Após acusar ucraniano de ser “ingrato” e “apostar na terceira guerra mundial” durante encontro televisionado na Casa Branca, presidente americano cancelou assinatura de acordo que embasaria cessar-fogo.Mais conhecido como cenário de apertos de mãos e outros gestos diplomáticos, o Salão Oval da Casa Branca foi palco nesta sexta-feira (28/02) de uma acalorada discussão entre o presidente ucraniano Volodimir Zelenski, o presidente americano Donald Trump e seu vice, JD Vance.

O encontro, inicialmente planejado para formalizar um acordo econômico para exploração americana de recursos minerais estratégicos em solo ucraniano, descambou para um bate-boca sobre a postura de Kiev em relação ao conflito com a Rússia e o papel dos Estados Unidos no apoio militar à Ucrânia. A reunião foi transmitida ao vivo e acompanhada pela imprensa (veja no vídeo abaixo, a partir dos 1:19 minutos).

De início, Trump expressou otimismo sobre um possível cessar-fogo entre Ucrânia e Rússia, mencionando a possibilidade de um acordo “razoavelmente próximo”. Ao ser contrariado, porém, o americano ameaçou cortar o apoio militar à Ucrânia caso Zelenski não aceite os termos propostos e afirmou que, sem os EUA, a Ucrânia estaria “lutando sozinha” contra a Rússia – o que não é verdade, dado que o volume de ajuda da União Europeia, somada, é maior o apoio americano.

As discussões se intensificaram nos últimos 10 minutos da reunião, que durou cerca de 45, quando Zelenski pediu garantias de segurança mais concretas por parte de Washington. Citando o histórico de violações da Rússia à ordem internacional, ele aconselhou os americanos a desconfiarem da disposição de Moscou em cumprir acordos diplomáticos.

Trump enfatizou a necessidade de compromissos por parte da Ucrânia, sugerindo que Kiev deveria considerar concessões territoriais para alcançar a paz. Zelenski rebateu, afirmando que não faria “concessões a um assassino”, referindo-se ao presidente russo, Vladimir Putin.

Mas Zelenski, que queria convencer Trump a não abandonar o país, acabou tendo que ouvir sermões dele e de Vance. A cena se desenrolou diante das câmeras de jornalistas, e o ucraniano mal teve a chance de reagir às acusações e censuras que lhe foram feitas.

Trump chamou Zelenski de ingrato e acusou-o de não estar disposto a fazer as pazes com a Rússia e de “apostar na terceira guerra mundial”.

“Apostando com a terceira guerra mundial”

O vice-presidente americano, JD Vance, também presente na reunião, reforçou as críticas, acusando Zelenski de “desrespeitar” os americanos e de fazer campanha para o ex-presidente democrata Joe Biden, rival de Trump.

“Sr. presidente, com todo o respeito. Acho desrespeitoso o senhor vir ao Salão Oval para tentar tentar litigar isso na frente da mídia americana”, disse Vance.

Zelenski tentou rebater, argumentado que o conflito eventualmente afetará os EUA no futuro, o que fez com que Trump levantasse a voz e o dedo: “Você está jogando com a vida de milhões de pessoas. Está arriscando uma terceira guerra mundial, e o que está fazendo é muito desrespeitoso com o país, este país que o apoiou muito mais do que muitas pessoas dizem que deveriam ter apoiado”.

Trump afirmou ainda que Zelenski não está em posição de exigir concessões.

“Você não está em uma boa posição. Você não tem as cartas no momento”, disse Trump apontando o dedo para Zelenski. “Conosco, você começa a ter cartas.”

“Vai ser muito difícil fazer negócios dessa maneira”, prosseguiu o governante americano.

Antes, Zelenski havia apontado que Trump é menos duro com Putin nas negociações pelo fim da guerra.

Ele respondeu dizendo que está alinhado tanto com Putin quanto com a Ucrânia, pois, caso contrário, nunca conseguiria um acordo, e se recusa a “dizer coisas terríveis sobre Putin” porque isso dificultaria as negociações.

“Não estou alinhado com ninguém. Estou alinhado com os Estados Unidos da América e com o bem do mundo”, disse ele.

“Pode retornar quando estiver pronto para a paz”

Após o bate-boca, a reunião foi encerrada abruptamente, e a coletiva de imprensa conjunta que estava programada foi cancelada.

Trump pareceu satisfeito que a cena tivesse sido registrada pelas câmeras. “Acho que é bom que o povo americano veja o que está acontecendo”, afirmou. “Isso ficará ótimo na TV”, comentou pouco antes de o encontro terminar.

A embaixadora da Ucrânia nos Estados Unidos, Oksana Markarova, que acompanhava o encontro, demonstrou visível consternação durante o confronto verbal entre os líderes.

Pouco depois, a Casa Branca disse ter despachado a delegação ucraniana e Trump anunciou nas redes sociais a suspensão do acordo para exploração de minerais de terras raras da Ucrânia e reconstrução do país.

O tratado é visto como um passo em direção ao fim do conflito e tem sido tratado por Trump como uma oportunidade de indenizar os EUA pelo apoio americano a Kiev.

Muitos ucranianos temem que uma paz negociada às pressas, especialmente uma que faça muitas concessões às exigências russas, permitiria a Moscou se rearmar e voltar a atacá-los de novo.

Reações

Trump utilizou sua rede social, Truth Social, para declarar que Zelenski “pode retornar quando estiver pronto para a paz”, indicando que as negociações só serão retomadas quando houver disposição por parte da Ucrânia para aceitar os termos propostos.

Zelenski publicou em seu perfil no X: “Obrigado América, obrigado por seu apoio, obrigado por esta visita. Obrigado @POTUS, Congresso e povo americano. A Ucrânia precisa de uma paz justa e duradoura, e estamos trabalhando exatamente para isso”.

Chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, publicou em suas redes uma mensagem de apoio ao líder ucraniano. “Sua dignidade honra a bravura do povo ucraniano. Seja forte, seja bravo, seja destemível. Você nunca está só, querido presidente Zelenski. Continuaremos a trabalhar com você por uma paz justa e duradoura.”

O presidente francês, Emmanuel Macron, falou a jornalistas, em Portugal, que a “Rússia é o agressor, e a Ucrânia é o povo agredido. Acho que fizemos bem em ajudar a Ucrânia e sancionar a Rússia há três anos e continuar fazendo isso. (…) E devemos agradecer a todos aqueles que ajudaram e respeitar aqueles que estão lutando desde o início”.

A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, declarou: “A divisão não beneficiaria ninguém. O que é necessário é uma cúpula imediata entre os Estados Unidos, os países europeus e os aliados para falar francamente sobre como pretendemos lidar com os grandes desafios da atualidade, a começar pela Ucrânia, que defendemos juntos nos últimos anos”.

O futuro chanceler federal alemão, Friedrich Merz, também publicou mensagem de apoio ao presidente ucraniano: “Prezado Zelenski, estamos ao lado da Ucrânia nos momentos bons e nos momentos desafiadores. Não devemos nunca confundir agressor e vítima nesta terrível guerra”.

Mudança na postura dos EUA sobre a Ucrânia

Sob a administração anterior, de Joe Biden, os Estados Unidos adotaram uma postura de forte apoio à Ucrânia, destinando bilhões de dólares em ajuda militar e financeira para fortalecer a resistência contra a invasão russa.

Biden manteve um discurso firme contra Vladimir Putin e classificava o conflito como uma ameaça direta à ordem global.

Com a volta de Trump ao poder, os Estados Unidos adotaram um distanciamento do envolvimento direto no conflito, sugerindo que a Ucrânia deveria buscar um acordo de paz, possivelmente envolvendo concessões territoriais.

Além disso, ele condicionou o apoio dos EUA a um retorno mais tangível, como o acesso a recursos minerais ucranianos.

Trump também passou a reproduzir a narrativa de Putin sobre a guerra, acusando Zelenski de ser um “ditador sem eleições” – o país teve eleições suspensas por causa da lei marcial – e culpando-o pela invasão russa.

Ao mesmo tempo, Trump tem se recusado a condenar Putin diretamente, alegando que manter uma relação estratégica com Moscou seria essencial para negociar o fim da guerra.

Isso se traduziu na ligação telefônica entre os dois líderes em 12 de fevereiro – o primeiro diálogo direto entre os líderes desde a invasão russa à Ucrânia em 2022. Durante a conversa, Trump anunciou o início de negociações para encerrar as hostilidades na Ucrânia, com ambos os presidentes expressando intenção de trabalhar juntos para uma solução.

sf/ra (AP, DPA, ots)