É fim de tarde em Paris. Em pleno inverno, a edição histórica do jornal satírico Charlie Hebdo, publicada há mais de 15 dias, ainda vende como pão quente. No entorno da Etienne Marcel, uma das estações centrais de metrô da capital da França, três oficiais do Exército caminham com pressa, armados com fuzis, sem despertar muita atenção, em plena hora do rush. Sinais do clima de tensão que paira sobre a Europa desde o início do ano. O medo do terrorismo ocupa o primeiro lugar na lista de preocupações, que está repleta de fantasmas econômicos.

A Grécia, por exemplo, insiste em assombrar empresários e investidores europeus. A queda de um caça F-16 grego na base militar de Los Llamos, na Espanha, na segunda-feira 26, que provocou a morte de 11 pessoas, foi uma infeliz coincidência para um país que precisa desarmar uma bomba-relógio na economia, que ameaça desencadear uma série de estragos num continente que ainda luta para se reerguer da crise de 2009. O recém-eleito premiê grego, Alex Tsipras, 40 anos, do Syriza, partido grego de extrema esquerda, assusta a Europa. Depois de prometer combater a austeridade do setor público durante as eleições, ele deu passos ainda mais ousados: ofereceu o Ministério da Defesa ao partido de extrema direita Anel e opôs-se às novas sanções europeias contra a Rússia.

Também anunciou medidas previsíveis, como a recontratação de funcionários públicos demitidos, a elevação do salário mínimo e a reversão de privatizações, esforços que haviam sido adotados como contrapartida ao resgate de E 240 bilhões oferecido pela Europa e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para evitar o colapso financeiro do país. As medidas de Tsipras colocam a Grécia mais próxima de uma eventual saída da zona do euro, antes mesmo do início das negociações com o bloco sobre as condições do financiamento – uma nova parcela está prevista para fevereiro. Países da União Europeia detêm 63% da dívida grega (€ 200 bilhões) – sem contar o Banco Central Europeu – e há um potencial de prejuízo enorme com o país fora do bloco.

Mesmo assim, os indicadores de mercado pressupõem essa ruptura. A taxa de juros paga nos títulos da dívida grega, um indicador de risco, chegou ao nível mais alto desde 2012. Ações de bancos do país sofreram quedas de 30% na bolsa de valores, o que provocou uma corrida bancária na manhã da quinta-feira 29. “Não vai haver um duelo entre nós e a União Europeia. Não há ameaças”, afirmou Yannis Varufakis, o novo ministro das Finanças, em uma rara tentativa de tranquilizar o mercado. Varufakis, um notório crítico da austeridade, será o responsável por tentar convencer os europeus a reduzirem em até 50% o total da dívida grega e afrouxarem o prazo de pagamento e as contrapartidas exigidas.

Apesar de discordar dos termos de acordos passados, o economista vem reiterando sua posição contrária a uma saída do euro. Teme-se que o afastamento da Grécia coloque pressão sobre outras economias fragilizadas da região, como Espanha e Portugal. Após reiterados esforços de resgate e apesar da previsão do primeiro PIB positivo em 2014, analistas e autoridades europeias dividem um sentimento de fracasso em relação à Grécia. Além do desemprego de 25%, com metade dos jovens desocupados, o país tem hoje uma economia 25% menor do que antes da crise e um endividamento equivalente a 175% do PIB, ante 109% em 2008.

“A austeridade falhou. Há um mesmo nível de endividamento, mas com o PIB negativo. Isso explica que é um fracasso”, afirmou à DINHEIRO a economista-chefe do banco Credit Agricole, Isabelle Job-Bazille. Por mais que consiga se sustentar dentro do bloco, o novo governo grego espalha com mais força uma mensagem antiga pela Europa: qual a real eficácia das duras medidas de austeridade adotadas nos últimos anos? O questionamento encontra eco nas duas pontas mais radicais da política regional. Partidos de extrema esquerda, como o Podemos (Espanha), e de extrema direita, como a Frente Nacional (França), celebraram a vitória do Syriza como um ganho compartilhado e tentam capitalizar o momento.

Não deixa de ser também uma esperança para vozes dentro do bloco que outrora se queixaram do conservadorismo alemão em relação ao esforço fiscal, como a Itália. “Há uma mensagem poderosa contra a austeridade, mas o novo governo terá de negociar”, afirmou à DINHEIRO Miranda Xafa, ex-diretora do FMI e uma das maiores especialistas sobre a dívida grega. “O tempo é curto. A Grécia tem necessidade de E 70 bilhões e não há mais ninguém que possa fornecer.” A grande questão é como conciliar uma possível revisão dos termos sem ferir o compromisso de reformas, sobretudo num momento em que a região luta contra o fantasma da deflação. O tiroteio continuará acirrado nos próximos meses. Ao contrário dos humoristas franceses, os gregos não perdoam tudo.