06/06/2025 - 9:41
Autor de clássicos como “A Montanha Mágica” e “Doutor Fausto” está no panteão da literatura. Despojado da cidadania alemã, escritor manteve vínculo com o país mesmo no exílio e convocou alemães a resistir ao nazismoQue a vida e a obra de Thomas Mann estavam intimamente ligadas uma à outra, isso é consenso entre literatos. O autor alemão ascendeu ao panteão da literatura internacional como uma voz relevante da cultura e alguém que transitou entre mundos. Esse reconhecimento se deve sobretudo aos seus escritos – grandes romances como Os Buddenbrook, que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1929, A Montanha Mágica e Doutor Fausto.
Mas a relevância de Thomas Mann se deve também ao seu engajamento político, expresso em ensaios e pronunciamentos no rádio. Ele viveu em tempos de turbulência geopolítica, marcados pelas duas Guerras Mundiais, pelo nazismo e pelo Holocausto. E muito disso transparece em sua obra.
Gênio da literatura não era nenhum prodígio na escola
Nada disso era previsível em 6 de junho de 1875, quando Thomas Mann veio ao mundo como filho de uma teuto-brasileira nascida em Paraty e de um comerciante na cidade portuária de Lübeck, parte do recém-fundado Império Alemão. Ali, onde hoje é o estado de Schleswig-Holstein, criou-se com mais quatro irmãos.
Ainda como estudante, escreveu seus primeiros ensaios e rascunhos de prosa. A exemplo do irmão Heinrich, nutria um ardente entusiasmo pela literatura – para desgosto do pai. Apesar disso, o jovem não só teve que repetir um ano na escola como não era lá dos mais brilhantes em alemão – seus professores nunca avaliaram seu desempenho como mais do que “bem satisfatório”.
Após perder o pai em 1891, Thomas Mann abandonou a escola antes de concluir o ensino médio e se mudou com a família para Munique. Lá, começou a aprender o ofício de corretor de seguros, mas logo abandonou a ideia. Vivendo da herança do pai, virou profissional liberal e foi trabalhar como escritor. Sua primeira publicação, Favor, saiu em 1984 na revista Die Gesellschaft. Tornou-se jornalista.
Ao lado do irmão Heinrich, Thomas Mann passou dois anos na Itália, período em que trabalhou na obra Os Buddenbrooks, publicada em 1901, após regressar à Alemanha, e bem recebida pela crítica. O romance de estreia – originalmente concebido como um trabalho a quatro mãos com Heinrich – baseia-se na história da família de Mann e trata da decadência de uma próspera linhagem de comerciantes. Dali em diante, o escritor passou a viver da própria renda.
Primeira Guerra Mundial e rixa com o irmão
A Os Buddenbrooks seguiram-se outros trabalhos. O próximo, a coletânea de contos Tristão, publicada em 1903, inclui também a novela Tonio Kröger, que trata do contraste entre artista e cidadão, espírito e vida.
Empenhado em levar uma existência burguesa, Thomas Mann casou-se em 1905 com Katia Pringsheim, filha de uma rica família de acadêmicos de Munique. O escritor também se sentia atraído por jovens rapazes, mas isso não pareceu incomodar Katia. Juntos, tiveram seis filhos. Alguns deles seguiriam os passos do pai, tornando-se também literatos.
A eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) expôs as diferenças entre Thomas Mann e o irmão Heinrich e levou-os à ruptura. Heinrich, à época também um escritor bem-sucedido, havia publicado um texto antiguerra. Quatro anos depois, no ensaio Considerações de um Apolítico (1918), Thomas explicou seus motivos ao fazer uma defesa do Império Alemão e de sua política de guerra. Só mudaria de posição em 1922, depois da derrota alemã e da ascensão da democracia na República de Weimar, regime ao qual se converteu.
Em 1929, Thomas Mann recebeu o Nobel de literatura por Os Buddenbrooks – uma conquista e tanto para o escritor, e que levou a literatura alemã ao pódio internacional. Mas a justificativa do júri o aborreceu: não fizeram uma menção sequer a A Montanha Mágica, romance antiguerra publicado em 1924.
Muito antes de a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) bater à porta da Europa, o escritor pareceu farejar o perigo. Mal Adolf Hitler assumiu, Thomas Mann deixou a Alemanha. Ele havia se posicionado contra os nazistas e, em 1930, três anos antes de Hitler ascender ao poder, fizera um apelo inflamado contra o nazismo e em defesa da social-democracia.
Era a primavera de 1933 no Hemisfério Norte quando Mann decidiu não voltar de uma turnê de palestras pela Europa. Fixou residência na Suíça e publicou o primeiro livro da tetralogia José e seus Irmãos, obra que reelabora a história do personagem bíblico José.
Mas Mann não se pronunciava sobre o que acontecia na Alemanha – até enviar uma carta aberta em 1936 ao jornal Neue Züricher Zeitung em que censurava a política alemã. A resposta não tardou a vir: os nazistas o despojaram da cidadania alemã e revogaram o título de Doutor Honoris Causa concedido pela Universidade de Bonn. Mas antes mesmo disso o regime hitlerista já havia lhe tirado prestígio e reputação, roubando posteriormente também parte do seu patrimônio.
Exílio nos EUA
A família Mann, então, resolveu dar as costas de vez à Alemanha. Em 1938, Thomas e Katia migraram para os Estados Unidos, e Mann assumiu um cargo de professor convidado na Universidade de Princeton, na Nova Jersey. Indagado por um repórter sobre se considerava o exílio um fardo, respondeu: “Onde eu estiver, será a Alemanha. Levo minha cultura comigo e não me vejo como alguém decadente.”
A partir de 1940, Thomas Mann passou a convocar os alemães a resistir ao nazismo. A emissora de rádio britânica BBC contornava a censura e fazia seus pronunciamentos mensais chegarem à antiga pátria. Foram mais de 60 programas. Neles, o escritor apelava à consciência dos compatriotas, mencionava o genocídio contra os judeus.
Mas o engajamento de Mann não despertou só simpatia entre os alemães que se opunham à guerra. Depois que o armistício finalmente veio, ele lançou a carta Por que não volto à Alemanha (1945), em que responsabiliza todo o povo alemão pelos horrores da era nazista. “Tudo precisa ser pago”, escreveu Mann ao comentar o bombardeio de cidades alemãs. Críticos reagiram negando-lhe o direito de, como exilado, fazer julgamentos sobre o que foi a vida sob Hitler.
Sua obra literária também incomodou. Um exemplo é o romance Doutor Fausto (1947), sobre um compositor que faz um pacto com o diabo. Alegoria da Alemanha hitlerista, o livro é um acerto de contas do escritor com um país que permitiu a ascensão do nazismo e renunciou à própria humanidade.
Mas nos EUA do pós-guerra o clima já não era dos melhores naquela época. Acusado de simpatizar com um partido comunista e de se envolver em conspirações antiamericanas, Mann deixou o país em 1952 e regressou à Suíça, onde passaria os últimos momentos de sua vida até a morte, em 12 de agosto de 1955, aos 80 anos.
Com sua literatura, mas também com sua irredutibilidade diante da desumanidade dos nazistas, Thomas Mann deu um sinal corajoso. Essa herança é perene.