os paramédicos, que, às vezes, recebem soldados que ficaram um ou dois meses em combate: “Na maioria dos casos, eles estão simplesmente exaustos”, diz a anestesista Tetjana.

No meio da noite, chega um ferido que perdeu o pé. Os médicos, que estavam cochilando, trabalham na mesa cirúrgica: “Ele pisou em uma mina”, explica o médico assistente Dmytro, que enfatiza: “Dá para ver que ambas as pernas já foram operadas. Isso significa que esse não é o primeiro ferimento dele”.

Dmytro diz que, no ponto de estabilização, não se percebe nada dos esforços de paz de Trump. A frente em Kramatorsk, onde ele serve, fica a menos de 20 quilômetros de sua cidade natal, Sloviansk. Antes do início da guerra, com a invasão da Crimeia em 2014, ele trabalhava em Donetsk. Quando questionado sobre o que significa para ele lutar pela sua pátria, ele responde: “Assumir responsabilidade”.

Os médicos militares acompanham os esforços das negociações, mas tentam “não se distrair com acontecimentos que não podem influenciar”. “Espero o melhor”, diz Tetjana, buscando manter-se focada: “Estou concentrada em prestar assistência”.

“Estamos tentando salvar nossos soldados”

Um soldado conhecido como Stinger, que atua como operador de rádio na defesa da cidade de Chassiv Yar, afirma que “as negociações são assunto das altas lideranças. Nossa tarefa é deter o inimigo, e estamos cumprindo essa tarefa”.

De acordo com informações do exército ucraniano, há cerca de uma dúzia de ataques diários na frente de batalha em Kramatorsk, que inclui os arredores de Chassiv Yar.

Há uma semana, Stinger deixou as posições onde esteve por 15 dias. Durante esse período, os russos atacaram várias vezes: “Até agora, não estamos realizando ataques ou operações de libertação. Estamos simplesmente nos defendendo e repelindo o inimigo. Na estrada, na cidade ou no campo, nossa tarefa é impedi-lo de avançar, nem que seja 100 metros”, afirma.

Às vezes, no entanto, as forças russas conseguem avançar até posições onde está a unidade de Stinger. Para ele, isso se deve ao grande número de soldados e armas que os russos utilizam.

“Quando ocorre uma situação crítica, tentamos resgatar nossos soldados e recuá-los, a fim de ficarmos em uma posição mais vantajosa”, explica.

“Não há conversações de paz”

Assim como na linha de frente, o exército russo também intensifica os bombardeios ainda mais para dentro da Ucrânia. Em 22 de agosto, mais de 40 bombas guiadas foram lançadas em direção a Kramatorsk, a maior cidade da região de Donetsk, que ainda está sob controle ucraniano. Três pessoas ficaram feridas. No final de julho, metade de um prédio residencial de cinco andares no centro da cidade foi destruído por bombardeios russos. Seis pessoas morreram e onze ficaram feridas.

“Eram duas e meia da tarde, eu tinha acabado de chegar em casa. Todas as janelas foram destruídas. Minha filha ficou ferida, estilhaços atingiram a perna dela”, lembra a aposentada Walentyna, que mora na casa vizinha.

Ela não acredita que a guerra será encerrada por meio de negociações de paz. Logo após o início das conversas entre Vladimir Putin e Donald Trump no Alasca, em 15 de agosto, o chefe do Kremlin ordenou o bombardeio de Sloviansk.

“Minha outra filha mora lá. Não se pode dizer que há negociações de paz”, diz Walentyna, indignada.

A maioria dos moradores de Kramatorsk com quem a DW conversou rejeitam concessões territoriais em troca de um cessar-fogo: “Hoje, ele diz ‘me deem a região de Donetsk’. Amanhã, dirá ‘me deem a região de Lviv’. E daqui a uma semana, ele dirá ‘me deem Kiev'”, diz o aposentado Oleh sobre Putin.

“Não há dúvida, sou ucraniana e amo o Donbass. Já foi derramado tanto sangue e tantas pessoas perderam a vida. Meu filho também está em combate”, afirma a aposentada Soja quando questionada sobre a cessão de territórios.

“É uma decisão muito séria”

Vasyl, um homem de meia-idade, questiona: “O que é mais importante para a Ucrânia: a região ou as pessoas?”. Em seguida, acrescenta: “Para que precisamos dessa região, se tantas pessoas morreram? Você esteve no front? Eu venho de lá e perdi tudo. Vamos reconstruir nossas vidas em outra região”.

Junto com sua esposa, ele deixou seu vilarejo no distrito de Kostyantynivka, onde o exército russo segue avançando: “Não se pode confiar em Putin. Não sei o que o mundo deve fazer para impedir isso. Volodimir Zelenski está em um momento muito difícil, é uma decisão muito séria”, diz.

Quando questionados sobre quais garantias podem proteger a Ucrânia de uma nova agressão russa, os habitantes locais hesitam: “Nossa garantia de segurança é nossa presença militar em todo o país”, afirma o aposentado Mykola.

Switlana, uma mulher de meia-idade, não acredita em nenhuma: “Porque não vi nenhum apoio real durante a guerra”.

O jovem soldado Jaroslaw, que luta pela libertação de sua região natal, também acompanha os esforços de paz e é contra concessões territoriais: “Tenho pensado muito sobre isso. Mas não estou disposto a desistir de Kramatorsk e da região de Donetsk. Por que tantos homens perderam a vida no Donbass?”, questiona.

Ao mesmo tempo, ele acredita que as negociações de paz são inevitáveis: “Toda guerra termina com negociações. Quem não conhece sua história está condenado a repeti-la”.