30/10/2002 - 7:00
Ainda ecoa no ar a famosa boutade de Lula que, indagado sobre a sua inclinação ideológica num debate de televisão, em 1982 ? ?afinal, o senhor é socialista ou social democrata?? ? respondeu: ?Eu sou torneiro mecânico?. Essa profissão, que projetou o novo presidente, hoje está em extinção. Os torneiros, lídimos representantes da elite operária brasileira, são hoje uma fração do que foram ? em número e importância. Mas foi no comando de um fábrica da Villares, em São Bernardo, que Luiz Inácio Lula da Silva moldou o seu destino e abriu caminho para eleger-se presidente do Brasil. Corria a década de 60 e a indústria automobilística explodia no ABC paulista, atraindo milhares de jovens migrantes de todo o País. Hoje, passados 30 anos desde que o presidente eleito deixou a profissão, em 1972, o cenário profissional mudou radicalmente. A abundância de empregos do período do milagre transformou-se na maior onda de desemprego da história do Brasil. São 11 milhões de desempregados no País. E a profissão de torneiro, uma das mais prestigiadas da indústria brasileira, entrou em decadência e hoje caminha para a extinção. Se Lula, por uma gargalhada do destino, tivesse de voltar à fábrica, não teria em que trabalhar.
?A tecnologia acabou com os nossos empregos?, lamenta Durval Azzi, de 59 anos, colega de Lula na Villares e hoje aposentado. Filho de imigrantes italianos, ele formou-se pelo Senai em 1969 e fez a própria vida no torno, como Lula. Mas ao contrário do colega, por quem ainda hoje guarda enorme admiração, Azzi não ultrapassou os portões da fábrica. ?Desde aquela época ele era popular entre o pessoal da fábrica. Mas nunca imaginei que seria presidente?, emociona-se. Ele conta que Lula era um líder natural entre seus colegas. ?Quando nem se falava em greves ele dizia: ?vamos brigar pelos nossos direitos, porque ninguém vai brigar pela gente??, conta com saudades dos tempos em que trabalhava no torno. No meio da conversa, uma revelação ? antes de ser Lula, Luiz Inácio era Taturana, por conta dos olhos irritados com a fuligem das máquinas. ?Ele odiava o apelido?, lembra Azzi. De acordo com dados do Ministério do Trabalho, em 1997, existiam 37.277 torneiros com carteira assinada no Brasil. Em 2000, esse número caiu para 34.888 e vem diminuindo ano a ano. As escolas de formação profissional refletem a mudança. Em 1963, quando Lula entrou no Senai, 20% dos alunos de aprendizagem industrial cursavam tornearia mecânica. Em 1993 o curso fechou por falta de demanda industrial. ?É uma ocupação que vem se extinguindo?, diz Valter Viciofini, diretor técnico do Senai de São Paulo. |
Muitos que trabalharam ao lado de Lula, como Azzi, se aposentaram. Outros, trataram de encontrar um novo meio de ganhar o pão de cada dia. É o caso de Antônio Fornazieri, de 67 anos. O ex-torneiro mecânico e também companheiro de Lula nos tempos de Villares hoje ganha a vida no volante. Tonhão, como era conhecido pelos colegas de
fábrica, transporta peças de máquinas de lavar roupa para Sorocaba, interior de São Paulo. ?A fábrica da Villares fechou em 90 e comecei a fazer bico?, diz Fornazieri. Com uma convicção inabalável, votou em Lula para que sua profissão seja novamente reconhecida. ?Eu sei que ele pode mudar este País. Falo porque trabalhei com ele e sei que ele tem muita vontade?, acredita. ?Quando todos saíam da fábrica para beber em um boteco, Lula ia estudar.? São poucos os trabalhadores do tempo de Lula que ainda continuam moldando peças do mesmo modo como faziam há três décadas.
Um dos últimos moicanos é Joaquim de Paula Alves, torneiro mecânico da Volkswagen. ?Na década de 90, trabalhavam 80 torneiros no meu setor. Hoje, restam cerca de 12?, diz com muita tristeza. Mineiro, trabalhou na roça até os 18 anos, quando veio para São Paulo e cursou o Senai. Há mais de 20 anos ele aciona as alavancas da sua máquina e nesse tempo viu o campo de trabalho encolher ao seu redor. ?Hoje o torneiro nem é mais respeitado?, opina. Enquanto ele ganha R$ 15,50 por hora ? cerca de R$ 3 mil por mês ? Lula receberá
R$ 8.700 na Presidência, além de oportunidade de mudar o Brasil. ?Ele é trabalhador, começou de baixo e sabe como a gente sofre?, diz Alves sobre o ex-colega. ?Confio que vai melhorar o Brasil.? Embora os torneiros estejam em extinção, é visível o orgulho dos que passaram pela profissão com a trajetória de Lula. Francisco Nogueira Campos, de 46 anos, deixou a máquina-ferramenta e converteu-se em eletricista. É feliz com seu novo trabalho na fábrica de caminhões na Mercedes-Benz, mas lembra-se com grande altivez do seu passado. ?Nem sei qual será a minha emoção quando Lula tomar posse?, diz ele. ?Sempre quis ver alguém da minha origem no poder.? Sim, os torneiros mecânicos chegaram lá.