30/08/2006 - 7:00
Há um inesperado efeito colateral depois das ameaças de atentados em Londres, há duas semanas, que supostamente resultariam na explosão de aeronaves comerciais. As rigorosas medidas de segurança deflagradas na Europa e nos Estados Unidos, que impõem apenas uma bagagem de mão a bordo, com o tamanho máximo de um notebook, desafinam o humor dos músicos de orquestra, homens e mulheres habituados a executar obras clássicas em peças seculares. Violinos e instrumentos de sopro, que tradicionalmente viajavam com os concertistas, muitas vezes no assento ao lado, agora precisam seguir como carga, sujeita a perigosas variações de temperatura. Até agora, mesmo os violoncelos, enormes, acompanhavam seus donos dentro dos jatos ? pagava-se uma cadeira, invariavelmente de primeira classe, de modo que o instrumento tivesse lugar garantido. É iniciativa interrompida até segunda ordem.
O maestro e violinista Pinchas Zukerman saiu do tom, recentemente, quando os agentes do aeroporto de Atlanta, nos Estados Unidos, pediram-lhe que tirasse as delicadas cordas de um legítimo Guarnieri del Gèsu de 1742 ? peça que já foi leiloada por US$ 6 milhões ?, tão cobiçado como um Stradivarius cremonense. ?Tenho tido discussões inacreditáveis nos aeroportos?, diz Zukerman. ?Eles querem pôr as mãos em objetos que eu mesmo tenho receio em mexer, e, além do mais, é meu trabalho.? Amanda Forsyth, virtuose de violoncelo, esposa de Zukerman, grita ainda mais alto. ?Sempre comprei passagens de modo a transportar meu instrumento dentro da aeronave, e agora me tratam como uma criminosa de segunda classe?, diz. É exagero, mas os estragos são evidentes.
Grandes orquestras, como as Sinfônicas de Minnesota e Filadelfia, nos Estados Unidos, estão cancelando apresentações. A trupe que acompanha o lendário Balé Bolshoi, de Moscou, alterou as datas de seus espetáculos porque os instrumentos agora vão em navios ? há concertistas que fazem questão de acompanhá-los, em gesto que parece tolo, mas é apenas paixão e cuidado pelo que fazem. ?Em muitos casos, os contratos dos músicos determinam que eles estejam sempre ao lado de seus instrumentos?, diz Alexander Vedernikov, maestro do Bolshoi. ?E mesmo que não houvesse a determinação por escrito, assinada, é natural que não queiram abandonar algo que lhes acompanha a vida toda.? Aos poucos, a turbulência chega ao Brasil. A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, tem turnê nos Estados Unidos prevista para setembro e outubro, durante 22 dias. De modo excepcional, a produção da companhia já começa a despachar as cinco toneladas em embalagens próprias, rigorosamente encaixotadas ? apesar da queixa dos artistas. ?Não há outra saída?, diz Cristiane Santos, encarregada dos bastidores da Osesp. ?É um estorvo, mas não temos como escapar dessa exigência?. Uma outra solução, paliativa, seria a contratação de vôos charters, que não saem por menos de US$ 300 mil em travessias intercontinentais.