09/09/2019 - 14:24
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) manteve decisão que absolveu um motorista de aplicativo acusado de ter estuprado uma mulher embriagada em Porto Alegre. Em primeira instância o homem havia sido condenado por estupro de vulnerável e cumpriria dez anos de prisão em regime inicialmente fechado, mas o Tribunal acolheu um recurso da defesa e o absolveu por “falta de provas”.
Os desembargadores da 5ª Câmara Criminal negaram os embargos de declaração interpostos pela Promotoria no último dia 28 de agosto. O Ministério Público argumentava que houve “flagrante omissão” na decisão do Tribunal, indicando que as testemunhas apontaram o estágio de “total embriaguez” da moça.
Os desembargadores analisaram o recurso e consideraram que não havia “vícios”, “omissão, obscuridade, contradição ou ambiguidade” no acórdão que absolveu o homem.
A sentença de primeira instância que considerou que a situação de vulnerabilidade da moça “ficou comprovada pelas provas juntadas aos autos” e indicou que “a palavra da vítima se reveste de importante valor probatório, e não merece ser desacreditada”.
Já no acórdão que absolveu o homem são apresentadas 13 considerações para indicar a ausência de provas, entre elas a de que não se poderia descartar “a possibilidade de algum arrependimento ou descontentamento posterior” da moça e a de que a mulher admitiu o consumo de álcool “por sua livre e espontânea vontade”.
A desembargadora relatora considerou que o depoimento da vítima não teria “suficiente segurança” para autorizar a condenação do motorista.
A decisão já era prevista pelo Ministério Público, que deve questionar o acórdão nos tribunais superiores. Após a interposição do recurso, e antes de sua análise pelo tribunal, a promotoria explicou o teor dos embargos de declaração.
“Trata-se de acusação de um abuso sexual que teria sido praticado por um motorista contra uma moça que estava embriagada. Eles usam vários argumentos no acórdão, mas especialmente eles dizem que não há prova de que ela estava com uma embriaguez que impedisse de discernir, de consentir ou não consentir, ou de oferecer uma resistência, e que mesmo que tivesse, ela bebeu por que ela quis beber, voluntariamente, e aí se colocou numa situação de risco. E isso a gente não pode concordar. Primeiro porque tem prova no processo que ela estava muito embriagada e outra coisa, o fato dela ter bebido voluntariamente não tem a mínima importância para a caracterização do abuso, ela é vítima, não é ré.”, disse a promotora Tania Bittencourt, autora do recurso ao Tribunal.
Relato da moça
Segundo os autos, a moça saiu do trabalho e foi até um bar com um amigo, onde começaram a beber cerveja e ficaram por volta de cinco horas. Depois seguiram até uma casa noturna, onde continuaram bebendo. A mulher conta que em determinado momento da festa teria se sentindo mal, e disse não se lembrar do que tinha acontecido depois. Afirmou que seu amigo chamou um carro por aplicativo para levá-la embora, mas disse que não recordava de ter chegado em casa.
Duas testemunhas do processo, amigos da moça, contaram que tiveram que pedir ajuda do segurança do local para levá-la para fora do estabelecimento e que demoraram um pouco para descobrir a senha do celular da amiga, que não conseguia desbloquear o aparelho. Quando o carro chegou, colocaram a amiga no banco traseiro, que deitou, dizem.
A mulher relatou que no dia seguinte, quando acordou, sentiu muitas dores no corpo, percebeu que estava sem seu celular e teve alguns “flashes” da madrugada anterior. Segundo ela, uma amiga teria então ligado para seu número e quem atendeu foi o motorista do aplicativo, que pediu para que a moça retornasse.
A mulher afirmou ter ficado com medo e preferido não entrar em contato com o homem em um primeiro momento. Depois, revelou ter se olhado no espelho e percebido que haviam roxos no seu corpo.
Ela disse ter esperado então um amigo chegar em sua casa para ligar para o motorista. Na chamada, o homem teria cobrado R$ 50 para devolver o celular da moça e feito duas perguntas: se ela lembrava do que havia acontecido e se teria alguma doença sexualmente transmissível. A moça disse ter respondido negativamente, e então o homem teria afirmado ser casado e ter filhos.
Ela foi então até a Delegacia da Mulher e fez um boletim de ocorrência, aponta o depoimento. Posteriormente, também foi até a empresa que administra o aplicativo para pegar seu celular, quando mostrou o B.O. que havia registrado. O homem foi desligado da companhia.
No mesmo dia, ele teria ido até a casa da moça, ameaçá-la. Por fim, a moça informou que em decorrência dos fatos faz tratamento psicológico e psiquiátrico, bem como uso de medicamentos.
Relato do homem
Conforme registrado na sentença de primeira instância, o motorista alegou que durante o trajeto teria conversado com a moça e ela teria demonstrado interesse nele. Ela teria o convidado para entrar na casa, disse ele.
Segundo o motorista, a moça estaria com dificuldades de achar a chave quando foi abrir o portão e por isso haveria lhe entregado o telefone.
O homem também disse durante o interrogatório que a mulher já possuía lesões nas coxas, antes de terem se relacionado e informou ainda que não teria passado por sua cabeça que a moça não tivesse consciência, “considerando as atitudes dela”.
TJ-RS
Em nota divulgada no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o presidente do Conselho de Comunicação Social desembargador Túlio Martins destaca:
“A partir de uma abordagem sensacionalista e superficial sobre a absolvição de motorista de aplicativo acusado de estupro, criou-se um ambiente de críticas agressivas e infundadas sobre uma decisão judicial. Importante esclarecer que o julgamento unânime da 5ª Câmara Criminal foi de absolvição por falta de provas.
A questão do uso de álcool é referida na fundamentação apenas para demonstrar as contradições da narrativa da mulher, que disse não lembrar de nada, mas descreveu um estupro que teria ocorrido.
Mais ainda, o homem apontado como estuprador a procurou no dia seguinte por telefonema, preocupado com a possibilidade de ter contraído alguma doença sexualmente transmissível, conduta esta absolutamente coerente com quem manteve relações consentidas e, obviamente, incompatível com um estuprador.
É lamentável adentrar em certos detalhes, mas tal se impõe pois o que foi noticiado é absolutamente diverso daquilo que consta dos fundamentos do acórdão, que pode ser criticado e até reformado em grau de recurso, mas pelo que contém, e não por opiniões, boatos ou as lamentáveis Fake News.
A independência do julgador e seu distanciamento de paixões e preconceitos são um dever, que aqui foi criteriosamente observado pelos magistrados que decidiram com base no que foi trazido ao processo e nada além disso; da mesma forma é um dever informar e criticar com base em informações corretas e não por simples repetição de equívoco de terceiros.”