Em julgamento unânime, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3), em São Paulo, restabeleceu a decisão que condenou a União a pagar R$ 150 mil de indenização à viúva do ferramenteiro Antonio Torini, preso político da ditadura.

A Sexta Turma reconsiderou o próprio posicionamento, em um caso pouco frequente de revisão via embargo de declaração – recurso usado para questionar eventuais omissões ou contradições no acórdão.

Antonio Torini trabalhava na Volkswagen quando foi preso na sede da montadora, em fevereiro de 1972, e levado ao Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS) de São Paulo, onde passou 49 dias sob tortura. Dois anos depois, ao ser julgado pelo Superior Tribunal Militar (STM), acabou condenado a mais dois anos de detenção. Sua mulher, Livonete, ficou sozinha com os filhos.

Após cumprir a pena, Torini foi solto, mas acabou condenado ao desemprego permanente. Isso porque passou a constar nas “listas sujas” trocadas pela Volkswagen com empregadores – a montadora alemã fechou um acordo de reparação de R$ 36 milhões pelo apoio aos porões da ditadura. O ferramenteiro, que militava no Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP), morreu em 1998 com problemas de saúde.

A Justiça de São Paulo decidiu que a União deveria pagar uma indenização de R$ 150 mil aos Torini. A decisão do juiz José Denilson Branco, da 3.ª Vara Federal de Santo André, atendeu a um pedido da viúva.

Na sentença, o juiz considerou que a União deve ser responsabilizada pelo dano moral extrapatrimonial causado à família por agentes públicos no exercício da função e em nome do Estado. A Comissão de Anistia já havia se manifestado favorável ao pagamento em resposta a um requerimento apresentado pelo próprio Antonio antes de sua morte.

O caso foi levado ao Tribunal Regional da 3.ª Região pela viúva. Ela pedia o aumento da indenização para R$ 300 mil. A União também recorreu para tentar reverter a condenação.

Ao analisar os recursos, em março de 2021, a Sexta Turma decidiu anular a condenação. O colegiado seguiu o entendimento do relator Johonsom Di Salvo. Em seu voto, o desembargador classificou como “criminosas” as condutas de Torini por considerar que o militante de esquerda estava associado a movimentos e partidos defensores da “ditadura do proletariado” e de uma organização política empenhada em implantar um “governo comunista” no Brasil e “subverter o regime vigente”.

Um novo recurso foi apresentado, desta vez pelo Ministério Público Federal (MPF). O procurador da República Marlon Weichert afirmou que “o acórdão incorreu em infeliz consideração ao insistir na qualificação de Torini como um criminoso”.

A Sexta Turma anulou o julgamento, mas por questões processuais, ou seja, não houve revisão das considerações sobre o mérito da ação. Os desembargadores concluíram que houve um erro na tramitação do caso.

Suspeição

A associação Heinrich Plagge, que reúne trabalhadores da Volkswagen perseguidos na ditadura, chegou a pedir que o desembargador Luis Antonio Johonsom Di Salvo se declarasse suspeito ou impedido para julgar processos sobre violações de direitos humanos no regime militar.

Depois que o desembargador derrubou a indenização aos Torini e a pelo menos duas outras vítimas da ditadura e familiares de presos políticos, a entidade decidiu encabeçar uma pesquisa nos arquivos sobre a ditadura e encontrou uma carta enviada por ele ao então presidente Ernesto Geisel (1974-1979).

O documento é datado de 27 de março de 1974 e parabeniza o general pela “investidura na chefia da nação”. Também externa “solidariedade e sincera confiança”. Ainda celebra o “décimo aniversário da Revolução de Março de 1964”.

A associação alegou que “o caráter ideológico e a posição política estão estampadas no arquivo”. Procurado pela reportagem na ocasião, o desembargador preferiu não comentar a iniciativa da entidade.