26/06/2023 - 9:00
O advogado Almir Pazzianotto Pinto, de 86 anos, é uma das vozes mais respeitadas do País quando o que está em pauta são as relações trabalhistas. Ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ex-ministro do Trabalho (1985-1988), ex-secretário do Trabalho do Estado de São Paulo (1983-1985) e advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema nos anos 1970, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou os holofotes como líder sindical, Pazzianotto esteve no centro dos acontecimentos após a redemocratização e acompanhou de perto as profundas mudanças ocorridas no mundo dos negócios e no emprego nas últimas décadas.
Nesta entrevista ao Estadão, ele afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) “terá de respeitar” o direito do trabalhador de não pagar a chamada “contribuição assistencial”, ao julgar o pleito dos sindicatos para que o pagamento da taxa seja obrigatório até para quem não é sócio das entidades.
O STF está prestes a considerar como constitucional a cobrança da chamada “contribuição assistencial” de trabalhadores que não são sócios das entidades, revendo posicionamento anterior em relação à questão. O placar já está cinco a zero, faltando apenas um voto, para a cobrança ser ressuscitada. Como o sr. vê essa guinada?
Hoje, a cobrança da taxa assistencial sofre as restrições de uma súmula do TST e de uma súmula do STF. Elas não proíbem a cobrança, mas a limitam aos associados dos sindicatos e asseguram o direito de oposição do trabalhador. Desde o Precedente Normativo nº 119 do TST, de 2014, o sindicato só pode cobrar a taxa assistencial de seus filiados. Agora o Supremo está reavaliando a questão, mas vai “chover no molhado”, porque vai dizer que o sindicato pode cobrar a taxa assistencial. Sempre pôde. A discussão é se o sindicato pode cobrar a taxa assistencial de não associado e se o trabalhador tem o direito de se opor à cobrança. Tem gente que não é associada e não quer contribuir. Então, o Supremo tem de respeitar o direito do trabalhador se opor à cobrança. O trabalhador tem o direito de se opor a um desconto indevido em seu salário.
A que o sr. atribui a reviravolta na posição do Supremo?
Acredito que o Supremo não entende bem o Direito do Trabalho, não conhece o histórico. Ele está olhando se o sindicato sobrevive ou não sem a taxa assistencial. Está examinando a questão pelo ângulo da sobrevivência. A meu ver o Supremo não entrou na seguinte consideração: sindicato é pessoa jurídica de direito privado? É. Pode impor uma mensalidade ao sócio? Pode. Pode limitar os benefícios assistenciais aos sócios? Pode. Agora, ele pode limitar aos sócios uma norma que, pela sua própria natureza, é de caráter geral? Não. Ele não pode dizer “olha a convenção coletiva só vale para associado”, porque o sindicato não está representando só os sócios, mas toda a categoria – e da categoria participa quem é sócio e quem não é. O trabalhador pode escolher entre ser ou não associado ao sindicato, mas não entre ser ou não membro da categoria. Como integrante de uma categoria específica não por opção própria, o trabalhador é alcançado pelos acordos, pelas convenções coletivas e pelas sentenças normativas, independentemente de ser sócio ou não do sindicato. Ele não tem como não ser membro da categoria naquela base territorial. No Brasil, você pode optar por partido político, por igreja, por clube, mas na hora de optar pelo sindicato, que é vital, não tem escolha.
Muitos veem a obrigatoriedade da cobrança da taxa assistencial como a volta do imposto sindical, extinto pela reforma de 2017. Como o sr. analisa isso?
O que acabou foi o imposto sindical, que estabelecia o desconto compulsório de um dia de trabalho do salário do trabalhador para custear o sindicato, independentemente de ele ser ou não sócio da entidade, e não a taxa assistencial, cujo valor é deliberado em assembleia da categoria. Para resgatar o imposto sindical, o STF teria de legislar – e nem pode fazer isso.
Como o sr. avalia a reforma trabalhista, que completou cinco anos em 2022?
A reforma trouxe contribuições positivas e tem também coisas que não surtiram efeito. Um dos aspectos positivos da reforma trabalhista é que ela nos ensinou como reformar a CLT. Em vez de a gente propor uma nova CLT, um grande projeto inviável, o caminho é realizar as mudanças por meio de reformas de pontos específicos da legislação. Agora, as mudanças precisam ser aceitas pelo Poder Judiciário. Em muitos casos, a Justiça do Trabalho ainda julga com base no que diz a CLT, porque a reforma continua enfrentando muita resistência.
O que leva a Justiça do Trabalho a privilegiar a CLT?
Imagina-se que a CLT é o instrumento ideal para proteção ao hipossuficiente, que o empregado é uma vítima indefesa do regime capitalista perverso, espoliador, e de um patrão desumano. Eu sempre digo que o trabalhador pode escolher mulher para casar, pode se divorciar, mas, quando o que está em jogo são as relações do trabalho, ele é tratado como relativamente incapaz, um vulnerável.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.