O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou boa parte de sua campanha eleitoral anunciando que, uma vez eleito, seria certa a imposição de tarifas comerciais para produtos importados. O discurso se manteve após sua vitória confirmada.

+ Tarifas levarão bilhões de dólares e até trilhões para Tesouro dos EUA, diz Trump

Foram prometidas tarifas de importação que chegavam a 60% no caso de produtos chineses. Em sua rede social, a Truth Social, o republicano disse que assinaria uma ordem executiva para criar as novas tarifas já em seu primeiro dia no cargo – em 20 de janeiro de 2025 – como parte dos esforços de seu governo para combater a imigração ilegal e o tráfico de drogas através das fronteiras americanas.

“Em 20 de janeiro, como uma das minhas muitas primeiras ordens executivas, assinarei todos os documentos necessários para cobrar do México e Canadá uma tarifa de 25% em todos os produtos que entram nos Estados Unidos”, escreveu Trump.

Na segunda-feira, 20, Trump tomou posse como o 47º presidente americano. Naquele dia, assinou uma séria de decretos e medidas, como o perdão aos condenados pela invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2020. Mas nada referente a questão tarifária.

Com a expectativa pelos primeiros dias de mandato invertida, o dólar caiu frente a outras moedas.

No Brasil, a moeda dos EUA encerrou a semana cotada a R$ 5,91, após novos comentários brandos sobre a imposição de tarifas. Trump disse em entrevista à Fox News que a conversa na semana passada com o presidente da China, Xi Jinping, foi amigável e que ele acredita que pode chegar a um acordo comercial com o gigante asiático.

A entrevista ampliou a percepção nos mercados globais de que Trump poderá ser bem mais moderado em sua relação com parceiros comerciais, como a China.

“Agora é o Trump ‘bonzinho’. Ele resolveu que quer negociar com a China, que não quer impor tarifas (de importação), e a China respondeu positivamente a isso”, resumiu a semana o diretor da Correparti Corretora, Jefferson Rugik.

México e Canadá na mira

Passada uma semana de Trump 2, nada ainda referente a tarifas se concretizou. Mas o assunto segue na agenda do recém-empossado presidente. Mais especificamente para o dia 1º de fevereiro, nova data anunciada para o início de outras regras tarifárias. Ele também assinou um memorando comercial ordenando que as agências federais concluam análises abrangentes de uma série de questões comerciais até 1º de abril.

O México e o Canadá adotaram um tom conciliatório em resposta ao prazo de 1º de fevereiro de Trump.

A presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, disse que enfatizará a soberania e a independência do México e que responderia às ações dos EUA “passo a passo”. Mas ela acrescentou que o acordo de livre comércio entre os EUA, o México e o Canadá não deverá ser renegociado até 2026, um comentário que visa a evitar sugestões de que Trump buscará uma reforma antecipada do pacto que sustenta mais de 1,8 trilhão de dólares no comércio anual entre os três países.

Diplomacia da ameaça?

Para o professor da Fundação Dom Cabral, Paulo Vicente, que também é autor do livro ‘Gestão Pública Contemporânea’ (Alta Books), entre outros títulos, as ameaças podem ser vistas como herança da formação de Donald Trump no mundo dos negócios, mais especificamente no mercado imobiliário, e não na política e na diplomacia.

“Trump vem do mercado imobiliário, onde as negociações são tipicamente nesses jogos. Ele tem esse viés de raciocínio que você tem que forçar muito para fechar um negócio favorável. E depois, você não segue fazendo negócios frequentemente com aquele parceiro”.

Contudo, na esfera da geopolítica, a dinâmica é outra, e essas “ameaças” podem não surtir o mesmo efeito. “Tem uma discussão importante que essa não é uma técnica de negociação, ele pode estar blefando”, avalia Vicente. E, caso não esteja, os desdobramentos podem não ser como ele espera.

O professor lembra que o país pode não conseguir mais importar nem exportar os outros países. “Isso foi o que levou a piorar a situação na época da Grande Depressão, na década de 1920.”

Trump disse esta semana que preferiria não usar tarifas contra a China, mas chamou as tarifas de um “poder tremendo”. “Mas temos um poder muito grande sobre a China, que são as tarifas, e eles não as querem, e eu preferiria não ter que usá-las, mas é um poder tremendo sobre a China”, acrescentou.

Estratégia duvidosa

Carlos Primo Braga, ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial, ressalta que várias dessas eventuais medidas tarifárias são contrárias às regras da OMC (organização Mundial do Comércio). Além disso, um aumento nas tarifas traz pressão inflacionária na economia local, algo que o banco central americano vem tentando combater desde o momento da pandemia de covid-19.

“Vamos dizer assim que há uma briga dentro da equipe do Trump entre aqueles que gostariam de utilizar tarifas como elementos de negociação – então são favoráveis a uma adoção mais gradual. E aqueles que acham que tem que fazer para aumento de receitas, mas também por protecionismo. Isso talvez esteja levando a essa decisão de postergar o anúncio imediato de que nível de tarifas serão impostas”, diz Braga.

O ex-diretor do Banco Mundial destaca que apesar de as medidas não terem sido anunciadas como prometidas, nos memorandos emitidos nos primeiros dias de gestão figura a questão da política comercial.

“Parece que ele está calculando: ‘Será que eu vou fazer isso mesmo?’. Deixar o mercado apreensivo justamente para jogar com isso”, acredita Vicente. “Ele se acha um bom negociador, e a história dele é de ter sido realmente um bom negociador, mas no mercado de imóveis. Em economia talvez não seja tanto”, conclui.

Leste europeu

As ameaças de Trump também chegaram à Rússia e à União Europeia. Na quarta-feira, 22, ele disse que adicionará novas tarifas à sua ameaça de sanções contra a Rússia se o país não fizer um acordo para acabar com sua guerra na Ucrânia, e acrescentou que elas também poderiam ser aplicadas a “outros países participantes”.

“Se não fizermos um ‘acordo’, logo, não terei outra escolha a não ser impor altos níveis de taxas, tarifas e sanções a tudo o que for vendido pela Rússia aos Estados Unidos e por vários outros países participantes”, disse Trump, sem identificar os países que ele considera participantes do conflito ou como ele define participação.

O governo do ex-presidente Joe Biden impôs pesadas sanções a milhares de entidades dos setores bancário, de defesa, manufatura, energia, tecnologia e outros da Rússia desde a invasão em grande escala da Ucrânia por forças russas em fevereiro de 2022, que matou dezenas de milhares de pessoas e reduziu cidades a escombros.

O vice-embaixador da Rússia na ONU, Dmitry Polyanskiy, disse que Moscou terá que ver o que Trump acha que significa um “acordo” para acabar com a guerra na Ucrânia.

“Não se trata apenas da questão de acabar com a guerra”, disse Polyanskiy à Reuters. “É, antes de tudo, a questão de abordar as causas fundamentais da crise ucraniana.”

No período que antecedeu sua vitória nas eleições de 5 de novembro, Trump declarou inúmeras vezes que teria um acordo entre a Ucrânia e a Rússia em seu primeiro dia no cargo, se não antes. Mas assessores de Trump admitiram que um acordo para acabar com a guerra pode levar meses ou mais.

Rússia, México e Canadá são os principais parceiros comerciais dos EUA. Mas a Rússia está bem abaixo na lista, com as importações norte-americanas da Rússia caindo para apenas 2,9 bilhões de dólares nos primeiros 11 meses de 2024, de 29,6 bilhões de dólares em 2021.

Quanto a outros participantes, o governo Biden impôs sanções contra entidades na China, Coreia do Norte e Irã por ajudarem no esforço de guerra da Rússia.

*Com Deutsche Welle, Estadão Conteúdo e Reuters