17/03/2019 - 13:45
Vinte anos após o massacre de Columbine, no Colorado, o debate sobre como evitar os tiroteios em escolas continua presente nos Estados Unidos – e deve crescer no Brasil, após dois jovens deixarem 7 mortos em uma escola em Suzano (SP), antes de se matarem. Desde 1999, ao menos 221 mil jovens foram expostos a situações de violência armada dentro de colégios americanos, segundo levantamento feito pelo jornal Washington Post. De 2013 a este ano, pelo menos 61 pessoas foram mortas e 98 ficaram feridas em tiroteios dentro de estabelecimentos de ensino. E as escolas tiveram de repensar a segurança.
A cada tragédia perto de uma sala de aula, se reacende nos Estados Unidos o debate sobre o maior rigor para compra de armas, mas o tema ainda divide a sociedade e a classe política americana. O partido republicano, do presidente Donald Trump e da maioria do Senado, é tradicionalmente contra um maior controle no acesso.
A discussão está longe de ficar desatualizada nos Estados Unidos – e 2018 foi o ano mais letal nesse aspecto em 13 anos, quando se observam os dados da escola de pós-graduação da Marinha Americana. O NPS Center for Homeland Defense and Security relatou 94 incidentes de tiroteio em escolas no ano passado. É um aumento de quase 60% em relação aos 60 registros de 2006 (maior número anterior, com o adendo de que a estatística vem dos anos 1970). Entre os episódios, destacam-se os ocorridos em Parkland, Flórida e Santa Fé.
Enquanto isso, há Estados que passaram a adotar outras medidas de segurança. Menos acessos de entrada à escola – comparando com eventos esportivos ou com locais como a Disney -, câmeras de segurança em 3D, sistemas inteligentes e detectores de metal portáteis passaram a fazer parte da realidade de americanos.
O distrito escolar na Flórida onde fica a escola que foi alvo do tiroteio em Parkland, em 2018, anunciou que vai adotar um novo sistema inteligente de vigilância e monitoramento. No caso, um ex-aluno da Stoneman Douglas High School, Nikolas Cruz, de 19 anos, chegou ao local com um rifle AR-15 e atirou contra estudantes e professores, deixando 17 mortos.
Entre outras coisas, esse novo sistema informa automaticamente autoridades quando identifica uma movimentação suspeita. O anúncio até causou controvérsia, uma vez que o software conta com algoritmos para rastrear o comportamento das crianças que supostamente representam ameaças.
Ken Trump, da Associação Serviços de Segurança Nacional em Escolas, aponta que a indústria de tecnologias de segurança “dominou” os colégios. “As empresas se tornaram cada vez mais organizadas em seu lobby junto ao Congresso e aos governos estaduais para financiamento focado em produtos de proteção física, sob argumento de tirar as escolas do alvo”, avalia. Em 2018, o Congresso aprovou lei contra a violência escolar, destinando um fundo anual milionário para segurança nos estabelecimentos americanos pela próxima década.
E não faltam aparatos para isso. Após um caso em Oklahoma, em 2014, uma empresa chamada ProTecht passou a oferecer “escudos” dobráveis para proteger alunos em caso de tiroteio. O bodyguard blanket utiliza o mesmo material de armaduras militares. Depois do caso de Parkland, foram distribuídas milhares de mochilas transparentes – de forma a ser possível “controlar” a entrada de armas.
O conselho estudantil ainda prometeu para o futuro outras medidas, como identidades eletrônicas e detectores de metal nos principais ambientes.
Contrafluxo
Em contrapartida, a bandeira do maior controle de armas passou a ser defendida pelos próprios alunos sobreviventes. Os que escaparam do massacre em Parkland fundaram o movimento mais organizado, o March For Our Lives – em tradução livre, Marche Pelas Nossas Vidas. Eles visitaram escolas, foram a parlamentos, publicaram um livro e até inspiraram um documentário da HBO.
Entre as conquistas do grupo está a mudança na legislação da Flórida, republicana e aberta ao lobby das armas. Ali, conseguiram que os juízes admitissem a possibilidade de confiscar armas de pessoas consideradas instáveis, aumentar para 21 anos a idade mínima para compra e vedar qualquer possibilidade de se adquirir armamento mais letal – que permite rajadas de tiros. A próxima meta é conseguir assinaturas suficientes para barrar de vez o comércio de fuzis de assalto – como o do massacre – no Estado.
Outro grupo muito atuante é o Sandy Hook Promise, que diz ter treinado mais de 5,5 milhões de pessoas de mais de 10 mil escolas em todos os 50 Estados para esse tipo de caso. O massacre de Sandy Hook aconteceu em 30 de novembro de 2012, no mesmo horário em que se registrou o massacre de Suzano, por volta das 9h40. Antes de se suicidar, Adam Lanza matou 20 crianças e 7 adultos, incluindo sua mãe.
Esse episódio teve um desdobramento nesta semana. Por 4 votos a 3, a Corte Suprema do Estado americano de Connecticut decidiu ontem que a fabricante de armas Remington pode ser processada pelo tiroteio.
Lei federal de 2005 protegia a indústria de armas desse tipo de questionamento na Justiça. Segundo a ação contra a Remington, a publicidade da companhia glorificava a violência e associava virilidade às armas.
No Brasil, projetos no Congresso não foram adiante
No Brasil, com menor número de casos de ataques em escolas, o debate sobre mudanças, sobretudo legislativas, avança pouco. Após o massacre de Realengo, com 12 mortos, vários projetos foram apresentados no Congresso, mas não progrediram.
Houve quem propusesse tornar obrigatória a presença da Polícia Militar 24 horas nas escolas das redes pública e privada. Outra sugestão era colocar chips nas armas, para facilitar rastreio. Os projetos foram arquivados.
Ali, e em Câmaras e Assembleias, também não se deixou de sugerir os detectores de metais – sem aval final. E o caso de Suzano fez a discussão ser revista. Na Assembleia do Rio e na Câmara de Campo Grande já surgiram projetos na semana passada solicitando esse aparelhamento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.