A decisão do Tribunal Superior de Londres, que considerou que a empresa BHP é responsável pelo rompimento de uma barragem de Fundão em Mariana, em 2015, pode levar ao pagamento de bilhões em indenizações.

Um segundo julgamento para determinar os danos que a BHP deverá pagar está previsto para começar só em outubro de 2026 e a empresa já disse que vai recorrer, mas a decisão da justiça inglesa representa uma vitória para as vítimas da tragédia ambiental insatisfeitas com as reparações acordadas nos tribunais brasileiros.

A indenização pode chegar aos 36 bilhões de libras (cerca de R$ 270 bilhões) pedidos pelas 620 mil pessoas, 1,5 mil empresas e 46 municípios que inicialmente assinaram a ação. 

A juíza Finola O’Farrell disse em um resumo de sua decisão que a BHP não deveria ter continuado a aumentar a altura da barragem antes de seu colapso, o que foi “uma causa direta e imediata do colapso da barragem, dando origem à responsabilidade baseada em culpa por parte da BHP”.

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O pior desastre ambiental do Brasil desencadeou uma onda de lama tóxica que matou 19 pessoas, deixou milhares de desabrigados, inundou florestas e poluiu toda a extensão do rio Doce. A barragem era de propriedade e operada pela joint venture Samarco, formada pela BHP e pela Vale.

O processo foi ingressado na Justiça inglesa em 2018  pelo escritório Pogust Goodhead, que representa famílias, empresas, comunidades indígenas e quilombolas, municípios e autarquias.

O processo chegou a ser negado inicialmente. Em julho de 2022, a corte britânica aceitou proceder com o caso. A defesa se baseou na legislação ambiental brasileira e em princípios como o de poluidor-pagador, sob o qual quem causou a poluição deve pagar pelo dano causado.

A Samarco é uma joint venture entre a BHP e a brasileira Vale em partes iguais. A BHP foi acionada na Inglaterra porque tinha capital aberto no país na época da tragédia. A companhia tentou incluir a Vale no processo, sem sucesso. As duas sócias fecharam, então, acordo estabelecendo que dividirão igualmente os valores em caso de responsabilização da BHP.

Passados 10 anos, vítimas ainda acumulam prejuízos

Parte dos envolvidos na ação inglesa sequer recebeu qualquer valor de indenização, já que a assinatura de um acordo com a Justiça brasileira exigiria abdicar de processos jurídicos paralelos.

No final de outubro, o Brasil assinou um acordo de compensação de R$ 170 bilhões (US$31 bilhões) com BHP, Vale e Samarco, com a BHP afirmando que já foram gastos quase US$12 bilhões em reparações, indenizações e pagamentos a autoridades públicas desde 2015.

Vítimas da tragédia ouvidas pela IstoÉ Dinheiro queixam-se de que o acordo assinado no Brasil não garante soluções para problemas enfrentados individualmente. “Eu tenho uma filha contaminada pelos metais da lama. Ela pode desenvolver câncer a qualquer momento. Tem laudos e mais laudos. Cadê a Justiça que não obriga essas mineradoras a pagar o tratamento?”, questiona Simone Silva.

Muitas das vítimas consideraram os valores oferecidos pelos acordos firmados no Brasil insatisfatórios. A aposentada Vera Lúcia Aleixo, por exemplo, afirma que recebeu cerca de R$ 300 mil. Porém acredita que os danos sofridos, como a perda de um salão de beleza próprio onde trabalhava, da casa em que residia e da saúde própria e de sua família, exigiriam pelo menos R$ 800 mil.

“Eu fiquei com a roupa do corpo. Eu não podia esperar, discutir, decidir o que que ia fazer. Eu tive que pegar aquilo que eles me ofereceram”, afirma a aposentada.

Valeriana Gomes de Souza, mostrou três laudos feitos pela consultoria ambiental Synergia que, juntos, apontam um dano de mais de R$ 1 milhão. “Na época do rompimento da barragem, eu perdi muita criação: galinha, porco, cabrito, carneiro, caixas d’água”, diz.

O escritório internacional Pogust Goodhead, que representa as vítimas, chamou a decisão de histórica. “Esta é a primeira decisão no caso a declarar formalmente a responsabilidade de uma das corporações envolvidas e constitui um avanço notável para a justiça ambiental global”, afirmou.

BHP diz que irá recorrer

Nas próximas etapas do julgamento, a corte inglesa avaliará os danos alegados pelos autores e os valores de indenização.

A BHP contestou a responsabilidade e afirmou que o processo em Londres duplica ações judiciais e programas de reparação e compensação no Brasil.

Após a decisão desta sexta-feira, a BHP disse que os acordos no Brasil devem reduzir o tamanho da ação em Londres em cerca de metade.

“Mais de 610 mil pessoas já foram indenizadas no Brasil, incluindo aproximadamente 240 mil demandantes da ação coletiva no Reino Unido que forneceram quitações para reivindicações relacionadas. A decisão da Alta Corte inglesa confirma a validade dessas quitações, o que deve reduzir o tamanho e o valor das reivindicações na ação coletiva no Reino Unido”, disse a BHP em nota.

A Vale estimou uma provisão adicional de aproximadamente US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,6 bilhões) em suas demonstrações financeiras de 2025 para obrigações decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). A nova provisão ocorre após a Alta Corte da Inglaterra considerar o grupo BHP também responsável, sob a legislação brasileira, pela tragédia ambiental.

“Vale e BHP permanecem confiantes de que o acordo definitivo, assinado em outubro de 2024 no Brasil, oferece os mecanismos mais rápidos e eficazes para compensar os impactados”, disse a Vale. Em 30 de setembro de 2025, a Vale já havia reconhecido uma provisão de US$ 2,40 bilhões para obrigações sob o acordo definitivo.

Marina Calero, analista da RBC Capital Markets, disse à Reuters que é improvável que haja uma resolução final antes de 2030, com uma incerteza significativa sobre quais reivindicações seriam consideradas válidas. “Com base nas estimativas da BHP sobre a sobreposição com o esquema de compensação do Brasil, a Vale e a BHP poderiam enfrentar, cada uma, cerca de US$2,2 bilhões em pagamentos adicionais”, disse Calero em uma nota, acrescentando que a nova provisão da BHP de US$ 500 milhões implicava uma chance de 35% de um resultado adverso.

Com reportagem de Matheus Almeida