12/05/2004 - 7:00
No Brasil, a prosperidade tem endereço fixo. Nos últimos anos, a despeito da estagnação que se espalhou por boa parte do País, o desenvolvimento instalou-se em algumas poucas ilhas ? cidades ou regiões que mantêm ritmo de crescimento digno dos tempos do milagre econômico e se tornaram referências internacionais em segmentos modernos e aquecidos. A partir desta semana, DINHEIRO faz uma viagem por esses pólos onde mora o progresso. Primeira parada: Uberaba, um dos vértices
do Triângulo Mineiro, estratégico entroncamento entre o desenvol-
vido Sudeste e o emergente Centro-Oeste. Há sinais exteriores de pujança por toda parte da cidade. Quem desembarcou na semana passada no acanhado aeroporto da cidade de cerca de 300 mil habitantes, por exemplo, deparou com um congestionamento de jatos executivos e pequenas aeronaves privadas. Nas ruas locais e estradas dos arredores, o movimento incomum de picapes e off-roads importados, com placas de todas as regiões do País, revelava ao desavisado que algo de novo e poderoso acontece naquelas bandas. Nas chácaras e fazendas das redondezas, enormes lonas brancas abrigavam eventos requintados. Pastos viravam estacionamentos, com carrões indo e vindo nas mãos de exércitos de manobristas. De vez em quando subiam nuvens de poeira e delas despontavam helicópteros com passageiros ilustres. A razão do frenesi está estampada por toda parte. Em Uberaba, top models e personalida-
des da TV e do esporte sumiram dos outdoors, substituídos por ?garotos-propaganda? de quase uma tonelada, estrelas do pelotão
de elite da pecuária nacional.
Rota internacional. Pepitas de carne e (principalmente) genes, alguns dos melhores touros e vacas do mundo são a razão da crescente romaria de empresários à cidade. Somente nos dez dias da Expozebu, maior feira do setor no Brasil encerrada neste domingo 9, titãs do agronegócio movimentaram mais de R$ 100 milhões para arrematar animais em 51 leilões oficiais realizados na cidade. Em 2003, o martelo bateu em 38 eventos do gênero e o montante apurado nas vendas ficou na casa dos R$ 68 milhões. ?Tudo em torno do zebu cresce nesse ritmo, de 30% ao ano?, afirma José Olavo Borges Mendes, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). No ano passado, a Expozebu recebeu 220 visitantes estran-
geiros. Este ano foram mais de 500. ?Eles vêm atrás da genética dos nossos animais?, diz Borges Mendes. ?Quem quiser montar um rebanho de qualidade em um país tropical tem de passar por Uberaba?.
Autodenominada ?maior organização de pecuária do mundo?, a ABCZ transformou, de fato, Uberaba em ponto de referência internacional. Com 15 mil associados e um banco de dados com 6 milhões de animais registrados (só entram nessa lista os melhores reprodutores zebuínos), a entidade transformou-se no coração de uma das ativida-
des econômicas mais rentáveis do País. Em 2003 o Brasil tornou-se o maior exportador mundial de carne bovina, com vendas de US$ 4 bilhões. Boa parte dos resultados pode ser creditada ao empenho dos filiados à ABCZ em investir, durante décadas, em seleção e melhoramento genético, formando em torno da sede da entidade um moderníssimo pólo de biotecnologia. Empresas e laboratórios especializados em inseminação artificial e transferência de embriões ? cujo mercado é de R$ 200 milhões por ano no Brasil ? instalaram-se na cidade. A última a chegar foi justamente a maior do setor, a multinacional ABS Pecplan, que em outubro passado transferiu sua central de coleta de sêmen de São Paulo para uma área de 200 hectares a 20 quilômetros do centro de Uberaba. ?Agora operamos dentro da indústria?, diz Alexandre Ramos Lima, gerente comercial da empresa. ?Além disso, aqui estamos longe da confusão paulistana e temos ótima infra-estrutura. Até fibra óptica passa na nossa porta.?
São razões que pesam na decisão de qualquer empresa, em qualquer setor e que tem ajudado Uberaba a receber investimentos também de outras áreas. A Sauder, uma das maiores fabricantes americanas de móveis, começa a produzir na cidade em junho ? é a primeira unidade da companhia fora dos Estados Unidos, onde fatura US$ 500 milhões ? e dará um empurrão ao crescente pólo moveleiro local. A conterrânea Black & Decker, do setor de equipamentos, também elegeu Uberaba como único centro fabril no País e já opera a todo vapor. Já a Fosfertil, uma das maiores do Brasil no segmento de fertilizantes, pode anunciar em breve o maior investimento dos últimos tempos na região: a construção de uma fábrica de amônia e uréia, que consumiria US$ 500 milhões. Para isso, falta apenas a assinatura, pelo governo federal, dos contratos para a construção de um ramal do gasoduto Brasil?Bolívia, que abasteceria a cidade com gás natural. O gasoduto foi tema de conversas entre o vice-presidente da República, José Alencar, o governador Aécio Neves, e o presidente da Fosfértil, Francisco Gros, na segunda-feira 3, durante a abertura da Expozebu. ?As negociações estão avançadas?, disse Gros à DINHEIRO.
Investimento puxa investimento. Com o movimento intenso de empresários e executivos, Uberaba viu sua rede hoteleira praticamente dobrar nos últimos três anos. Hoje, a cidade tem 35 hotéis, com capacidade de hospedar 3,1 mil pessoas. Ainda assim, faltam leitos no período da Expozebu. ?Somente em torno da exposição surgem 10 mil novos empregos temporários?, exulta o prefeito Marcos Montes Cordeiro. A prosperidade do agronegócio fez proliferar na cidade todo tipo de serviço voltado para atender o setor, de agências de propaganda especializadas na área rural. ?Nossa arrecadação cresce acima da média do Estado?, comemora Cordeiro. Em 1999, entravam nos cofres da Prefeitura R$ 135 milhões. No ano passado, foram R$ 233 milhões, ou seja, 72% de crescimento em quatro anos, período que marca o novo boom da pecuária na região.
Animais-empresas. Os lucros com a indústria da carne despertaram para o setor grandes empresários antes pouco afeitos ao mundo rural. Boa parte deles tomou, nos últimos anos o rumo de Uberaba. Melhor retrato desse movimento está na audiência dos principais leilões e nos luxuosos eventos sociais que cercam a expozebu. Nesse capítulo, o dono da festa é o mineiro Jonas Barcellos, dono do grupo Brasif ? que explora as lojas de dutty free nos aeroportos brasileiros ? e da fazenda Mata Velha, de onde saem tradicionalmente alguns dos melhores animais do País. Ninguém consegue cotações tão altas pelas estrelas de um rebanho quanto ele. Em setembro passado, bateu um recorde mundial ao vender metade da vaca Pagina FIV por R$ 1,4 milhão. Na terça-feira 4, repetiu a dose com Marilin Montanha, fêmea nelore de quase uma tonelada, arrematada por R$ 1,47 milhão, lance mais alto entre todos os oferecidos nos 51 leilões da Expozebu. O comprador foi um consórcio liderado pelo empresário João Carlos Di Gênio, dono do grupo de ensino Objetivo, de São Paulo, hoje um dos maiores investidores em pecuária do Brasil. ?A pujança desse setor sempre me impressiona?, afirmou Aécio Neves à DINHEIRO. ?Tenho dificuldade em entender como um animal pode valer tanto?. Barcellos e Di Genio compreendem bem. ?Cada vaca dessas é uma empresa, uma fábrica de embriões que, por causa da sua excelente carga genética, tem alto valor de mercado?, explica o vendedor. ?Fiz um ótimo negócio, que em menos de dois anos estará me dando retorno?, confirma o comprador. Nas mesas próximas a Di Genio, outros expoentes da iniciativa privada também davam lances vultosos. O armador Frank Wlasek, do grupo Metalnave, pagou R$ 1,13 milhão para levar a nelore Dalle da Europa para a sua Fazenda Oriente. Henri Slezinger, do grupo petroquímico Unigel, por exemplo, ficou com metade da vaca Tara, que marcou a estréia do empresário calçadista Pedro Grendene como comprador em leilões. O animal foi cotado a R$ 729 mil. Minutos depois, foram sócios no arremate de outro animal.
A Mata Velha fica às margens da BR-050, que liga o Triângulo à divisa com São Paulo. É endereço nobre na região. Para uns, é a Avenida Paulista do zebu; para outros, a Vieira Souto da pecuária ? ambas referências aos valorizados pontos imobiliários de São Paulo e do Rio. ?Já ouvi dizerem que ali é o Vale do Sêmen, numa analogia ao Vale do Silício das empresas de tecnologia?, conta Ana Keyla Cartafina Gomes, dona da Patrimônio, uma das principais imobiliárias da região. As comparações se explicam pela intensa procura por terrenos na área ? o preço do alqueire mineiro (48,4 mil m2) dobrou no último ano e hoje está em torno de R$ 100 mil. Pecuaristas de várias regiões do País compram chácaras ali e transferem para elas a elite de seu rebanho. Afinal, é em Uberaba que os melhores negócios acontecem.