Comédia inglesa de 1959, “O rato que ruge” (The mouse that roared), estrelada pelo ator britânico Peter Sellers, satiriza as relações entre os países importantes e os nem tanto. A história é simples (sem spoilers). O menor país europeu, um improvável ducado localizado nos Alpes franceses, está em dificuldades financeiras. Para sair da crise, sua estratégia é declarar guerra aos Estados Unidos, ser derrotado e receber ajuda econômica. O impossível acontece, porém. No comando de um minúsculo exército armado de arcos e flechas, o impagável Sellers chega a Nova York e captura uma bomba capaz de destruir o mundo. Isso transforma o ducado em uma superpotência nuclear, provocando uma razoável dose de confusão.

Sem qualquer vestígio de humor, uma versão atualizada dessa comédia foi reencenada na terça-feira 12, em Cingapura, quando o presidente americano Donald Trump e o ditador norte-coreano Kim Jong Un apertaram as mãos. No evento milimetricamente coreografado (até o número de passos de cada líder foi combinado de antemão) e planejado para as lentes dos fotógrafos, Kim se comprometeu a cumprir um vago programa de “desnuclearização” da Coreia do Norte, sem datas nem mecanismos de verificação. Já Trump prometeu não fazer mais exercícios militares “provocativos” na região, que eram rotineiramente executados em conjunto com Japão e Coreia do Sul. Como de costume, Trump achou desnecessário avisar sul-coreanos e japoneses de antemão, provocando, também, uma razoável dose de confusão.

Autoproclamado o maior negociador do mundo, o presidente americano conseguiu um resultado pífio. Já Kim obteve o que sua família, no poder há sete décadas, vinha tentando sem sucesso desde os anos 1950: o reconhecimento diplomático por parte de um país relevante. O único país amigo da Coreia do Norte é a China, que fornece seu petróleo e paga boa parte de suas contas. As demais nações consideram o país de Kim uma ditadura fechada, imprevisível e perigosa, que não cumpre acordos e desrespeita os direitos humanos. Daí o encontro com Trump ter sido uma vitória tão grande. “É a primeira vez que um líder de um pequeno estado totalitário, com pouquíssima relação com o resto do mundo, consegue um encontro com o presidente dos Estados Unidos”, diz Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Com esse encontro, Kim ganha força e reduz a probabilidade de uma rebelião contra o seu governo.”

Em um país sem imprensa livre e que desrespeita os direitos humanos, Kim pode contar a história que quiser quando voltar à capital, Pyongyang. Já Trump vem sendo alvo de críticas azedas de seus aliados, não sem razão. Na véspera da pantomima em Cingapura, o presidente americano teve uma participação inesquecível no 44o encontro do G7 realizado em Charlevoix. Na reunião, realizada em uma pequena e bucólica cidade do Quebec, única província francesa do Canadá, Trump foi, mais do que nunca, Trump.

Comprando briga: Angela Merkel, primeira-ministra alemã, enfrenta Trump durante o encontro do G7 no Canadá (Crédito:Jesco Denzel/Bundesregierung via Getty Images)

Chegou tarde e interrompeu um painel sobre os direitos das mulheres. Manteve a elevação de 25% nas tarifas alfandegárias do aço e de 10% no alumínio produzidos no Canadá, União Europeia e México. A elevação de tarifas havia sido decidida unilateralmente na primeira semana de junho, com base em “ameaças à segurança nacional”. A foto menor que ilustra esta página mostra tudo: sentado, com pose de criança mimada, Trump enfrenta as críticas da primeira-ministra alemã Angela Merkel, sob o olhar atônito das demais autoridades participantes do evento.

Depois de espalhar a discórdia, o presidente americano saiu mais cedo e, enquanto sobrevoava o Atlântico, soltou uma de suas bombas via Twitter. Ele informou que havia orientado seus assessores a, pela primeira vez desde os anos 1970, não ratificar um comunicado formal do G7. De quebra, aplicou ao anfitrião do encontro, o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, os epítetos de “fraco” e “desonesto”.

Trump obteve um resultado que apenas os roteiristas de Hollywood haviam conseguido: colocou o pacífico vizinho do norte em pé de guerra. Na quarta-feira 13, Chrystia Freeland, ministra das Relações Exteriores do Canadá, declarou em Washington que haverá uma retaliação “dólar por dólar” por parte do governo canadense. “O povo e as empresas americanas vão sofrer com essas medidas protecionistas”, disse ela. Chrystia deixou a diplomacia de lado. “A ideia de que o Canadá representa uma ameaça à segurança nacional americana é mais do que absurda, é perigosa”, declarou. Aguardam-se os próximos capítulos que, como as peças de Shakespeare e os programas televisivos de Trump, prometem ser cheios de som e fúria.