Fernando Haddad é um cara altamente preparado. Tão preparado que conseguiu ser o principal ministro do governo Lula III mesmo tendo adversários ideologicamente poderosos, como Gleisi Hoffmann (presidente nacional do PT), e Aloizio Mercadante (presidente do BNDES). Eles não apenas pensam o oposto. Eles não se dão. O ministro, quando prefeito de São Paulo, buscou e entregou uma cidade responsável fiscalmente com dinheiro no caixa. Agora, trava uma luta ainda mais árdua porque, ao contrário da maioria de seus interlocutores, sabe que ‘casa em ordem’ será a senha para uma inflação sob controle e juros decentes. Já os pensadores desenvolvimentistas preferem outro caminho. Por tudo isso a fala de Haddad há 11 dias (na quinta-feira, 13) na China – “Eu não conheço a Shein, eu conheço a Amazon, onde compro livro todo dia” – carrega mais que arrogância, esnobismo ou pedantismo. Carrega ignorância. Um desconhecimento que não cabe para quem comanda nossa Economia – seja a velha, da qual ele conhece bem e faz parte, mas especialmente a nova, da qual parece saber nada.

Haddad pode ignorar do que se trata a Shein. Mas teve de aprender às pressas. Porque foi mexer num vespeiro ao tentar taxar as compras de até US$ 50 feitas em plataformas de e-commerce como Shein e Shopee. O canal alimenta não apenas o desejo de compra de milhões de brasileiros e brasileiras. São meios pelos quais outras dezenas de milhares de pessoas fazem bicos e renda extra para sobreviver a um País esgarçado como o nosso. Lula e sua gigante comitiva poderiam querer aí uns R$ 8 bilhões em impostos cobrando do que chamam “contrabando digital”. Bastou algum emissário chinês alertar que os chineses importaram do Brasil no ano passado US$ 90 bilhões (R$ 450 bilhões, ou 56 vezes mais que o tal imposto Shein-Shopee traria) para o governo brasileiro ter de vergonhosamente voltar atrás (na terça-feira, 18), cinco dias depois da fala de Haddad. Vai que alguns navios com carne brasileira comecem a ficar parados nos portos asiáticos novamente…

‘Digital tax’ de Haddad: varejistas online vão embutir no preço, dizem analistas

A Shein, Haddad, teve receitas de US$ 22,7 bilhões em 2022, segundo reportagem veiculada pelo Financial Times em fevereiro. Isso dá algo perto de R$ 115 bilhões. Colocaria a marca no top 10 das maiores companhias brasileiras por faturamento. As projeções para o curto prazo são mais que dobrar de tamanho e alcançar US$ 58,5 bilhões já em 2025 (encostando nos R$ 300 bilhões). Logo ali, um ano antes de acabar o governo Lula III. Isso numa companhia lançada há apenas 15 anos (outubro de 2018), por Chris Xu. A empresa é tão jovem quantos parte considerável de seus consumidores. No ano passado, em abril, uma rodada de investimentos teria feito seu valor de mercado chegar a US$ 100 bilhões, segundo reportagem do The Wall Street Journal. De cara, ela distribuía globalmente (atende entre 150 e 200 países, dependendo da fonte) a produção de confecções chinesas, mas já há dez anos verticalizou os processos e hoje é um poderoso hub e plataforma capaz de colocar no mercado em prazos recordes uma nova coleção. E peças a partir de US$ 3. Tudo graças a um poderoso ativo tecnológico movido a algoritmos. Para isso, adotou o TikTok como canal principal de comunicação e branding. Essa fúria fez a marca avançar e ultrapassar outros players poderosos (Zara e H&M, por exemplo). Abriu sua primeira loja física em Tóquio, há cinco meses, e é há dois anos o app mais baixado tanto para sistemas operacionais iOS quanto Android – mais do que da Amazon!, Haddad.

Como muito que envolve gigantes chinesas há informações conflitantes. Sobre seu CEO e fundador (Chris Xu) não existe consenso na mídia nem sobre sua formação ou local exato de nascimento. Assim como polêmicas relacionadas a evasão fiscal e métodos de trabalho. Mas a geração Z (1996-2012), posterior aos millenials, ama a marca. A Shein (a pronúncia correta é she-in, algo como ‘ela na moda’) joga como poucos o jogo da nova economia. E isso tem muito a nos ensinar na esfera pública. Como ministro, olhar atentamente os mistérios, as práticas, a estratégia e principalmente o uso de tecnologia e algoritmos por trás dessa chinesa pode nos dar excelentes lições de economia & negócios. Quem sabe venha daí o aprendizado para fazer coisas que nossa classe política ainda ferozmente boicota. Como cuidar bem do dinheiro público.