Começou assim: de um lado, o recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De outro, o economista Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. O aparente motivo do conflito: a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em 13,75% ao ano. Duas visões antagônicas. O que para Lula é uma aberração, para o comandante do BC é um importante instrumento de controle da inflação. “É uma vergonha esse aumento de juros [não houve aumento] e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, disse Lula. Campos Neto rebateu em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. “É muito difícil ter bem-estar social e inflação descontrolada porque a inflação é um imposto que afeta especialmente quem tem renda mais baixa.”

O que antes era uma troca de farpas entre um líder político e a principal representante da autoridade monetária ganhou novos personagens. Muitos personagens. Na segunda-feira (13), um grupo com pelo menos dez economistas publicou um manifesto com endosso às críticas de Lula aos juros altos. A carta intitulada Taxa de Juros para a Estabilidade Duradoura: Manifesto de Economistas em Favor do Desenvolvimento do Brasil recebeu mais de 2,7 mil assinaturas. O documento é encabeçado por figuras de renome, como Luis Carlos Bresser-Pereira, Leda Paulani, Monica de Bolle, Luis Gonzaga de Mello Belluzzo, Luciano Galvão Coutinho, Nelson Marconi, Antonio Correa de Lacerda, Clélio Campolina, Paulo Nogueira Batista Junior e Lena Lavinas.

O manifesto defende a tese de que a Selic precisa cair urgentemente, para o bem da economia e das contas públicas. “A taxa de juros no Brasil tem sido mantida exageradamente elevada pelo Banco Central e está hoje em níveis inaceitáveis”, afirmam no documento. A citação, embora longa, é essencial para compreender a conjuntura que motiva a crítica a Roberto Campos Neto. “Nenhum dos países dotados de recursos e economias estruturadas possui uma taxa de juros sequer próxima da que prevalece no Brasil e que o Banco Central pretende manter por longo período. E todos esses países reconheceram o caráter excepcionalíssimo do surto inflacionário recente, explicado pela pandemia e pelo conflito bélico, não por excesso de demanda.”

Ilustração: Evandro Rodrigues

Uma das signatárias da carta, a economia Monica De Bolle argumenta que as críticas de Lula e a desconfiança do presidente em relação à atuação de Campos Neto são legítimas, já que surpreende não só o atual patamar da Selic, mas a velocidade em que se deu. “Sair de 2% para 13,75% num intervalo de pouco mais de 15 meses precisa ser debatido, como tem sido no mundo inteiro”, disse Monica, em seu podcast. Para ela, com a inflação em queda, ter um juro real de 8% impacta diretamente as contas públicas, e gera atritos entre a autoridade fiscal e a monetária. “Ter uma taxa de juros real na faixa de 8% é extraordinariamente alto, o que deixa o País estrangulado, sem capacidade de crescimento.”

INDEPENDENTE? Monica afirma que, tecnicamente, o BC é independente, mas isso não representa desconexão da autoridade monetária com o dos interesses do Ministério da Fazenda. “Nos Estados Unidos, Jerome Powell, do Fed, e Janet Yellen, do Tesouro, estão sempre conversando para encontrar consenso para as demandas americanas”, afirmou. Para ela, como os juros têm impacto nas contas do governo, as políticas fiscal e monetária precisam estar completamente associadas. “Elas têm de andar juntas, sempre”, disse.

2.700 assinaturas foram levantadas na carta de economistas contra a política de juros de roberto campos neto 

Selic 13,75% é o patamar atual da taxa básica de juros, percentual considerado inaceitável por economistas e pelo setor produtivo

8% é a atual remuneração real dos títulos do governo (descontada a inflação) com a atual taxa de juros imposta pelo BC 

Outro economista que engrossa o coro contra a política de juros de Campos Neto é André Lara Resende, ex-diretor do BC e um dos pais do Plano Real. Para ele, não faz sentido manter a Selic no patamar atual porque é incompatível com a realidade econômica. “Claramente não tem sentido. Os objetivos do Banco Central, determinados na lei que deu autonomia ao Banco Central, são o controle da inflação, a estabilidade do sistema financeiro e a garantia do pleno emprego. Obviamente essa taxa de juros de 13,75% é incompatível com esses objetivos. Ela está errada”, afirmou.

Em tom ainda mais duro, o presidente da Associação Brasileira de Investidores (Abradin), Aurélio Valporto, afirmou que a insistência em manter os juros altos “é imbecilização do raciocínio econômico do Banco Central”, disse. “Não é só lamentável, é criminosa”, disse Valporto. A inflação é, na avaliação dele, um sintoma que pode ter diversas causas e, ao subir e manter os juros no atual patamar o BC identifica que o processo inflacionário brasileiro tem como causa o excesso de demanda em relação à oferta, o que “demonstra uma total desconexão da autoridade monetária em relação à realidade econômica.”

BOLSONARISTA Além das questões técnicas para justificar a Selic no patamar atual, há fatores ideológicos. Campos Neto, que já posou para foto com camisa da Seleção ao lado de Bolsonaro e Paulo Guedes, é visto como risco para a estratégia econômica do governo Lula 3. O economista Rodrigo Correa, estrategista-chefe e sócio da Nomos, concorda com a legitimidade do debate, mas considera que as críticas do presidente são inoportunas. “Pela recorrência, agressividade e insistência dos comentários, questionando o BC como coisa de infiltrado bolsonarista, faz com que Lula pareça cego no debate macroeconômico”, disse.