24/12/2008 - 8:00
OBSERVE A ESCADARIA AO LADO. Centenária, inteiramente feita de mogno (extraído de florestas brasileiras, reza a lenda), num magistral trabalho de marcenaria, ela se tornou o símbolo de um símbolo do requinte londrino. Suas formas retas e elegantes dominam o sóbrio hall de entrada do The Connaught, um dos mais clássicos hotéis de Londres, localizado no coração do Mayfair, o tradicional bairro chique da capital inglesa. A imponência dos degraus e dos corrimões é cuidadosamente cultivada pela administração do hotel. Diariamente dois funcionários se dedicam a polir “o monumento”, como alguns deles a chamam. Entre o staff do hotel, espontaneamente ou por uma bem sacada estratégia de marketing, a escadaria já se transformou em fonte de histórias que adquirem ar de mito. Dizem, por exemplo, que um americano, apaixonado pela obra, conseguiu autorização para encomendar uma réplica e instalá-la em sua casa nos Estados Unidos. Outro funcionário acrescenta um ponto ao conto e garante que o americano mandou chamar o gerente-geral e perguntou, no tom arrogante que caracteriza os novos-ricos: “Quanto custa esta escada? É só dizer que eu compro.” Foi gentilmente demovido da idéia e nunca mais pisou no Connaught. Mas, afirmam esses funcionários, ele realmente nada tinha do típico hóspede do hotel.
Com seu humor fino e irônico, os britânicos dizem que Brad Pitt e Angelina Jolie, sempre acompanhados de sua trupe de paparazzi (convenientemente avisados da chegada do casal), hospedam-se no Claridge’s, outro famoso ponto de estadia londrino. Mas Catherine Deneuve prefere o Connaught, onde chega sem anúncio ou holofotes. Era também a hospedagem preferida de Humphrey Bogart e Lauren Bacall, quando os dois astros de Hollywood eram referência de elegância e bom viver. O atual gerente-geral do hotel, Antony Lee, carregou malas para Grace Kelly, quando ela já se transformara na princesa Grace de Mônaco. É o que dizem os funcionários e ninguém mais sabe se faz parte da história ou do imaginário coletivo do local – mas também quem se importa com isso? Lee, aliás, é apenas o sétimo ocupante do posto máximo do Connaught. Sujeito simpático, sorridente e acessível, construiu uma carreira de 30 anos por lá. Hoje, é uma espécie de guardião das tradições do Connaught.
E foi a preservação do estilo sóbrio do Connaught a principal preocupação de um time de quatro arquitetos e decoradores, responsável pela recém-concluída restauração do hotel, a mais profunda desde sua fundação em 1897. Missão delicada, que consumiu 70 milhões de libras do Maybourne Hotel Group, controlador, além do Connaught, de outros dois ícones da hotelaria inglesa, o Claridge’s e o Berkeley. Era necessário renovar o hotel sem que ele perdesse seu aspecto (e ambiente) clássico. Algo semelhante ao que escreveu o escritor Giuseppe Tomaso di Lampedusa em O Leopardo: trata-se de mudar tudo para que tudo continue como está. Por isso, levaram para lá a chef francesa Hélène Darroze, “condecorada” com duas-estrelas no guia Michelin. Assim, a cozinha continua refinada, mas com o sotaque da nova geração da culinária francesa, sem cair na exuberância estéril que toma conta de restaurantes modernosos. Localizado na Carlos Place, em frente a uma pequena, charmosa e tranqüila praça em Mayfair, o Connaught é ladeado por galerias de arte e lojas de grifes como a Marc Jacobs. O ambiente interno acompanha o estilo contido das ruas londrinas. Por isso, não espere desenhos exuberantes ou cores berrantes em paredes e móveis. Os tecidos que revestem poltronas e sofás têm estampas exclusivas em tons pastel e traços delicados, quase imperceptíveis às vezes. Os minibares dos quartos estão dentro de gabinetes chineses antigos, das mais variadas dinastias. Cerca de 60% das peças de decoração, como vasos, quadros e mesas, são antiguidades originais, todas devidamente restauradas durante a revitalização do hotel.
O que há de novo nos 92 quartos, cujas diárias variam de 450 a 5 mil libras, é uma invasão tecnológica. Telefones sem fio podem ser levados para qualquer parte do hotel e receberão as chamadas direcionadas para o apartamento do hóspede. O aparelho memoriza até 20 diferentes números – e quando você voltar ao Connaught anos depois, eles estarão lá, à sua espera. O banheiro revestido de mármore e com piso aquecido possui uma tevê de plasma em frente à banheira, sem riscos de acidentes, pois o controle remoto é à prova d’água. Não é necessário recorrer ao business center para realizar algum tipo de trabalho. O hotel empresta por até duas horas, sem nada cobrar, um notebook para uso no próprio quarto. Basta ligar para o butler, uma espécie de mordomo que vai servir o hóspede durante toda sua estadia. Qualquer serviço de atendimento no quarto passa pelo sujeito, da arrumação da mala à limpeza dos sapatos. Observador, ele rapidamente assimila os hábitos do visitante e, a partir daí, “personaliza” o quarto. Por exemplo: ao ligar a televisão, seu canal predileto estará automaticamente sintonizado. Você dorme do lado esquerdo da cama? Pois ali estarão os chinelos e os travesseiros na disposição preferida por você. E tudo começa na escadaria de mogno brasileiro.