20/09/2025 - 17:09
O setor de turismo dos Estados Unidos, tradicionalmente um motor de comércio e consumo, atravessa um momento delicado em 2025. Segundo o World Travel & Tourism Council (WTTC), um fórum internacional da indústria do turismo, os gastos de visitantes internacionais devem cair de US$ 181 bilhões em 2024 para menos de US$ 169 bilhões neste ano — uma perda estimada em US$ 12,5 bilhões.
As projeções, que no início do ano indicavam crescimento, tiveram de ser revistas. O instituto Congressional Research Service, ligado ao Legislativo dos EUA, aponta que tanto o número de visitantes estrangeiros quanto os gastos relacionados às viagens devem recuar cerca de 5% em 2025, em relação a 2024.
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Entre as razões para o recuo estão a combinação de políticas de fronteira mais rígidas, percepção negativa do país no exterior, câmbio desfavorável e custos mais altos de estadia, segundo análises do Congresso e da agência de notícias Reuters. A chegada de turistas por via aérea permanece abaixo dos níveis de 2019 em diversos mercados emissores.
Outro fator que deve pesar é a criação da nova taxa de visto, o chamado visa integrity fee, de US$ 250, prevista para entrar em vigor em outubro. A medida afeta especialmente viajantes de países que não fazem parte do programa de isenção de vistos — como o Brasil.
Brasileiros seguem viajando aos EUA, mas comércio sente queda
Internacionalmente, os Estados Unidos seguem firmes como destino preferido dos brasileiros. Orlando e Miami lideram as buscas por viagens, atraindo famílias para os parques temáticos e as tradicionais compras, mesmo diante de um câmbio desfavorável e do aumento dos custos para viajar ao exterior.
Segundo um levantamento da agência Viva América o Brasil foi o 4º país que mais enviou turistas para os EUA no primeiro trimestre de 2025. Nos três primeiros meses de 2025, quase meio milhão de brasileiros cruzaram as fronteiras americanas — um crescimento de 5% em relação ao mesmo período de 2024. O dado contrasta com a queda registrada entre outros países emissores, como México (-21%) e Canadá (-46%).
Apesar disso, o comércio americano começa a sentir os efeitos de uma nova realidade: turistas internacionais estão gastando menos. Entre os brasileiros, que tradicionalmente desembarcam nos EUA em busca de eletrônicos, roupas de grife e até enxovais de bebê, a alta do dólar – que chegou a beirar os R$6 – e o aumento do IOF em sobre transações no exterior, ocorrido em maio deste ano, pesam no bolso.
Esse movimento preocupa o setor varejista dos EUA, acostumado a contar com o poder de compra dos turistas internacionais — em especial dos brasileiros, considerados clientes fiéis e de alto consumo. Agora, a combinação de inflação global, dólar valorizado e mudanças no perfil do consumo ameaça reduzir um dos pilares do turismo de compras nos EUA.
Brasileiros nos outlets: compras em tempos de incerteza
Nos corredores do centro comercial Jersey Gardens, no estado de Nova Jersey — um dos outlets mais procurados por turistas brasileiros —, Katlyn Bomfim, moradora de Franco da Rocha, no interior de São Paulo, enchia as sacolas com roupas e acessórios para revenda no Brasil. O negócio, que ela mantém de forma quase artesanal, atendendo clientes apenas pelo WhatsApp, ilustra uma realidade em transformação: se antes viajar para comprar e revender parecia sempre vantajoso, agora até quem vive desse mercado hesita em manter o ritmo.
“Eu ainda estou na dúvida se volto no fim do ano. Minha intenção era ir a Orlando, porque lá o custo da viagem é mais barato e os outlets também são melhores para compras”, explica. A comparação direta de preços e destinos mostra como o aumento do dólar e o encarecimento geral da viagem obrigam os brasileiros a recalcular gastos e buscar alternativas.
Por outro lado, mesmo com a alta da moeda e a incerteza em relação às políticas de imigração nos Estados Unidos, Katlyn não relata dificuldades na entrada no país. “Nunca tive problemas na fronteira. Tenho uma amiga brasileira-americana que me ajuda com o convite, então fica mais fácil.” O problema para ela, portanto, não é de acesso, mas de bolso, já que entrar ao país é simples, sair com as sacolas cheias é que se transformou em um desafio.
Já Giovanna e Cláudia Teixeira, mãe e filha do Guará, no Distrito Federal, voltaram ao Jersey Gardens depois de uma década.
Para elas, a experiência de comprar nos EUA continua irresistível, mas a viagem veio acompanhada de apreensão.
“Até antes de vir a gente ficou com medo, tanto pelo que está acontecendo em Brasília quanto pelo clima político aqui nos Estados Unidos”, conta Cláudia, referindo-se à condenação do ex-presidente Bolsonaro. Apesar disso, a entrada foi tranquila.
“Achamos que teria problema, mas com o visto de turista foi tudo certo, nenhum inconveniente”, contam.
Giovanna, que já havia morado nos EUA, reforça que a sensação de insegurança não foi suficiente para desanimar. “Na nossa opinião, ainda vale a pena voltar. Eu amo essa cidade”, diz, sorrindo enquanto carrega as sacolas. Mas, ao contrário de anos anteriores, a família admite que as compras hoje são mais seletivas: listas de desejo se tornam curtas, com foco no essencial e em promoções.
Do outro lado dessa cadeia, estão as empresas brasileiras especializadas em turismo que ajudam a manter vivo o fluxo para os outlets. Henrique Alves, dono da USA Turismo, atua há mais de dez anos em Nova York oferecendo transfers para o Jersey Gardens e para o Woodbury, outro destino popular entre os brasileiros. Ele conta que o perfil dos clientes varia: famílias de classe média preferem o Jersey Gardens, pelas marcas mais acessíveis, enquanto os de maior poder aquisitivo buscam as grifes do Woodbury.
“Levamos em média duas a três famílias por semana. Depois do Mundial de Clubes, sentimos uma queda de cerca de 15% no movimento, especialmente de brasileiros, que são 90% do nosso público”, relata.
Flórida como um destino de compras que resiste
Em Orlando, um dos destinos mais procurados por brasileiros, a personal shopper Verônica Tasar encontrou uma forma de transformar o turismo de compras em negócio próprio. Atuando há anos como ponte entre os consumidores do Brasil e os outlets e shoppings da Flórida, ela atende de duas maneiras: pessoalmente, recebendo clientes que viajam para a cidade, e online, pelo Instagram e direct box, encaminhando produtos diretamente ao Brasil.
“Tenho muitos clientes que nunca vieram aos Estados Unidos, mas usam meu serviço para comprar produtos americanos”, explica. Entre os itens mais procurados estão eletrônicos, cosméticos coreanos e produtos de beleza que viralizam nas redes sociais, além de vitaminas e itens de lojas como a Target. “É tudo o que não existe no Brasil ou que chega lá com preços muito mais altos.”
O negócio, no entanto, também reflete as mudanças no turismo. Enquanto os envios para o Brasil se mantiveram estáveis, Verônica confirma que o fluxo de clientes brasileiros em Orlando caiu nos últimos 13 meses. “De janeiro a março foi especialmente ruim. E mesmo na temporada de abril a agosto, que costuma ser a mais movimentada, houve menos estoque acumulado do que no ano passado.” Ela cita ainda, o caso de uma cliente em particular, que costumava viajar para comprar pessoalmente, mas agora prefere fazer tudo online.
Segundo ela, outros parceiros de negócios confirmam a queda no turismo de compras. Para ela, os motivos são múltiplos: receio com documentação, dificuldades da economia brasileira e até a própria oscilação do dólar. “Muita gente prefere guardar dinheiro em vez de gastar na viagem.”
Também baseado em Orlando, o clássico mercado de enxovais de bebê segue como um dos principais motores do turismo brasileiro. A consultora Vanessa Klein, fundadora da My Personal Shopper Br, transformou sua própria experiência de maternidade em negócio. Desde 2010, ela ajuda famílias a montar enxovais nos Estados Unidos, tanto presencialmente quanto à distância.
No serviço presencial, Vanessa acompanha cada família nas lojas de Orlando, explicando o uso de cada produto, sugerindo marcas e até mostrando como montar itens essenciais. Para quem não pode viajar, ela organiza o chamado remote layette, enviando os produtos diretamente ao Brasil.
O gasto médio por família gira em torno de US$ 4 mil, podendo variar de US$ 3 mil até US$ 10 mil em enxovais completos. Entre os itens mais procurados estão roupas e acessórios de grife, além de clássicos como a “Girafa Sophie”, brinquedo de silicone que estimula os cinco sentidos do bebê e aparece em quase todos os kits preparados pela consultora.
A procura, no entanto, também apresenta sazonalidade. “Nos meses de verão americano, de junho a agosto, a demanda presencial cai porque muitos médicos desaconselham viagens durante o calor intenso da Flórida. A partir de setembro, o fluxo volta ao normal e cresce até o fim do ano”, explica. Já no serviço remoto, não há grandes variações.
“Nos Estados Unidos, há uma variedade de marcas e uma qualidade de produtos que simplesmente não existem no Brasil”, diz Vanessa para explicar que, mesmo em meio às dificuldades, o sonho do enxoval americano continua vivo e sem sentir os efeitos da queda no turismo, pelo menos por enquanto.