Não poderia ter acontecido em pior hora. Às vésperas da data sagrada do setor de brinquedos, o Dia das Crianças ? fase em que as empresas do setor montam mais de 40% de seu faturamento ?, fabricantes e fornecedores travam um duelo de preços que não se via há décadas. O vilão da história é conhecido: o petróleo, matéria-prima dos termoplásticos que compõem grande parte da estrutura dos brinquedos. O preço de US$ 45 o barril fez explodir, por exemplo, o custo de rodinhas e carcaças de carrinhos e cabelos de boneca (sim, eles também são sintéticos). O aumento, nos dois casos, foi de 12%. Como se não bastasse o petróleo, os segmentos de tecidos e cartões de embalagem ? outros grandes fornecedores ? também estão em alta temporada de preços. ?Aumento de insumo significa aumento de custos e o conseqüente aumento de impostos. Isso gera ônus financeiro e pode comprometer a relação despesas/receitas?, avalia Carlos Tilkian, presidente da maior fabricante de brinquedos do País, a Estrela. Dados da Abrinq, a associação que reúne o setor, revelam que a elevação de preços no início da cadeia produtiva poderia produzir, em média, um repasse de 12% na ponta final, ou seja, no bolso do consumidor. Mas não seria bom para a indústria elevar os preços dos brinquedos numa data em que o consumo é menos racional e muito mais emocional? Não. ?Isso pode significar encalhe de produtos, já que o poder aquisitivo do consumidor não consegue acompanhar a alta da matéria-prima. O ideal é tentar outra saída?, diz Tilkian.

E qual seria? A Abrinq sugere dividir a pressão dos custos entre toda a cadeia produtiva, ganhar com margem mínima de lucro e aumentar a produção para fazer volume de vendas. ?Mas do jeito que a cadeia é unida…?, ironiza o presidente da Estrela. No caso da líder, o impacto de preços não deve atingir o Dia das Crianças, já que os estoques estavam comprados e devidamente negociados com os clientes. O problema pode ser a segunda data mais importante: o Natal. ?Se as coisas continuarem como estão eu não sei se a Indústria conseguirá evitar o repasse?, afirma Tilkian. Na semana passada, os principais fabricantes do setor estiveram na sede da Abrinq em São Paulo, debatendo com fornecedores, atacadistas e lojistas a estratégia para minimizar os estragos provocados pelo petróleo. ?O problema é global. Temos parceiros na China que também reclamam dos preços da matéria-prima?, conta Paulo Benzatti, gerente nacional de vendas da Gulliver. ?Lá, como aqui, eles tentam diluir a pressão por todos os ciclos de produção.?

A Gulliver, até aqui, teve um ano de ouro, com aumento de vendas de 40% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2003. Para o Dia das Crianças, planejava crescer 30% em comparação ao ano anterior. Mas essa meta, agora,
pode sofrer alterações se a indústria não chegar a um consenso. ?Nosso grande trunfo é ter um mix diversificado, principalmente com produtos importados inspirados em filmes e seriados de TV, como a linha Homem-Aranha e Shrek?, diz Benzatti. Além disso, a Gulliver acaba de firmar um contrato com a Warner para vender no Brasil brinquedos das linhas Meninas Superpoderosas, Samurai Jack e Mucha Lucha. Os produtos são feitos pelas fabricantes americanas Equity Toys e Jakks Pacific. Essa é a outra alternativa: reforçar a linha de importados e aproveitar o bom momento do câmbio. Não por outro motivo, a Mattel, líder mundial de brinquedos, assiste a turbulência das fabricantes locais de camarote. Quase 100% de seu mix vendido no Brasil vem com selo de fora.

Além da queda de braços com fornecedores e importadores, a indústria sabe que em períodos como o Dia das Crianças, o contrabando ? que geralmente rouba mais de 20% das vendas do setor ? cresce velozmente. No final de julho, fiscais da Receita Federal fizeram uma apreensão de 26 carretas em Foz do Iguaçu (PR). Elas traziam brinquedos da China num valor total de US$ 3 milhões. Os produtos desembarcaram em um porto no Chile e entraram no Brasil por rodovias. Uma semana depois, nova apreensão, desta vez de Play Stations (console de videogames) recauchutados que seriam vendidos aqui por cerca de R$ 300. O modelo original custa cerca de R$ 1 mil. Eram 2 mil unidades contrabandeadas. Em Macapá também foram encontradas centenas de caixas de Play Stations piratas. Os produtos tinham como destinos os mercados do Rio de Janeiro e São Paulo. Estes são apenas alguns exemplos do que a indústria de brinquedos deve enfrentar nos próximos meses.