Durante os dez anos em que jogou como tenista profissional no circuito mundial, Luiz Mattar ganhou US$ 1,5 milhão (aproximadamente R$ 2,7 milhões) em prêmios. Foi uma carreira de sucesso, que lhe garantiu o posto de 29º melhor jogador do mundo, a quinta melhor classificação alcançada por um brasileiro.

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“Fundei essa empresa do zero e cheguei até aqui com uma equipe competitiva e motivada ”
Luiz Mattar, presidente da Tivit

Mas em uma única jogada, na segunda-feira 10, Mattar vendeu 3,5% de participação que tinha na empresa de serviços de terceirização de tecnologia Tivit e embolsou R$ 56 milhões, mais de 20 vezes o que conquistou em toda a sua trajetória como atleta. É um resultado impressionante. Mas, até aí, nada demais.
 

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Mattar seria colocado no rol de empresários bem-sucedidos que constroem um negócio de sucesso e depois vendem a companhia. O que chama a atenção, no caso de Mattar, é que ele já fez isso quatro vezes. ?Sempre fui mais oportunista do que empreendedor?, brinca o executivo, em entrevista exclusiva à DINHEIRO, um dia após a conclusão do negócio com o fundo americano de private equity Apax Partners, de sua imponente sala no 22º andar de um edifício na avenida Faria Lima, uma das áreas mais valorizadas de São Paulo.

A transação envolvendo a Tivit e o Apax pode chegar a R$ 1,6 bilhão. O valor é um dos maiores investimentos de um fundo de capital de risco em uma companhia brasileira de tecnologia. O fundo de private equity ficou com 54% da empresa que pertencia a Votorantim Novos Negócios, ao Pátria Investimentos e a diretores da empresa (incluindo o próprio Mattar, que ainda mantém 2,2% da companhia).
 

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Abertura de capital: quem investiu no IPO da Tivit ganhou 25,2% com a venda da empresa.
A Bovespa, no mesmo período, valorizou-se 6,7%

O Apax agora vai fazer uma oferta pelos 43% das ações que estão no mercado, em uma operação que pode fechar o capital da Tivit na BM&FBovespa. ?A combinação de uma empresa com alta taxa de crescimento com um forte time de gerenciamento foi o que nos atraiu na Tivit?, disse à DINHEIRO Jason Wright, sócio do Apax Partners, que negociou com Mattar nos últimos 24 meses.

O ex-tenista permanecerá na presidência da Tivit e terá um assento no conselho da nova empresa. Sua meta: dobrar o tamanho da companhia nos próximos cinco anos e iniciar sua expansão internacional, principalmente para os países da América Latina.

Nada que assuste a este ex-tenista que topou o desafio de entrar no circuito mundial de tênis quando já tinha 22 anos, uma idade considerada alta para iniciar uma carreira esportiva.  Aos 21 anos, Mattar estava no último semestre do curso de engenharia civil no Mackenzie e foi passar férias na França.

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Confiança: o portal iG, onde Mandic trabalhou, foi o primeiro grande cliente da Telefutura

Resolveu jogar torneios amadores de tênis para ter hospedagem gratuita e ganhar alguns trocados para pagar a alimentação. O que era para ser um passeio de três semanas durou dois meses. Ao voltar, comunicou à família de que iria jogar tênis profissionalmente. O seu pai, o empresário Fuad Mattar, dono da empresa têxtil Paramount, que representou durante mais de 20 anos a Lacoste no País, quase caiu da cadeira. Mas fez um acordo com o filho. Se em dois anos sua carreira não decolasse, ele voltaria para terminar a faculdade. Mattar nunca concluiu o curso.

O tênis é indissociável da biografia de Mattar e trouxe as principais lições de gestão que ele iria implantar em sua vida empresarial, logo após abandonar as quadras. As principais delas: ser competitivo, não desistir nunca e aprender com os erros, mas nunca olhar para trás. Sua primeira investida como empresário foi numa casa de entretenimento que tinha em seu interior uma microcervejaria, a Dado Bier.

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“Luiz Mattar adorava cortar custos”
 Cássio Motta, ex-sócio da Telefutura

Em 1999, observou que a internet iria gerar uma nova demanda por atendimento aos consumidores de site de comércio eletrônico. Era também a época da privatização das empresas de telefonia. Resolveu, então, criar uma companhia de call center com o seu companheiro de quadra Cássio Motta e mais dois amigos: José Macedo e Eraldo de Paola.

A Telefutura surgiu com o investimento de R$ 150 mil do próprio bolso dos quatro sócios. Era o embrião do que, anos depois, viria a se tornar a Tivit, dona de uma receita bruta de mais de R$ 1 bilhão em 2009. ?No primeiro ano, fazíamos de tudo. Até carregávamos os computadores?, conta Mattar. ?Como empreendedor, você não pode ter muito orgulho.?

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O primeiro grande cliente foi o iG, que acabava de estrear o modelo de fornecimento de internet gratuita no Brasil e adicionava 30 mil novos usuários por dia. Um volume dez vezes superior à previsão inicial de conquistar diariamente três mil clientes. ?Não tínhamos condições de dar atendimento?, lembra Aleksandar Mandic, um dos pioneiros da web no Brasil, que na época trabalhava no portal de internet. ?Então, eu corri para o Nico.? Para quem não sabe, Nico é como os companheiros de quadra e os amigos mais íntimos chamam Mattar.

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Como um bom estrategista que sabe ler o jogo enquanto ele é jogado, Mattar fez um ponto importante ao perceber que era preciso diversificar a carteira de clientes ao final do primeiro ano de operação. Naquela época, 90% deles eram de empresas de internet, como o iG e o Submarino.

Em apenas um ano, optou por investir na busca por empresas do mercado financeiro, mais sólidas, e inverteu essa relação. Quando a bolha de internet explodiu, no final de 2000, a Telefutura não era dependente dos clientes de comércio eletrônico e de empresas pontocom, muitos deles em dificuldades financeiras ou fechando as portas.

Além disso, Mattar levava a sua empresa na ponta do lápis. ?Ele adora cortar custos?, diz o ex-tenista Cássio Motta, seu sócio na empresa. Tamanho esforço foi recompensado. A Votorantim Novos Negócios, braço de investimento do grupo Votorantim, comprou 20% de participação em 2001. Era a primeira vez que Mattar vendia parte de sua companhia.
 

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Família empreendedora: Fuad Mattar, pai de Luiz, é dono da Paramount Têxtil,
que representou a grife Lacoste no Brasil por mais de 20 anos 

A partir daí, a Telefutura entrou numa espiral de crescimento. Enquanto o mercado de tecnologia crescia a taxas inferiores a 10% no Brasil, ela apresentava expansão entre 13% e 21%, dependendo do ano. Em 2006, 12 meses antes de unir as operações com a Tivit, que pertencia 100% ao grupo Votorantim, a receita chegava a R$ 216 milhões.

A fusão das duas companhias mostrou que Mattar, além de um bom tenista, era capaz de observar estrategicamente o que acontecia no setor de TI. De um lado, a Telefutura atuava no mercado call center e de terceirização de processos de negócios (BPO, da sigla em inglês). A Tivit era forte em serviços, fruto da fusão, em 2005, de duas outras empresas: a OptiGlobe e a Proceda, ambas prestadores de serviços de tecnologia.

Ao unir as duas companhias, ele se antecipou ao movimento de seus concorrentes. ?Conversei com os 20 principais clientes das duas companhias?, conta Mattar. ?E a grande maioria me disse que queria uma empresa mais completa, onde pudesse ter um ponto focal para seus serviços diversos de tecnologia?. Foi um ace, ponto no qual o oponente não consegue devolver o saque.
 

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Observe o que aconteceu no setor de tecnologia nos anos seguintes. Em 2010, a Dedic, braço da Portugal Telecom para a área de call center, comprou a GPTI. Objetivo? Fazer o que o Mattar já havia realizado há três anos. Empresas de tecnologia, como a HP, fizeram o caminho inverso. Em 2008, ela comprou a EDS por US$ 13,9 bilhões e criou um gigante global de serviços de TI.

?A Tivit procurou sair da vala comum dos call centers e deu um realce para a área de prestação de serviço?, afirma Cassio Dreyfuss, vice-presidente de pesquisa da consultoria americana Gartner. ?Foi um movimento claro e intencional.? Ao mesmo tempo, ela se transformou em uma empresa respeitada no setor. ?Ela cresceu bastante e compete com as principais empresas internacionais, como a IBM e a HP/EDS?, diz Marcelo Kawanami, gerente de pesquisa da consultoria Frost & Sullivan.

Um sinal disso é o fato da Tivit ter sido escolhida pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pela Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) para implantar o boleto digital, que acabou com o papel nas cobranças bancárias. O projeto custou R$ 77 milhões e integrou mais de 120 bancos do Brasil.

O HSBC também fechou um contrato global com a empresa, para prestação de serviço de desenvolvimento em todo o mundo. Mas a empresa ainda tem algumas lacunas em seu portfólio. Ela não é ainda considerada forte no mercado de instalação de aplicativos de gestão empresarial (ERP, da sigla em inglês). ?A Tivit ainda sofre na área de sistemas?, diz Mauro Peres, diretor-geral da empresa que faz pesquisas no mercado de tecnologia IDC.

Mas isso não pode ser considerado um problema imediato. A empresa está capitalizada e disposta a ir às compras. Foi o que aconteceu no começo de maio, quando arrematou a consultoria Expertise, que faz mapeamento de processos, por R$ 7,9 milhões. Na quinta-feira 13, a Tivit apresentou o balanço do primeiro trimestre de 2010.

A receita líquida cresceu apenas 1,8%, atingindo R$ 232,8 milhões. O lucro líquido aumentou 6,8%, chegando a R$ 14,1 milhões, resultado impactado pela aquisição. ?Esperamos que a Tivit tenha mais empregados quando formos deixar o investimento daqui a quatro ou cinco anos?, disse Wright, o sócio do Apax, à DINHEIRO. Alguém duvida que Mattar vai vender a sua empresa pela quinta vez?

ENTREVISTA: ?Vamos dobrar o tamanho da empresa em cinco anos ?

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Por que o sr. vendeu a Tivit?
Éra uma boa oportunidade para que alguns dos controladores realizassem o seu investimento. Brinco dizendo que eu vendi minha empresa quatro vezes. A primeira, em 2001, para o Votorantim. A segunda para o Pátria. A terceira quando fizemos a abertura de capital em setembro do ano passado. E agora para o Apax.

E, durante essas quatro vendas, por que o sr. sempre ficou no comando da operação?
Primeiro, eu gosto do que faço. Fundei essa empresa do zero e chegamos até aqui com uma equipe competitiva e motivada. E, segundo, porque a estratégia será mantida. Vamos crescer e nos expandir internacionalmente pouco a pouco.

A entrada do Apax acelera algum projeto?
É claro que, quando entra um novo acionista, a expectativa é de mais crescimento. Mas não vamos fazer nenhuma loucura. Temos um plano estratégico para dobrar o tamanho da empresa nos próximos cinco anos.

O sr. se considera melhor empresário ou tenista?
Tento separar bastante essas minhas duas vidas. Fui tenista no momento que queria fazer aquilo. Adorava competir na escola e no clube. E trouxe um pouco disso para a Tivit, que adquiriu uma cultura de competitividade. Somos uma empresa que gosta de ganhar e ao mesmo tempo aprendemos com os erros.

O que o sr. aprendeu com o tênis que o ajuda nos negócios?
O tênis ensina a ser muito competitivo e a aprender com as derrotas. Tivemos muitas derrotas na Tivit. Mas tenho memória seletiva e só lembro dos bons momentos. Essa é outra lição do tênis. Sempre tento olhar para o futuro e aprender com o passado. Mas não fico olhando no retrovisor.

Por que após parar de jogar tênis, o sr. não foi trabalhar na Paramount, a empresa têxtil da família?
Nos últimos 20 anos, a Paramount é uma empresa profissional que só tem um membro da família, que preside o conselho: é o meu pai (Fuad Mattar). Ele sempre incentivou que nossa família tivesse sua própria independência, seguisse seus próprios caminhos. Quando parei, fui atrás de oportunidades. A primeira foi fazer uma casa de entretenimento com uma fábrica de cerveja (a Dado Bier). E depois surgiu a oportunidade de fazer uma empresa que era algo diferente da época e aproveitava o ?boom? da internet. Sempre fui mais oportunista do que empreendedor.

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