17/05/2025 - 13:45
Presidente dos EUA contornou premiê israelense ao negociar com Hamas e houthis e acabar com sanções à Síria. Visita ao Oriente Médio, que evitou escala em Israel, alimentou ainda mais especulações sobre afastamento.A viagem do presidente dos EUA, Donald Trump ao Oriente Médio nesta semana incluiu Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos.
Mas uma ausência chamou a atenção: Israel.
Trump evitou completamente pisar em território do país aliado – algo que as autoridades israelenses tentaram minimizar ao lembrar que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu visitou a Casa Branca duas vezes neste ano. Ainda assim, pairou entre comentaristas israelenses a sensação crescente de que havia algo estranho no ar.
A ausência de Trump em Israel também ocorre em um momento em que o país está enfrentando cada vez mais críticas e isolamento de outras nações por causa da sua conduta na guerra em Gaza.
“Se considerarmos o último mês e, certamente, a última semana, em uma série de movimentos e declarações, Trump não apenas marginalizou completamente Netanyahu e o manteve fora do circuito, mas também marginalizou Israel como se não fosse um aliado”, disse à DW o ex-diplomata israelense Alon Pinkas, que hoje atua como colunista do jornal israelense Haaretz, publicação que é bastante crítica do governo Netanyahu.
Donald Trump evita Israel em giro pelo Oriente Médio
Enquanto isso, Israel vem intensificando seus ataques aéreos a Gaza. Na sexta-feira, foram registrados ataques pesados e movimentos de tanques no norte de Gaza. De acordo com as autoridades de saúde locais, pelo menos 90 pessoas foram mortas em ataques, incluindo crianças. O exército israelense emitiu também mais ordens de evacuação em várias áreas, forçando muitas pessoas a fugir para regiões igualmente inseguras.
Enquanto isso, a recente e inesperada libertação do refém americano-israelense Edan Alexander, aparentemente resultado de negociações entre os EUA e o Hamas, com a ajuda mediadores, foi vista como um sinal de que Netanyahu parecia ter sido deixado de lado ou, na melhor das hipóteses, não era mais o centro das atenções de Trump, de acordo com analistas israelenses.
Em janeiro, o Hamas e Israel concordaram com a primeira fase de um cessar-fogo, que resultou na libertação 33 reféns israelenses em troca de centenas de prisioneiros palestinos. Entretanto, uma segunda fase nunca foi negociada e, em março, Israel rompeu o cessar-fogo.
Trump e Netanyahu se desentenderam?
Durante sua viagem ao Oriente Médio nesta semana, Trump concluiu um acordo de venda de armas de US$ 142 bilhões (€ 127 bilhões) com a Arábia Saudita, assim como um acordo de investimento de US$ 600 bilhões para aumentar o potencial tecnológico do estado do Golfo, o que pode ser visto como uma ameaça às proezas tecnológicas e militares de Israel.
Em abril, Netanyahu foi convidado para uma reunião urgente em Washington. Netanyahu esperava convencer Trump a remover as tarifas dos EUA sobre importações israelenses – mas não conseguiu. Em vez disso, Trump pareceu pegar Netanyahu de surpresa quando anunciou conversas diretas entre os EUA e o Irã sobre o programa nuclear iraniano.
Isso contrastou bastante com o primeiro encontro dos dois líderes em fevereiro nos EUA, quando Trump falou com Netanyahu sobre sua visão de uma “Riviera de Gaza” e o deslocamento forçado da população palestina do enclave.
Outra decisão que causou alvoroço em Israel foi o anúncio de Trump, em 6 de maio, de que os EUA haviam acertado uma trégua com os rebeldes houthis, apenas dois dias depois que o grupo baseado no Iêmen lançou um míssil no principal aeroporto internacional de Israel, em Tel Aviv. Os houthis prometeram continuar lançando mísseis contra Israel enquanto a guerra em Gaza continuar. Aparentemente, a trégua acertada com os americanos não inclui Israel.
Por fim, em outra ação que contrariou a posição do governo Netanyahu, Trump anunciou durante sua viagem que estava ordenando o fim das sanções econômicas impostas à Síria. Para espanto dos israelenses, ele também se encontrou com o novo líder sírio, Ahmed al-Sharaa. Segundo a imprensa israelense, Netanyahu vinha tentando persuadir os americanos a não acabar com as sanções.
O comentarista israelense Alan Pinkas avalia que Trump tem se mostrado cansado das “manipulações e artimanhas constantes de Netanyahu em relação ao Irã e a Gaza”.
Trump pratica uma política externa muito transacional, avalia Pinkas. “Netanyahu só pode lhe dar duas coisas e ele vem negando até o momento: um cessar-fogo em Gaza, que o próprio Netanyahu violou em março.”
E o segundo ponto é o Irã”, aponta Pinkas. “Enquanto Trump continua dizendo que quer um acordo com o Irã e que buscará um acordo, Netanyahu prossegue com sua retórica beligerante.”
Outros são mais cautelosos e dizem que Trump parece estar preparando o terreno para mudanças regionais.
“Ouço vozes em Israel dizendo que Trump deixou Netanyahu completamente de lado, mas acho que é mais complicado do que isso”, avalia Yaki Dayan, ex-cônsul geral de Israel nos EUA e agora comentarista frequente das relações israelenses-americanas na mídia local. “Acho que ele [Trump] está levando em conta todas essas questões que são extremamente importantes para Israel em termos de normalização, com os sírios e com os sauditas.”
Mas Israel deveria ter se envolvido mais, avalia Yaki. “Poderíamos ter estado na posição central, moldando o novo Oriente Médio, como Trump está fazendo agora.” Mas, acrescenta ele, “acho que uma das coisas que Trump queria de Israel era terminar a guerra em Gaza, o que Netanyahu não está lhe concedendo”.
No entanto, é improvável que Netanyahu faça qualquer uma dessas coisas, aponta Pinkas. “Se ele não tiver essas duas questões, então A, ele não tem uma coalizão [de governo] e B, ele não tem motivo para ser primeiro-ministro.”
O que isso significa para a região?
Enquanto isso, Israel intensificou sua ofensiva militar e Netanyahu prometeu repetidamente não encerrar a guerra, que é uma das principais exigências do Hamas. O gabinete israelense aprovou recentemente um plano para ocupar grandes áreas de Gaza e forçar a população palestina já desabrigada a se deslocar para o sul, o que poderia ser considerado um crime de guerra de acordo com a lei internacional.
E embora Israel tenha endossado um novo plano de ajuda humanitária, embora controverso, proposto pelos EUA, o governo Netanyahu continua a impor seu devastador bloqueio a Gaza. Desde março, a população do pequeno território tem sido privada do envio de alimentos, medicamentos e combustível. No início desta semana, especialistas internacionais em segurança alimentar alertaram que Gaza estava correndo um alto risco de fome nas próximas semanas.
Durante sua visita ao Catar, Trump disse: “Tenho conceitos para Gaza que considero muito bons. Torná-la uma zona de liberdade, permitir que os Estados Unidos se envolvam”.
A continuidade do conflito em Gaza também vem impedindo Trump de realizar uma ambição de longa data: seu grande plano para normalizar as relações entre Israel e Arábia Saudita e expandir os Acordos de Abraão, uma série de acordos bilaterais entre os Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Israel mediados pelo primeiro governo americano.
No entanto, apesar das questões sobre um estremecimento no relacionamento Trump-Netanyahu, não há atualmente nenhuma indicação de que os EUA pressionarão Israel a interromper a ofensiva militar em Gaza se essas negociações fracassarem.
“A guerra realmente incomoda Trump. Mas, no final das contas, se eles não chegarem a um acordo, ninguém impedirá Netanyahu de expandir a guerra. Os americanos não farão isso”, avalia Dayan.
E o próprio Trump disse que os acontecimentos recentes na região são “bons para Israel”.
“Há muitas coisas que deveriam nos preocupar – desde os enormes acordos militares com os sauditas e a questão iraniana”, disse Dayan. “Mas, ao mesmo tempo, quando Trump está remodelando o Oriente Médio, é melhor para Israel que ele esteja remodelando o Oriente Médio e não os chineses, os russos ou qualquer outra pessoa.”