25/11/2024 - 19:46
Admirador de Putin e de antigos fascistas romenos, Calin Georgescu passou para o 2° turno da eleição presidencial sem contar com partido e espaço na mídia. Sua campanha se concentrou principalmente em vídeos no TikTok”Surpresa total”, “choque”, “terremoto político”. Essas foram apenas algumas das expressões usadas por comentaristas atônitos nos estúdios de televisão da Romênia na noite de domingo (24/11), quando os resultados do primeiro turno da eleição presidencial no país do leste europeu de 19 milhões de habitantes começaram a ser divulgados gradualmente.
Isso tudo porque um membro da extrema direita e fundamentalista cristão ortodoxo, admirador de Vladimir Putin e de antigos fascistas romenos, que era praticamente ignorado pelo establishment político e pela mídia tradicional, terminou o primeiro turno na liderança. E nada disso havia sido captado em pesquisas.
Calin Georgescu, nascido em 1962, engenheiro agrônomo, sem filiação partidária, mas ativo na cena de extrema direita da Romênia há vários anos, obteve cerca de 23% dos votos numa eleição marcada por baixo comparecimento e pulverização de candidatos.
Praticamente um desconhecido, ele nem chegou a figurar inicialmente nas pesquisas pré-eleitorais e, mais recentemente, apareceu com entre 4% e 7% das intenções de voto em levantamentos realizados em dias anteriores ao pleito.
Georgescu também não liderou uma campanha eleitoral tradicional. Além de não contar com um partido ou organização, ele mal apareceu na mídia tradicional durante a campanha. Ao final do primeiro turno, ficou claro que ele nem mesmo contava com um QG oficial de campanha, e jornalistas acabaram tendo que se concentrar em frente à sua residência.
O TikTok como arma
Em vez de utilizar tradicionais ferramentas de campanha, Georgescu conseguiu turbinar sua candidatura nas últimas semanas com vídeos na plataforma TikTok, que foram compartilhados centenas de milhares de vezes.
“É uma vitória do TikTok”, disse o analista e historiador romeno Ion M. Ionita ao Financial Times. “Você não precisa de um partido. Você só precisa se tornar viral nas mídias sociais, e ele se tornou viral, com certeza.”
Ao final da campanha, Georgescu acumulava cerca de 3,8 milhões de curtidas no TikTok e 298.000 seguidores, enquanto seus vídeos atraíram milhões de visualizações.
No TikTok, vários vídeos de Georgescu se tornaram virais, muitas vezes produzidos com um estilo semelhante ao do influenciador masculinista Andrew Tate. Georgescu foi mostrado suando numa pista de corrida, dando golpes de judô em adversários e montando um cavalo branco com roupas tradicionais romenas.
Ainda não está claro como as centenas de vídeos de Georgescu no TikTok foram distribuídos nas últimas semanas e quem pagou por eles. O jornalista Florin Negrutiu disse no canal de televisão Digi24 que isso ainda precisa ser esclarecido. Mas, segundo ele, é certo é que o resultado da eleição foi uma “combinação terrível de vários fatores”: “um homem que se apresenta como um líder messiânico e um derivado de Putin, algoritmos da mídia social e fábricas de bots”.
De acordo com um relatório do Expert Forum, um think tank de Bucareste, a conta de Georgescu no TikTok sofreu uma explosão de visualizações que “parece repentina e artificial”.
Em 18 de novembro, sua conta no TikTok havia recebido 92,8 milhões de visualizações, acumuladas principalmente nos dois meses anteriores, um número que recebeu a adição de 52 milhões de visualizações apenas uma semana depois, poucos dias antes da votação do primeiro turno.
“Precisamos que o TikTok lance alguma luz e realmente investigue o que está acontecendo na Romênia”, disse Madalina Voinea, do Expert Forum, à agência Associated Press.
Outros candidatos
Se Georgescu surpreendeu ao terminar em primeiro lugar com 23%, a disputa pela outra vaga no segundo turno também foi marcada por suspense.
No final, a candidata Elena Lasconi, do partido reformista liberal-progressista União Salve a Romênia (USR), ficou com 19,17%, com uma vantagem de apenas cerca de 2.000 votos sobre o terceiro colocado.
Marcel Ciolacu, que atualmente é primeiro-ministro e líder do Partido Social Democrata (PSD), e que era o favorito nas pesquisas, obteve 19,15%. Essa é a primeira vez que os social-democratas, que dominaram o cenário político da Romênia desde a queda da ditadura comunista e há anos adotam uma roupagem populista, não contam com um candidato no segundo turno presidencial.
Em quarto lugar, ficou George Simion, presidente do partido de extrema direita Aliança para a Unificação da Romênia (AUR), com cerca de 14%. O candidato dos Liberais Nacionais, o ex-primeiro-ministro Nicolae Ciuca, ficou com pouco menos de 9%. De modo geral, as pesquisas erraram de maneira explicita, com exceção das porcentagens de alguns candidatos nanicos.
O segundo turno está marcado para 8 de dezembro.
Candidato de protesto?
Comentaristas romenos expressaram consternação na noite da eleição. O cientista político Cristian Pirvulescu disse no canal de televisão Digi24 que o resultado da eleição mostrou um fosso entre a classe política e a sociedade romena, já que um terço dos eleitores votou a favor de “candidatos antissistema”. Esse é um “momento sério para a Romênia” e um “grande sinal de alarme”, disse Pirvulescu, que avaliou ainda que a Romênia está “à beira de mergulhar no abismo”.
Por sua vez, o especialista em direito constitucional Ioan Stanomir mencionou a possibilidade de uma “espiral de protestos imprevisíveis” se a política tradicional deixar o campo para os forasteiros devido à “incompetência e mediocridade”. “Os perdedores da globalização se vingaram”, disse Stanomir. O jornalista Cristian Tudor Popescu escreveu no Facebook na noite de domingo: “Esta noite, a invasão da Romênia pela Rússia começou”.
Olhando os resultados de perto, a passagem de Georgescu ao segundo turno também foi alimentada pela pulverização de candidaturas e baixo comparecimento às urnas. Ao todo, seis candidatos receberam mais de 5% dos votos cada um. Em números absolutos, Georgescu recebeu apenas 2,1 milhões de votos, num pleito no qual o comparecimento foi de apenas 52,5%. Desses votos, pouco mais de 340 mil vieram de eleitores que vivem no exterior.
Anti-UE e admirador de fascistas
Calin Georgescu trabalhou por décadas no aparato estatal romeno, inclusive em posições de direção e aconselhamento no Ministério do Meio Ambiente e no Ministério das Relações Exteriores. Há pouco mais de uma década, ele passou a aparecer cada vez mais em público com publicações em redes sociais nas quais expressava opiniões de teor fundamentalista cristão e de extrema direita, além de mensagens antiocidentais e pró-russas recheadas com teorias conspiratórias.
Ele chegou a atuar no partido de extrema direita AUR, mas se desentendeu com seu presidente, George Simion.
Georgescu também está sob investigação criminal desde 2022 por suspeita de glorificar a antiga Guarda de Ferro romena, também conhecida como “Movimento do legionário”, um grupo fascista que existiu na Romênia entre 1927 e 1941 caraterizado por um violento antissemitismo e por diferir de outros movimentos fascistas europeus da época por causa da presença de fortes elementos do cristianismo ortodoxo.
Em 2020, Georgescu afirmou que considerava Ion Antonescu – um antigo ditador romeno que foi aliado de Adolf Hitler – e Corneliu Zelea Codreanu – o fundador da Guarda de Ferro – como “heróis”.
Georgescu também já disse que acreditar que a Guerra da Ucrânia foi causado pelos EUA – e não pela Rússia. Em outra ocasião, ele afirmou considerar e que “a sabedoria russa é a chance da Romênia”.
Em 2020, ele publicou um vídeo em que aparecia tomando banho em água fria, dizendo que essa era a melhor vacina contra o coronavírus. Em um podcast de 2024, ele disse que a covid “não existe”, e que “a única ciência real é Jesus Cristo”.
Georgescu também é a favor da saída da Romênia da União Europeia e da Otan.
Política tradicional vai conseguir reagir?
Em seus vídeos do TikTok, Georgescu repetiu slogans como: ” O que mais falta à Romênia é o culto à honra e à dignidade”, em um tom que fez alguns observadores apontarem semelhanças com o discurso dos legionários fascistas do período entre guerras.
Na noite da eleição, Georgescu dirigiu-se a seus apoiadores com uma breve mensagem em tom messiânico: “No 30º domingo após a Páscoa, o povo romeno clamou por paz em um grito de sofrimento. O povo romeno estava vivenciando o renascimento da coragem de ser romeno, pois votou a favor de não ser mais colocado de joelhos, invadido, assediado e humilhado”.
No entanto, ainda é incerto se Georgescu terá chances reais no segundo turno da eleição presidencial, previsto para ocorrer em duas semanas. Observadores apontam que seu discurso é extremo demais para a maioria dos romenos, e muitos eleitores parecem ter votado nele no primeiro turno apenas como protesto contra o establishment político e por ignorarem muitas das opiniões de Georgescu.
A candidata que terminou em segundo lugar, Elena Lasconi, líder do partido União Salve a Romênia (USR) e prefeita de uma pequena cidade no sul do país, aparece no momento como uma alternativa mais digerível para muitos eleitores.
O USR surgiu há cerca de uma década como um partido de protesto liberal e progressista contra a corrupção. É provável que Lasconi agora tente se apresentar como a única figura capaz de “salvar a Romênia” de um aventureiro político.
jps (AP, AFP, ots)