As chuvas históricas no Rio Grande do Sul provocaram uma onda de solidariedade da sociedade e levaram a uma bem-vinda demonstração de agilidade das autoridades, que correram para mandar ajuda e donativos aos gaúchos. Dessa vez, ao contrário do negacionismo e da falta de escrúpulos demonstrada pela gestão anterior durante a pandemia de Covid, não houve hesitação nem a tentativa de explorar politicamente o infortúnio alheio.

O risco atual é a tragédia climática provocar como efeito secundário um desastre bem conhecido da política brasileira, a irresponsabilidade fiscal. O começo foi auspicioso. O presidente Lula se reuniu já na segunda-feira (6) com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, para a apresentação de um projeto de decreto legislativo reconhecendo o estado de calamidade pública em parte do território nacional. Ele vai facilitar a edição de medidas provisórias abrindo créditos extraordinários ao Rio Grande do Sul (que não são contados no cálculo da meta fiscal) e também a renegociação da dívida do estado com a União. Tudo muito justo. Ocorre que logo surgiram propostas para se criar uma “PEC de guerra” que drible o já fragilizado arcabouço fiscal de Fernando Haddad. E essa tese foi trombeteada exatamente pelo PT, o partido do presidente, que também costuma não perder oportunidades para desancar o compromisso do seu ministro da Fazenda com o equilíbrio das contas públicas.

Ocasiões como a atual são propícias para os países reavaliarem os erros passados. Nos EUA, a crise financeira de 2008 teve efeitos graves, mas foram muito menores do que a Depressão dos anos 1930, igualmente causada pelo colapso de Wall Street. Isso porque as autoridades monetárias nos EUA haviam estudado os efeitos da quebra da Bolsa em 1929, evitando as mesmas armadilhas. Mas é preciso acertar a dose. Hoje os juros americanos estão altos por causa do excesso de liquidez introduzida durante a pandemia. Joe Biden aproveitou para criar um novo New Deal, um plano trilionário que levou à maior alta da inflação em décadas. Isso afeta o mundo, em especial o Brasil, que perde investimentos e enfrenta um dólar mais forte. Os EUA historicamente souberam reequilibrar seu orçamento, garantindo o avanço da economia. No Brasil, o plano de contenção do rombo público de Haddad enfrenta fogo amigo e precisa driblar um Congresso que deseja ampliar a farra das emendas. Sem contar que os estados e municípios acham que o momento é propício para questionar os acordos que reescalonaram as dívidas históricas dos entes federativos.

O Rio Grande do Sul é um dos estados que se notabilizaram pelo vale-tudo com as contas públicas por décadas, o que drenou a capacidade de financiamento da máquina pública. O governador Eduardo Leite, ao contrário, foi eleito e reeleito defendendo um novo caminho, com acerto das contas. É uma ironia — ou talvez seja providencial — que ele vá pilotar a reconstrução do estado. Ele já pediu um “Plano Marshall”. É possível ser ambicioso evitando os erros do passado. Além disso, todos os governos, daqui por diante, precisarão repensar seus projetos. Não é só uma questão de Orçamento. É necessário um plano permanente de prevenção para eventos climáticos extremos, que viraram o novo normal. Que a catástrofe pelo menos deixe essa lição.