27/02/2015 - 20:00
O caso Swissleaks, que nasceu dos arquivos bancários do HSBC na Suíça, joga luz sobre o passado do Brasil, onde a insegurança econômica era uma das únicas certezas para milhões de brasileiros. Até a criação do Plano Real, em 1994, muitas famílias enviavam para o exterior boa parcela de suas riquezas. Mais do que um estratagema para fraudar a Receita Federal, a expatriação fazia parte de uma espécie de preservação contra a dilapidação patrimonial. Era difícil encontrar proteção financeira num país de moeda fraca, inflação descontrolada, planos econômicos frustrantes que se sucediam e confiscos capazes de engolir o saldo que estava depositado nos bancos nacionais.
O dólar paralelo, uma espécie de mercado negro legalizado, era atualizado todas as noites nos telejornais e suas cotações divulgadas nos jornais do dia seguinte. Por isso, a melhor defesa era ter um doleiro de confiança, que se aproveitava da frouxidão no controle das fronteiras e embarcava em jatinhos com malas recheadas de dinheiro para ser depositado na tranquilidade dos cofres internacionais. Havia, é claro, notas sujas pela corrupção ou pela contravenção nessa viagem rumo aos paraísos fiscais. Mas é inegável que uma parte significativa dos depósitos no exterior tinha origem legal, a exemplo do que ocorria numa série de outros países.
Preocupados com a evasão, alguns deles, no início dos anos 2000, resolveram promover uma anistia para repatriar o capital que estava em outros países e era considerado ilegal por não pagar impostos. Os Estados Unidos e a Alemanha fizeram isso. A Itália e a Espanha, por exemplo, recuperaram US$ 60 bilhões e US$ 40 bilhões, respectivamente, com regras e prazos vantajosos para os titulares das contas. No Chile, a reforma tributária que a presidente Michelle Bachelet promoveu no segundo semestre do ano passado prevê a recuperação do capital evadido, estimado entre US$ 50 bilhões e US$ 80 bilhões.
O governo chileno ofereceu vantajosos 8% de imposto, um atrativo que pode aumentar a arrecadação do país e garantir, a partir do regresso desses recursos, a taxação integral do Imposto de Renda de 25% ao ano. A lição dos países que promoveram a anistia fiscal é que o dinheiro limpo não quer ficar ao lado do sujo, que permanece na clandestinidade. O Brasil resiste a entrar nesse jogo. Oficialmente, o Banco Central sabe que pouco mais de 27 mil pessoas físicas e 3,5 mil jurídicas mantinham quase US$ 400 bilhões em ativos no exterior, principalmente na Áustria, nas Ilhas Cayman e nos Países Baixos, até o final de 2013.
Mas estima-se que há alguns bilhões de dólares que continuam no buraco negro. Em 2008, quando a reforma tributária estava em discussão no Congresso Nacional, o deputado carioca Eduardo Cunha (PMDB), atual presidente da Câmara dos Deputados, tentou incluir a repatriação entre as prioridades, por meio de uma emenda. O Brasil não teve nem uma coisa nem outra. O tema é discutido no governo petista desde 2003, quando o então senador por São Paulo Aloizio Mercadante acenava com a possibilidade de criar benefícios fiscais para aqueles que esconderam dinheiro durante a instabilidade econômica e política do País.
Agora, como ministro-chefe da Casa Civil, provavelmente Mercadante deixe de acenar com essa proposta com receio de ser vinculada ao Petrolão. O que é uma pena. Num ano em que o governo corre atrás de novas receitas, a anistia fiscal poderia beneficiar as contas internas. Mas essa medida precisa vir atrelada a um acordo jurídico. O pagamento do imposto tem de zerar as pendências com o Fisco e com o Ministério Público, que não poderá fazer acusações penais de sonegação fiscal. Hoje, o risco de condenação por esse passado oculto é o que impede o dinheiro legal de retornar ao País.