30/12/2009 - 8:00
Se um banco privado mal gerido é salvo da bancarrota pelo dinheiro público e volta a dar lucro um ano depois, quem deve ficar com a maior parte dos ganhos dessa recuperação?
Os executivos e funcionários que comandaram a virada ou o contribuinte, que pagou o pato da incompetência anterior e ainda por cima ficou desempregado? Três líderes europeus – o inglês Gordon Brown, o francês Nicolas Sarkozy e a alemã Angela Merkel – não têm dúvidas sobre isso.
Os três, de olho nas urnas, estão decididos a pôr um fim na festa dos bônus milionários do setor bancário. Na Inglaterra, os bônus superiores a 25 mil libras esterlinas terão em 2010 imposto adicional de 50%, a ser pago pelo empregador.
França e Alemanha prometem seguir no mesmo caminho. Parece justo, mas qual será o efeito dessas medidas nas instituições financeiras e nas economias dos países? A questão é complexa e deve gerar muita polêmica.
Deixando de lado a questão moral, é fato que os bancos são movidos a ganância. Seus funcionários geralmente têm salário fixo baixo e uma remuneração variável agressiva, atrelada a metas de desempenho individual. Essa política de meritocracia estimula a produtividade e a competitividade das instituições, resultando no fechamento de mais negócios e, portanto, em maiores lucros no final do ano.
Quando as coisas vão bem e a economia cresce, ganham os funcionários, os acionistas (em forma de dividendos) e o governo (impostos). “Os bônus são necessários para manter as equipes estimuladas”, afirma Alberto Borges Matias, professor de finanças da USP em Ribeirão Preto (SP).
O problema é quando as coisas vão mal, como aconteceu na crise de 2008. Por mais que relutem em aceitar a tesoura dos bônus em suas equipes, os dirigentes dos bancos europeus sabem que não haveria lucros em 2009 sem a providencial ajuda anterior do Tesouro.
“Seria útil para todos nós reconhecermos que o aumento recente da rentabilidade deve-se em parte ao apoio dos governos e dos bancos centrais, bem como do impacto [desse apoio] nos mercados”, afirmou Joseph Ackermann, presidente do Deutsche Bank e do Institute of International Finance, organização sediada em Washington, que reúne bancos do mundo todo.
Daí a engolir um imposto de 50% nos bônus, como anunciou o ministro das Finanças do Reino Unido, Alistar Darling, em 9 de dezembro, é outra história. Algumas figuras da City de Londres chegaram a questionar Bill Dodwell, chefe de impostos da consultoria Deloitte, se a tesoura dos bônus não seria um atentado aos seus direitos humanos.
O Parlamento britânico levou a queixa a sério. Depois de mergulhar nos princípios universais, o Comitê Conjunto de Direitos Humanos da Câmara dos Comuns e da Câmara dos Lordes decidiu que não. Os banqueiros (ou bancários) não tiveram seus direitos humanos violados. “Usar a política tributária é um instrumento cego.
Tomem cuidado com as consequências inesperadas”, disparou Rick Waugh, presidente do Scotiabank. Nos bastidores, os banqueiros europeus sabem que já perderam essa guerra. Até agora, o máximo que o governo Obama fez nesse ponto foi limitar a US$ 500 mil os bônus dos executivos dos bancos que receberam dinheiro público, como o Citigroup, presidido por Vikram Pandit; o Bank of America; o Goldman Sachs; e o Morgan Stanley, comandado por John Mack.
Para se livrar de restrições, esses grandes bancos começaram a anunciar a devolução do dinheiro da ajuda federal. No fundo, eles torcem para que a tesoura dos bônus europeus não atravesse o Atlântico com o mesmo ímpeto.