DINHEIRO – Muitos economistas imaginavam que os problemas nos bancos já estavam solucionados e que agora seria a hora de administrar os efeitos da crise na economia real. Nesta semana, porém, os prejuízos dos bancos deflagraram uma nova onda de pânico. O lado financeiro desta crise ainda não foi debelado?
PAULO RABELLO DE CASTRO Na verdade, não. Os bancos internacionais hoje enfrentam dois problemas. O primeiro é o de insuficiência de capital, o que equivale a excesso de alavancagem. Os bancos emprestaram e assumiram posições de risco muito acima do limite recomendado pela prudência. O se- Entrevista / Paulo Rabello de Castro, economista gundo problema é a falta de confiança, que reduz a disposição dos bancos de emprestar, asfixiando o sistema econômico. A alavancagem é um problema objetivo. A falta de confiança é um problema objetivo, mas também subjetivo. E se a política de socorro que estiver sendo colocada em prática for malfeita, ela poderá despertar ainda mais desconfiança.

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DINHEIRO – É este o caso?
CASTRONa minha opinião, sim. É muito difícil imaginar por onde começará a solução da crise, se o remédio ainda está fazendo mal ao paciente.

DINHEIRO – Há quem fale que os bancos ainda precisam de US$ 1 trilhão?
CASTROQuando, no fim do ano passado, eu decidi escrever um livro sobre a bolha de Wall Street, estimei que os bancos precisariam de US$ 700 bilhões, o que já engolia praticamente todo o programa de soBacorro do governo americano. Agora, vejo economistas como o Kenneth Rogoff chegando ao número de US$ 1 trilhão, que são esses nossos US$ 700 bilhões mais algumas colaborações europeias e eventualmente asiáticas. A intensidade da crise surpreende a cada dia.

DINHEIRO – Na semana passada, o Royal Bank of Scotland anunciou um prejuízo recorde de US$ 41 bilhões e o primeiro-ministro Gordon Brown disse que os bancos foram muito irresponsáveis. CASTROEssa expressão é até bem leve, porque a irresponsabilidade não foi apenas dos bancos, que colocaram a perder os interesses dos acionistas. Onde estavam os reguladores, as autoridades e os governos? A responsabilidade deve ser compartilhada.

DINHEIRO – Por que o remédio aplicado está sendo inadequado?
CASTROPorque o problema dos bancos não decorre da incapacidade de pagamento das empresas do setor real da economia. Isso poderá até vir a acontecer no futuro, como consequência da crise. Mas os problemas dos bancos hoje são fruto de operações de derivativos em que eles mesmos se meteram. Portanto, a solução deveria ser uma concordata coletiva, fazendo um encontro de contas no sistema. Da maneira como as coisas estão sendo conduzidas, o que se tem é um excesso de exposição do Federal Reserve, que assume todos os ativos podres.

DINHEIRO – Como seria operacionalizada essa concordata coletiva?
CASTROSeria um modelo semelhante ao da Resolution Trust Corporation, que foi utilizada no início dos anos 90 para resolver o problema das chamadas savings and loans, que eram as entidades de caderneta de poupança nos Estados Unidos. A ressalva que eu coloco é que, nesta crise, a natureza dos ativos é bem diferente. São derivativos financeiros.

DINHEIRO – Voltando à exposição do Federal Reserve, têm sido anunciados aportes bilionários em vários setores, como se não houvesse limite para a expansão monetária. Como isso vai terminar?
CASTRO
Da mesma maneira como esse processo sempre termina, num fenômeno que a gente conhece bem. Vai dar no que sempre deu, de acordo com a teoria econômica, ou seja, em mais inflação. Só que, desta vez, do dólar.

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DINHEIRO – Mas o que quase todos os economistas dizem é que o perigo maior é a deflação.
CASTROComo há uma oferta excessiva de dólar, a teoria econômica ensina que a moeda americana deveria se desvalorizar. Mas como, ao mesmo tempo, as pessoas estão com medo de todos os outros riscos, isso segura um pouco a cotação do dólar. Só que a economia tem mecanismos automáticos de ajuste. No momento em que alguém gritar lobo e colocar um ponto de desconfiança na moeda americana, o teto cairá. Em algum momento, essa inflação chegará.

DINHEIRO – A presença de Paul Volcker na equipe econômica de Barack Obama não deveria funcionar como um seguro anti-inflação?
CASTRONão. O papel do Volcker é muito mais de conselheiro do que de executor. Aliás, a situação americana hoje está mais para Brasil dos anos 80 do que para Estados Unidos dos anos 30. O que existe hoje é um momento deflacionário, provocado pela queda nos preços dos ativos. O risco real, a médio prazo, é a inflação. É insustentável a posição macroeconômica de um país que tem poupança zero e está produzindo um déficit público da ordem de 10% do PIB. É assim que ocorrem as decadências imperiais.

DINHEIRO – Mas eles são financiados pelo resto do mundo?
CASTROMais cedo ou mais tarde, os financiadores dos Estados Unidos farão a conta do desequilíbrio latente dos Estados Unidos. Os asiáticos, quando enxergarem para valer a rachadura no teto, não ficarão lá sentados esperando o desabamento.

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DINHEIRO – Numa escala de zero a dez, em que ponto da crise nós estamos?
CASTRO No ponto três. Como diria o presidente Barack Obama, ainda tem muito o que piorar, antes de melhorar. O grande desafio é restabelecer a confiança, mas foram os erros dos reguladores e sua omissão em relação às regras já disponíveis que causaram isso tudo. O erro foi sistêmico e o grande insuflador da bolha global se chama Alan Greenspan [ex-presidente do Fed].

DINHEIRO – O que é razoável esperar para a economia mundial e brasileira em 2009?
CASTRO O mundo deverá ter uma queda de PIB de 2% neste ano. Essa análise engloba uma queda de 3% nos Estados Unidos e de 2% na União Europeia. Os emergentes, a meu ver, vão crescer muito menos do que se tem dito por aí. Para a China, eu prevejo algo em torno de 4%. E, no caso brasileiro, o desempenho deve ficar próximo a 1,5%.

DINHEIRO – O que se deve esperar do governo Barack Obama?
CASTROAo que tudo indica, ele será o gerente de uma monumental recessão. É uma tarefa ingrata. E aqui eu abro um parêntese para destacar o mérito extraordinário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início de 2003. Talvez por medo de errar, ele concentrou todo o ajuste na abertura dos trabalhos. Foi isso que tornou o Brasil mais resistente em meio à crise.

DINHEIRO – O Brasil, dependente das exportações de commodities, está mesmo tão resistente?
CASTROÉ um país que está muito bem posicionado. Nesse ponto, até o conservadorismo do Banco Central foi útil para ampliar as defesas do País.

DINHEIRO – E quando as coisas começarão a melhorar?
CASTROPor definição, elas só começam a melhorar depois do fim da deterioração do quadro. E isso só vai acontecer quando o setor real da economia estiver descontando o futuro e achando que valerá a pena voltar a investir. Você imagina isso acontecendo antes de 2011 ou 2012? Está bem difícil.

DINHEIRO – Como a possível queda do dólar pode abrir oportunidades para o Brasil?
CASTRO
Os países que são os grandes credores externos podem vir a buscar uma cesta de moedas, em vez de aplicar suas reservas apenas na moeda americana. A primeira coisa que muitos vão olhar vai ser essa questão dos BRICs, muito embora os países sejam bem diferentes entre si. E eu acredito que prevalecerão os ambientes jurisdicionais e políticos que possam ser descritos com a palavra estabilidade. O Brasil, hoje, é um país bem posicionado, em termos relativos. Outra coisa que os investidores vão projetar é a situação fiscal dos países.

 

 

DINHEIRO – Neste caso, o Brasil deveria ser keynesiano, gastando mais, ou anti-keynesiano, reduzindo o déficit?
CASTROAo contrário do que muitos dizem, é hora de ser estritamente anti-keynesiano, o que não significa dizer que não se possa abrir mais espaço para os investimentos privados. Esta é a hora de iniciar uma revolução na gestão do setor público. E esse é o lado bom do discurso do Obama, quando ele fala em aumentar a produtividade e a eficiência do Estado.

DINHEIRO – Fazendo o dever de casa, o Brasil entraria na lista dessa cesta global de moedas?
CASTROSim, mas como uma parcela minoritária da reserva global de valor. Além disso, quando a Argentina acabar de quebrar, é possível que eles tenham que usar a moeda brasileira. As moedas regionais criam constrangimentos federativos. Vamos olhar para o caso da Europa. O que seria da Espanha hoje se eles tivessem de enfrentar essa crise com as suas velhas pesetas? Ou da Itália com a sua lira? O real pode vir a ter um lugarzinho ao sol no futuro.