Por Beto Silva

Nasce o primeiro grande projeto a partir da Lei nº 14.301, de 2022, conhecida como BR do mar. Trata-se da Norcoast, uma joint venture fifty-fifty entre a alemã Hapag-Lloyd, uma das principais empresas de transporte marítimo do mundo com 258 navios, e a brasileira Norsul, especializada em navegação e integração logística com 21 embarcações, sede no Rio de Janeiro e 60 anos de história. Independente, a Norcoast começa a operar no final de janeiro com quatro navios, com 3,5 mil TEUs (unidades de container de 20 pés) de capacidade cada e uma meta ousada: faturar R$ 1 bilhão em 2025 e abocanhar 18% da fatia do mercado brasileiro de cabotagem. “É um plano agressivo, mas totalmente factível”, disse à DINHEIRO Gustavo Paschoa, CEO da Norcoast. O executivo tem ampla experiência no setor de transporte e logística, incluindo cargos anteriores de gestão sênior na Norsul, Damco, DSV e Penske Logistics.

A BR Mar foi criada para estimular a concorrência e baratear o transporte de cargas entre os portos brasileiros, a partir da flexibilização para afretamento de embarcações estrangeiras para serem usadas no transporte de cargas na costa do Brasil.

É exatamente esse o propósito da Norcoast, que entra no mercado de cabotagem nacional após duas décadas de domínio de apenas três players:
Aliança, da líder dinamarquesa Maersk;
Mercosul Line, do grupo francês CMA CGM;
e Log-In, que pertence à suíça Mediterranean Shipping Company (MSC).

Para Paschoa, a Norcoast não entra na disputa direta com esses gigantes do setor. “Nosso principal concorrente é o transporte rodoviário”, disse o CEO.

Isso porque há demanda reprimida na cabotagem e, segundo o executivo, a capacidade do sistema é restrita. “Quando entramos no sistema, automaticamente o mercado cresce”, afirmou o executivo, com ampla experiência no setor de transporte e logística brasileiro, incluindo cargos anteriores de gestão sênior na Norsul, Damco, DSV e Penske Logistics.

Gustavo Paschoa, CEO da Norcoast

“É um plano agressivo, mas totalmente factível. Quando entramos, automaticamente o mercado cresce.”
Gustavo Paschoa, CEO da Norcoast

Os números do segmento corroboram com a tese. Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a cabotagem no Brasil cresce a uma taxa média de 6% por período nos últimos cinco anos. Totalmente descolado do PIB, que evoluiu 1,17% em média desde 2018.

Outros dados que colocam otimismo na avaliação de Paschoa estão no estudo da consultoria ILOS, do ano passado. De acordo com o levantamento, 63% do transporte de cargas do País é feito por rodovias, 19% por ferrovias e 13% por cabotagem, sendo que 60% desse modal são de óleo e gás, principalmente sob responsabilidade da Petrobras. Na prática, então, 5,2% das mercadorias são distribuídas por contêineres pelos cerca de 8 mil quilômetros da costa brasileira. Enquanto na China e no Japão usam 44% de transporte por cabotagem e União Europeia, 32%. “O potencial de crescimento do setor no Brasil é enorme”, afirmou o CEO.

45 milhões de dólares
é o valor de cada um dos navios que começam a operar na costa do país a partir de janeiro

5,2% das mercadorias
são distribuídas por contêineres pelos cerca de 8 mil quilômetros de litoral

63% do transporte de cargas do País
é feito por rodovias, 19% por ferrovias e 13% por cabotagem

A expectativa de desenvolvimento é para um mercado bilionário. De acordo com a Associação Brasileira de Operações Logísticos (ABOL), o setor movimentou R$ 166 bilhões em 2022, ano em que 42% das empresas aumentaram seu faturamento e 82% dos operadores tiveram crescimento no número de clientes.

A tendência é de evolução para este ano e para 2024, avalia Angela Gheller, diretora de produtos de Logística da Totvs. “Vemos um setor aquecido”, disse, ao apontar que parte da estratégia das empresas de logística passa necessariamente pelo investimento em tecnologia.

MULTIMODAL

Se por um lado os caminhões são os rivais da Norcoast, por outro eles são aliados. Isso porque a companhia promete uma entrega “porta a porta” para os futuros clientes e terá nos transportadores rodoviário dezenas de parceiros. Setenta deles já estão contratados. “É concorrente e também parceiro, mas cada um no seu quadrado”, disse Paschoa.

O mesmo ocorre com as ferrovias, armazéns e terminais portuários. Um dos projetos praticamente fechados pela Norcoast prevê pegar uma carga no Maranhão, levar pela ferrovia Transnordestina até o Complexo do Pecém, no Ceará, de cabotagem até o Porto de Santos (SP) e por rodovia até o interior paulista. “Já estamos criando rotas logísticas. Tudo integrado, com cooperação entre empresas para atender as necessidades dos clientes”, afirmou o executivo.

Navios fabricados em 2015, com capacidade de 3,5 mil TEUs cada, farão o trajeto entre Manaus (AM) e Paranaguá (PR)

Os quatro navios — de fabricação 2015, com valor estimado de US$ 45 milhões cada — farão principalmente o percurso de ida e volta entre os portos de Paranaguá (PR), Santos (SP), Suape (PE), Pecém (CE) e Manaus (AM). A projeção é escoar produção de eletroeletrônicos, duas rodas, plástico e químico da Região Norte para o Brasil e de bens de consumo e proteína animal do Sul para o restante do País.

Para o comandante da Norcoast, o varejo, que ainda não utiliza muito a cabotagem, poderá ser atraído pelos preços 15% inferiores das entregas por navio em relação ao caminhão. “Entramos para dar acesso, com ferramentas digitais, flexibilização de processos e facilidades junto aos embarcadores para uso mais regular da cabotagem”, disse. “A equação regularidade por similaridade proporciona isso.”

Traduzindo: com quatro embarcações de mesmo porte e janelas de embarque e desembarque nos mesmos dias e horários, é possível fazer um planejamento mais adequado e facilitar o trabalho do embarcador.

Há ainda a perspectiva de a Norcoast aproveitar o aumento da frequência dos grandes navios internacionais no Brasil, de 14 mil TEUs, por exemplo, que não são capazes de transitar por muitos portos brasileiros pela restrição do calado (profundidade).

“Escoaremos essas mercadorias”, disse Paschoa, que comemora os investimentos em guindastes — muitos com tração elétrica — nos terminais marítimos do País, para que seja diminuído o tempo de movimento para embarque e desembarque de cargas. “Tudo isso ajuda a aumentar produtividade”, afirmou o executivo. Navegar é preciso. E o mar da logística está aberto para a Norcoast.