O presidente Donald Trump anunciou nesta sexta-feira (8) que se ausentará da cerimônia de posse de seu sucessor, Joe Biden, no último alto de um divisionismo impenitente, enquanto sua Presidência implodia em meio a pedidos de que renuncie nos 12 dias que lhe restam no cargo.

“A todos aqueles que perguntaram, eu não comparecerei à Cerimônia de Posse no dia 20 de janeiro”, anunciou o presidente no Twitter.

Embora não surpreenda por vir do presidente americano que mais fomentou a divisão do país em décadas, o anúncio acaba com as expectativas de que Trump pudesse passar seus últimos momentos na Casa Branca tentando ajudar seu sucessor a acalmar as tensões que ele próprio fomentou.

É algo inédito desde 1869 que um presidente em exercício não esteja presente à posse do futuro líder da nação, uma cerimônia que simboliza a transferência pacífica do poder.

Dois dias depois de Trump incitar seus seguidores a invadir o Congresso, sua Presidência está em queda livre, com aliados abandonando o governo e adversários pedindo sua saída.

Os democratas na Câmara de Representantes, que em 2019 já tinham aprovado o impeachment de Trump em uma votação traumática, afirmaram que um segundo processo de impeachment do republicano, algo sem precedentes, poderia estar pronto para votação na próxima semana.

“Podemos agir muito rapidamente quando queremos”, disse à CNN a representante (deputada) Katherine Clark.

Se os líderes republicanos no Senado concordariam em seguir adiante com um julgamento de impeachment relâmpago antes de 20 de janeiro é outra questão.

No entanto, com apelos também circulando para que os membros do gabinete invoquem a 25ª emenda, declarando Trump incapaz para o cargo, está claro que o bilionário que fez fortuna no setor imobiliário está ficando sem amigos.

– Muito pouco, tarde demais –

O senador Ben Sasse, um republicano que diz que iria “definitivamente considerar” o impeachment, recomendou ao menos que Trump saia de cena e deixe seu vice-presidente comandar o show nos últimos dias de seu mandato.

“Acho que quanto menos o presidente fizer nos próximos 12 dias, melhor”, disse à rádio NPR.

Trump, que recorreu a esforços persistentes para reverter a vitória eleitoral de Biden em 3 de novembro, acabou concedendo a derrota na quinta-feira e apelou para a calma.

“Um novo governo será empossado em 20 de janeiro. Meu foco agora se volta a assegurar uma transição do poder tranquila e ordeira”, disse Trump em um breve vídeo.

No entanto, a concessão evidentemente relutante, na qual Trump deixou de cumprimentar Biden ou admitir diretamente a derrota foi muito pouco e ocorreu tarde demais para acalmar a indignação por seu papel na invasão do Capitólio.

Cinco pessoas morreram nos distúrbios, inclusive uma mulher que foi baleada por um agente da Polícia do Capitólio e que sucumbiu ao ferimento na quinta-feira. As bandeiras em todo o Capitólio foram hasteadas a meio mastro nesta sexta.

– Governo de saída –

A secretária de Educação, Betsy DeVos, tornou-se o segundo membro do gabinete a deixar o governo.

Mais cedo, a secretária dos Transportes, Elaine Chao, um dos membros mais longevos do gabinete de Trump, anunciou sua saída devido à violência “inteiramente evitável”. Uma série de funcionários de escalões inferiores também deixou o governo.

Segundo a imprensa americana, a única razão de não ter havido uma debandada foi a decisão de personalidades dos escalões mais altos de tentar manter a estabilidade durante a transição de Biden.

Trump, no entanto, parece ter perdido o controle que ele exerceu no Partido Republicano e em sua própria equipe ao conduzir por quatro anos uma das presidências mais turbulentas da história americana.

Em declarações à CNN o general reformado dos Marines John Kelly, que foi chefe de Estado de Trump por 18 meses, disse que o gabinete deveria considerar a 25ª Emenda, mas acredita que o presidente já está isolado.

“Ele pode dar todas as ordens que quiser, mas ninguém vai violar a lei”, disse Kelly.

Trump perdeu até mesmo o apoio do Wall Street Journal, de Rupert Murdoch, que publicou um editorial aconselhando-o a “assumir responsabilidade pessoal e renunciar”.

“É melhor para todo mundo, inclusive para ele, se ele sair discretamente”, sugeriu.

“Deixe a cidade”, recomendou o ex-secretário de Segurança Doméstica, Jeh Johnson, sugerindo que Trump se exile em seu clube de golfe na Flórida.

“Embarque no Air Force One, vá para Mar-a-Lago e fique lá indefinidamente”, disse Johnson à NPR.

– Biden pode ter uma posse sombria –

Biden, que teve sete milhões de votos a mais que Trump, assim como a decisiva maioria no Colégio Eleitoral, será empossado na escadaria do Capitólio sob um forte esquema de segurança.

Entre drásticas restrições a multidões para evitar os contágios por covid-19, a ausência de Trump e uma nova cerca “impossível de escalar” erguida em torno ao complexo legislativo, sobrará pouco do clima das cerimônias de posse tradicionais.

E Biden enfrentará desafios extraordinários na sequência, a começar pela promessa central de sua campanha, de que pode “curar” a nação.

Até agora, o líder democrata tem evitado cautelosamente se pronunciar sobre os pedidos de remoção de Trump.

Um impeachment do presidente poderá confrontar o democrata com uma paisagem ainda mais polarizada, complicando ainda mais a tarefa de reunificar o país.

Ao mesmo tempo, a crise provocou tal repulsa dos dois lados do Congresso que Biden pode assumir o cargo com um um inesperado impulso bipartidário.

Na quinta-feira, ele acusou Trump de organizar um “ataque completo às instituições da nossa democracia” e chamou a invasão do Capitólio de “um dos dias mais sombrios na história da nossa nação”.