Luís Fernando Guggenberger, de 38 anos, e Patrícia Prado, de 36, se lembram bem de quando pousaram os olhos em dois meninos em um abrigo na zona leste de São Paulo, em 14 de novembro de 2013. “Ali a gente teve a certeza de que eram nossos filhos”, lembra Guggenberger.

O mais velho tinha 5 anos e o mais novo, quase 2. Irmãos, foram adotados juntos 20 dias após o casal ser habilitado pela Justiça. Para incentivar a adoção tardia e dar a meninos e meninas a oportunidade de convivência familiar, Tribunais de Justiça têm feito campanhas que facilitam o encontro entre futuros pais e filhos.

A rapidez no processo de Luís Fernando e Patrícia tem um motivo: o casal queria adotar irmãos e não se importava se fossem mais velhos. A maioria dos que pretendem adotar, no entanto, não tem esse perfil. Dados do Cadastro Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostram a preferência por bebês. Por outro lado, sobram em abrigos de todo o País crianças mais velhas e adolescentes – 78% dos que aguardam adoção têm 5 anos ou mais.

Em São Paulo, o Tribunal de Justiça lançou campanha de incentivo à adoção de crianças mais velhas. O projeto-piloto foi chamado de “Adote um boa-noite”, em referência ao momento do dia em que uma criança com família costuma receber o desejo de boa-noite.

Lançada no Dia da Criança, a iniciativa apresenta 18 crianças e adolescentes sob jurisdição da Vara da Infância de Santo Amaro, com fotos e descrição. “O grande problema era expor ou não as fotos dessas crianças porque o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) veda que as crianças sejam fotografadas”, explica o corregedor-geral de Justiça Manoel Pereira. “Mas a interpretação que fizemos é de que a proibição é a situações que coloquem as crianças em situação vexatória. Neste caso, pelo contrário: é situação de carinho, amor e colo.”

Desde o lançamento da campanha, 130 pretendentes mostraram interesse em adotar um menino ou uma menina da Vara de Santo Amaro. Ontem, passaram a integrar a lista no site adoteumboanoite.com.br outras 11 crianças e adolescentes da Vara da Infância do Tatuapé, que entraram em campo com jogadores do Corinthians.

Segundo o juiz de direito Gabriel Sormani, coordenador da “Adote um boa-noite”, um dos entraves é quando há irmãos. “Uma saída que vem sendo utilizada é serem adotados por famílias diferentes, mas que morem em cidades próximas e se comprometam a manter a relação.” Outros seis juízes da capital e do Estado já mostraram interesse na campanha. O TJ pretende expandir a iniciativa em 2018.

Pelo País

Iniciativa semelhante é aplicada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que em maio lançou “Esperando por você”. “Temos crianças acolhidas há mais de cinco anos”, explica a assistente social Nathalia Pelegrini, da Comissão Estadual Judiciária de Adoção.

Vinte seis crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos gravaram vídeos em que contam seus sonhos e por que gostariam de ser adotados. “Recebemos contatos do Brasil todo e de brasileiros que moram fora”, diz Nathalia. Uma criança foi adotada após o lançamento do projeto e três estão em processo, entre elas uma menina de 12 anos com limitações físicas.

Os filhos de Vania Castan, de 38 anos, de São Bernardo, no ABC paulista, também foram “buscados” em outro Estado. Há dois anos, a advogada viajou com o marido a uma pequena cidade mineira atrás de dois irmãos: uma menina de 6 anos e um menino de 4. “Quando conhecemos a história deles (pela assistente social de um abrigo), alteramos a idade”, conta Vania, que inicialmente tinha preenchido a ficha para o Cadastro Nacional de Adoção atrás de uma criança de até 5 anos.

Em Cuiabá, pretendentes que querem crianças mais novas são convidados a visitar abrigos com acolhidos mais velhos. A iniciativa, que partiu da juíza da 1.ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá, Gleide Bispo, ocorre há sete anos. “Zeramos todas as crianças de adoção tardia.”

Gleide também participa do grupo Cegonhas da Adoção, no WhatsApp, com quase 200 magistrados em todas as capitais. “Temos de sair em busca como se fossem filhos nossos, porque estão sob nossa responsabilidade e cada dia que passa é mais um dentro de uma unidade de acolhimento.” No ano passado, o professor carioca Thiago Zalinsq Almeida, de 36 anos, conheceu os filhos, de 12 e 10 anos, em um abrigo em Cuiabá, depois que Gleide acionou o grupo no aplicativo.

Em Pernambuco, a procura sistemática por interessados pela adoção tardia é feita pelo Poder Judiciário desde 2009, mas ganhou força no último ano, depois que o TJ passou a divulgar nas redes sociais os perfis de abrigados. A Justiça ainda fez parceria com o time do Sport para o “Adote um pequeno torcedor”, em que as crianças relatam em vídeo o que esperam de uma família e as paixões – incluindo o time de futebol. A ação foi replicada por equipes pelo País. “Estou convencido de que pegar pelo coração é o mais importante”, diz Figueiredo.

Emoção

“Tomei a decisão de adotar uma criança quando tive minha estabilidade financeira e emocional. Entrei com o processo para adotar e demorou dois anos para ser habilitado. Por ser solteiro, não optei por bebê. Optei por um menino de 3 a 10 anos de idade, de cor indiferente. Em um domingo à tarde, a doutora Gleide (da 1.ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá) me ligou e falou do meu filho (Crystopher Sidwald, na época com 11 anos, hoje com 12). Meu coração queimou. Falei: ‘É esse'”, diz Thiago Zalinsq Almeida, de 36 anos, professor de Português no Rio, que adotou os meninos Crystopher Sidwald e José Roberto.

“Depois, ela me autorizou a vê-lo por foto no WhatsApp. A primeira coisa que eu vi foi o sorriso. Chorei na hora. Depois fui para Cuiabá. Na primeira aproximação, a resposta dele foi muito fria, mas aos pouquinhos fui tentando conquistá-lo. Voltei ao Rio e fiquei conversando com o Sid pela internet, com autorização da juíza. No fim de dezembro (de 2016), voltei a Cuiabá, ele estava terminando o ano letivo. A juíza disse que o mandaria (para o Rio) sozinho no avião, mas não aceitei. Queria juntamente com ele cortar o cordão umbilical do abrigo porque ele foi deixado lá com 1 ano. Era o menino mais velho ali. Queria dizer que ele tinha uma família que o amava.

Também tive contato com o melhor amigo dele no abrigo. Um menino negro, carismático, de coração de ouro, o José Roberto (de 10 anos), que me falava o tempo todo: “Me leva também”. Não podia levar, mas prometi que o buscaria.

Os dois primeiros meses com o Sid foram os mais difíceis da minha vida. Quando temos um filho, queremos ser amados por ele também. Mas a obrigação de amar não é da criança, é minha. Para quebrar o gelo, foi uma luta. As crianças ficam testando para ver até onde você vai. E eu falava: “Independentemente do que você faça, eu vou te amar”. A gente tinha de se construir como pai e filho. Até que um dia, quando vinha uma assistente social aqui em casa, eu falei: “Filho, estou muito nervoso”. E ele respondeu: “Eu também, pai”. E me abraçou. O primeiro abraço espontâneo foi lindo.

Mas meu coração ainda estava queimando pelo José. Então eu o trouxe em junho. Estou criando dois homens de caráter, que vão saber lidar em sociedade, sem preconceito. Quando me dei conta de que era pai, o mundo se transformou. É divino e indescritível. Minha família está completa”, finaliza Thiago Almeida. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.